Revista Exame

São Paulo, a capital latino-americana dos investimentos estrangeiros

Cidade onde está quase a metade das sedes latino-americanas das multinacionais, São Paulo é a quarta metrópole que mais recebe investimentos estrangeiros no mundo

Zona Sul de São Paulo: em toda a América, só Nova York tem mais escritórios de multinacionais do que a capital paulista

Zona Sul de São Paulo: em toda a América, só Nova York tem mais escritórios de multinacionais do que a capital paulista

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Da Redação

Publicado em 18 de abril de 2012 às 07h00.

São Paulo - Até hoje não se sabe ao certo quem foi a primeira pessoa a usar o termo América Latina. Existem três candidatos, todos homens de letras do século 19: o colombiano José María Torres Caicedo, o chileno Francisco Bilbao e o panamenho Justo Arosemena.

O certo é que nenhum dos políticos, acadêmicos e escritores que primeiro utilizaram a expressão considerou o Brasil como parte do conceito. América Latina era simplesmente outro nome para a América Espanhola. Mais de 150 anos depois, o fato histórico ganha ares de ironia.

A extensão de terra que vai da fronteira norte do México ao sul da Argentina e do Chile é hoje uma das regiões mais dinâmicas do mundo — sua participação no PIB global saiu de 5,4%, em 1990, para 8%, em 2011. E, entre todas as cidades latino-americanas, São Paulo é a que melhor exempli­fica esse novo momento.

A capital paulista ocupa o quarto lugar no ranking organizado pela consultoria KPMG com as 22 maiores metrópoles mundiais que mais receberam investimentos estrangeiros no ano passado — atrás somente de Londres, Xangai e Hong Kong.

Entre 2006 e 2011, o valor do investimento externo atraído por São Paulo saiu de 600 milhões para 8,4 bilhões de dólares — um aumento de 1  300%, segundo cálculos da Sociedade Brasileira de Estudos das Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica.

Para medir a nova importância de São Paulo nesse contexto, EXAME e KPMG realizaram uma pesquisa com as multinacionais presentes nos diferentes países da região.

No total, 74 empresas foram consultadas, das quais 68% disseram ter um centro de decisão dedicado à América Latina, prática que se disseminou na última década. Desse percentual, quase a metade tem a sede latino-americana em São Paulo — esse, sim, um fenômeno que ganhou impulso desde 2007.

A lista das companhias que criaram  uma sede latino-americana na capital paulista ou transferiram essa unidade recentemente para a cidade inclui empresas como a sueca Ericsson, as americanas GE e Pepsico, a japonesa Panasonic, a francesa Alstom e o banco inglês HSBC, que acabou de mudar para São Paulo o centro regional antes instalado na Cidade do México.


Outro banco, o americano Citi, planeja trocar seu endereço regional de Miami para a avenida Brigadeiro Faria Lima, onde já está em busca de um escritório.

“Até pouco tempo atrás, os estrangeiros que quisessem atuar na América Latina abriam seus escritórios em Miami”, diz Saskia Sassen, professora da Universidade Columbia e uma das mais renomadas autoridades em globalização e urbanismo. “Hoje, os poucos que fazem isso causam estranheza.”

Veja o caso da GE. Há dez anos, a América Latina não era nada para os negócios da empresa. Quem diz isso é o próprio presidente da GE na região, Reinaldo Garcia. Foi apenas em 2005 que a empresa criou a divisão latino-americana, instalada na Cidade do México. Fazia sentido.

Na época, o faturamento da GE no México superava o do Brasil. Pouco tempo depois, o jogo se inverteu e, em 2007, a empresa transferiu a operação latino-americana para São Paulo. Hoje, o Brasil fatura três vezes mais que o México e a América Latina definitivamente está no mapa da multinacional. O braço industrial da GE na região registra um crescimento anual da ordem de 30%.

Maior crescimento traz inevitavelmente mais poder. Conforme notou a pesquisa EXAME/KPMG, o aumento de relevância das operações tem rendido maior autonomia de decisões. Metade das empresas ouvidas relatou um avanço nesse quesito nos últimos cinco anos.

“Crescer até 20% ao ano traz um ganho automático de confiança da matriz. Você passa a ter de explicar muito menos cada decisão”, afirma o suíço Olivier Weber, presidente da Pepsico para a América Latina. Na Alstom, a direção latino-americana hoje tem liberdade para reestruturar equipes de profissionais entre os países sem ter de se reportar à matriz.

No mês passado, o time comercial da Argentina e do Chile para a área de transmissão de energia foi unificado, como já havia ocorrido com a comunicação dos países da região no final do ano passado. Na alemã Basf, obras mais triviais nas fábricas passaram a ser decididas localmente — como a expansão, em 2011, do laboratório químico em Jacareí, no interior de São Paulo.

 Where is Faria Lima?

