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O Viagra foi só o começo

Até o final do ano que vem, 19 medicamentos de ponta devem perder a patente no Brasil, abrindo um mercado de 2 bilhões de reais.

Linha de produção do genérico do Viagra: a EMS vai lançar outros seis remédios “modernos” até 2011 (Alexandre Battibugli/EXAME.com/Exame)

Linha de produção do genérico do Viagra: a EMS vai lançar outros seis remédios “modernos” até 2011 (Alexandre Battibugli/EXAME.com/Exame)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Na concorrida — e bilionária — indústria farmacêutica, poucos lançamentos foram tão aguardados quanto o que levou às farmácias a versão genérica do Viagra. Segundo medicamento para disfunção erétil mais vendido no Brasil, com 30% do mercado (o primeiro é o Cialis, da Eli Lilly, com 33%), ele foi durante 12 anos o carro-chefe da americana Pfizer no país, rendendo quase 2 bilhões de reais aos cofres da empresa. Reproduzir uma fórmula complexa como a do Viagra seria, por si só, um desafio para qualquer laboratório. Colocar a réplica nas farmácias apenas um dia após a expiração da patente da Pfizer, uma missão ainda mais difícil. Pois foi exatamente o que fez o laboratório brasileiro EMS, maior fabricante de genéricos do país, com uma receita anual de 2,5 bilhões de reais.

Na manhã do dia 21 de junho deste ano, centenas de caminhões deixaram a fábrica da EMS em Hortolândia, no interior de São Paulo, rumo a 17 capitais brasileiras. Só na primeira semana, foram vendidos 1 milhão de comprimidos — boa parte deles despachada de avião para cidades das regiões Norte e Nordeste do país. O feito foi repetido no dia 16 de agosto, dez dias depois de a EMS conseguir uma liminar na Justiça derrubando uma decisão que estendeu a patente do Lipitor, medicamento contra hipertensão e produto mais vendido da Pfizer no Brasil, com uma receita de 180 milhões de reais por ano. Desde então, executivos dos maiores laboratórios do país passaram a consultar avidamente o calendário. Até o final do ano que vem, 19 novos medicamentos devem perder a patente no país, abrindo um mercado de 2 bilhões de reais. “Criar um genérico para um blockbuster como o Viagra foi sem dúvida uma grande vitória”, diz Odnir Finotti, presidente da Pró-Genéricos, entidade que representa o setor. “Mas esse foi apenas o começo.”

O Brasil é hoje um dos maiores mercados mundiais para medicamentos genéricos. Desde a aprovação da Lei no 9.787, em fevereiro de 1999, mais de 3 000 cópias chegaram às farmácias, criando um mercado de 4,5 bilhões de reais por ano — ou 20% das vendas totais de remédios no país. O que chama a atenção, agora, é o grau de sofisticação atingido por essa indústria, até então habituada a reproduzir fórmulas antigas como a da centenária aspirina. A migração para drogas mais complexas representa um novo patamar de negócios para o setor de genéricos. Para desenvolver e lançar o genérico do Viagra, por exemplo, a EMS levou mais de três anos e investiu 20 milhões de reais — mais que o triplo do que é geralmente gasto para reproduzir moléculas de menor complexidade. No caso do genérico do Lipitor, lançado em agosto, foi necessário criar 30 modelos diferentes de remédio até que se chegasse à composição ideal dos comprimidos. “Essas novas drogas não se tornaram sucesso de vendas por acaso”, afirma Finotti. “Trata-se de 8 milhões de reais. A nova molécula foi responsável, sozinha, por fazer com que a empresa crescesse 15% naquele mês, ante 10% em junho. “Estamos apenas aguardando a aprovação da Anvisa para lançar outros seis genéricos ‘modernos’ ”, diz Waldir Eschberger Júnior, vice-presidente de mercado da EMS. “Juntos, eles representam um mercado de 1 bilhão de reais.”


Investimento

Colocar no varejo um medicamento genérico de última geração é a parte mais visível de um processo de desenvolvimento que consome em média três anos, uma eternidade num setor em que a velocidade do lançamento conta mais que a novidade em si. De 2005 para cá, a Eurofarma triplicou o número de funcionários em sua área técnica, de 50 para 148. Paralelamente, construiu uma nova fábrica em Itapevi, no interior de São Paulo, para produzir esses medicamentos, e firmou uma parceria com a Pfizer para produzir sua própria versão genérica do Viagra. O Aché, quarto maior laboratório do país, contratou 200 profissionais, entre médicos, farmacêuticos e especialistas na área jurídica, para dar conta de 160 projetos de novos medicamentos — em 2005, eram apenas 19. “O cenário de genéricos vai mudar radicalmente até 2014”, diz Douglas Woods, especialista no setor farmacêutico da consultoria Boston Consulting Group. “Até lá, esses medicamentos deverão representar 30% do mercado. Quem não estiver preparado será engolido pelos concorrentes.”

Mais do que tentar trazer um pouco de glamour a uma indústria cada vez mais “commoditizada”, o desenvolvimento de genéricos sofisticados tenta resolver um nó do setor: a queda na rentabilidade dos grandes laboratórios. A guerra de preços que se instaurou entre os maiores fabricantes de medicamentos do país nos últimos anos fez com que alguns produtos chegassem aos consumidores com preços até 70% menores do que os dos medicamentos de referência — o dobro do estabelecido pela lei. Com isso, estima-se que a margem de lucro dos cinco maiores laboratórios de genéricos do país tenha se mantido estável entre 2005 e 2009, apesar de o número de novas cópias no mercado ter dobrado de lá para cá. Ao mesmo tempo, o boom dos genéricos vem estimulando o crescimento das grandes redes de farmácias e drogarias, que usam sua musculatura para forçar ainda mais a queda dos preços. “O laboratório ganha muito mais dinheiro com um lançamento do que com um remédio antigo”, diz um executivo de uma das maiores redes de drogarias do país. Se quiserem continuar no jogo, será preciso mais do que olhar o calendário — e correr contra ele.

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