A última edição da pesquisa Global Relocation Trends, feita desde 1993 pela consultoria canadense Brookfield Global Relocation Service, ouviu 118 companhias presentes em mais de um país. Em 2011, o Brasil saiu de 20o para nono principal destino de funcionários expatriados. A presença deles é cada dia mais sentida em restaurantes e parques nas áreas mais nobres da cidade de São Paulo.


Também são cada vez mais comuns encontros informais de estrangeiros, como os jogos de dominó que dez executivos latino-americanos de empresas como Colgate, Makro e Amway organizam em suas casas. Nessas oportunidades, eles aproveitam para trocar ideias sobre o trabalho e, principalmente, compartilhar as impressões sobre a capital paulista.

Na última reunião, em março, o anfitrião foi o cubano Bernardo Wolf­son, presidente da fabricante alemã de café Melitta no Brasil. Aos recém-chegados, dicas sobre como viver numa das cidades mais caras do mundo. “Mesmo com os custos, as oportunidades estão aqui e isso compensa”, diz o venezuelano Alberto Mondelli, sócio da consultoria Mercer e um dos frequentadores dos jogos de dominó.

Ter sido alçada ao posto de centro de decisão da América Latina não reduziu os imensos problemas da capital paulista. São Paulo tem uma infraestrutura de mobilidade urbana vergonhosa — são 70 quilômetros de metrô, ante 100 quilômetros de Santiago, no Chile, e 200 da Cidade do México.

Os congestionamentos estão cada vez maiores — o trânsito é o sexto pior do mundo, segundo uma pesquisa divulgada pela IBM. Os dois principais rios que cruzam a cidade, o Pinheiros e o Tietê, são imundos e fétidos. Mas, a despeito de todos esses problemas, as multinacionais continuam se mudando para São Paulo.

“O Brasil é hoje o centro da América Latina e São Paulo é o centro do Brasil”, resume Marienne Coutinho, sócia da KPMG responsável pela pesquisa feita em parceria com EXAME.

“Como poderíamos ir para outra cidade se nossos fornecedores e parceiros em projetos de infraestrutura estão todos aqui?”, questiona Philippe Delleur, francês que veio para São Paulo em 2009 para assumir a presidência da fabricante de equipamentos Alstom no Brasil e o comando da então recém-criada sede da empresa para a América Latina.

Sua percepção reflete o que o meio acadêmico convencionou chamar de economia de aglomeração — na prática, a interação de empresas e pessoas provedoras de todo o tipo de serviço concentradas em determinado lugar.

É o que se nota em São Paulo. Da Groenlândia à Patagônia, apenas Nova York tem mais escritórios de grandes multinacionais do que a capital paulista. Os executivos dessas empresas contam em São Paulo com as operações de 124 dos 180 bancos existentes no país.


Dispõem de 138 escritórios de advocacia de primeira linha, segundo a consultoria Chambers and Partners, que avalia a reputação de bancas jurídicas em todo o mundo. De acordo com a consultoria imobiliária CBRE, cerca de 100 multinacionais esperam na fila por vagas em escritórios para se estabelecer na cidade.

“Cada vez mais a competição se dá entre cidades, não entre nações”, diz Paulo Oliveira, da Brain, agência privada que promove o Brasil como polo de investimentos. É nas metrópoles que se encontra uma maior concentração de talentos. Como diz o economista Edward Glaeser, da Universidade Harvard, a densidade demográfica é um fator crítico para a criação e a dispersão de ideias. 

O curioso é que São Paulo, por décadas associada à periferia, começa a ter um papel mais central na globalização. Um dos melhores exemplos disso é o dia a dia de Aline Santos, vice-presidente global da marca Omo, da multinacional de produtos de consumo Unilever. Aline começa a trabalhar pontualmente às 6 horas da manhã na avenida Juscelino Kubitschek, na zona sul da cidade.

As primeiras reuniões do dia são com os membros de sua equipe em Xangai, com quem as discussões se concentram nas crescentes vendas chinesas de sabão na forma líquida. Da Ásia, suas atenções se voltam para a Europa. Com os executivos de Londres, o desafio mais recorrente é descobrir como atingir os consumidores europeus — os mais exigentes — com campanhas de marketing.

Até o horário do almoço, Aline conversa ainda com os colegas da América Latina, onde está o maior mercado da marca — justamente, o Brasil. À frente de um monitor para teleconferências e de dois telefones, a executiva comanda há seis anos a operação mundial de Omo, que fatura 4 bilhões de dólares em mais de 70 países.

A América Latina já foi sinônimo de populismo, ditadura, crise da dívida e inflação alta. Hoje, a região é associada cada vez mais a termos mais positivos, como crescimento econômico, ascensão da classe média e diminuição da pobreza. A consolidação de São Paulo como um dos grandes centros de referência da economia mundial depende, cada vez mais, da manutenção dessa tendência. n 

Com reportagem de Fernando Alcolea

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