Revista Exame

O salário ficou caro

Desde os anos 80, o mercado de trabalho não andava tão aquecido. Boa notícia para os trabalhadores — mas, na economia como na vida, não há almoço grátis. A conta pode ser mais inflação

Fábrica da Renault: o país pode perder a briga dos investimentos (Divulgação)

Fábrica da Renault: o país pode perder a briga dos investimentos (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 2 de junho de 2011 às 06h00.

Muito se tem discutido neste início de governo Dilma Rousseff sobre as causas da escalada da inflação. Nos últimos meses, enquanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dizia que os maiores vilões eram os aumentos sazonais de alimentos e de commodities, boa parte dos analistas já argumentava que o grande responsável pela carestia é a explosão da demanda, impulsionada pelo crescimento vigoroso dos salários.

Recentemente, Mantega reconheceu que “a inflação brasileira está sendo afetada pelo mercado de trabalho apertado e pelo setor de serviços”. Uma nova fornada de indicadores confirma que a combinação da expansão do mercado formal de trabalho — que criou 880 000 empregos de janeiro a abril — com polpudos aumentos reais de salários é a principal causa da inflação.

“Ao contrário dos últimos surtos inflacionários, hoje o maior gargalo se concentra no mercado de trabalho”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. Tal diagnóstico se comprova por meio de números como a queda contínua do desemprego desde julho de 2009, alcançando hoje a marca histórica de 6%, a menor das últimas duas décadas.

Outra evidência é o crescimento tanto da média dos salários quanto do salário mínimo, que, desde 1998, vêm subindo fortemente em termos reais. O aquecimento do mercado é tamanho que setores como o da construção civil estão “roubando” operários que trabalhavam em conservação e limpeza.

“Estamos contratando ex-faxineiros, que ganhavam 750 reais em condomínios, para trabalhar como serventes por 1 000 reais”, diz Rubens Menin, presidente da construtora MRV, líder no segmento popular, que, nos últimos dois anos, tem concedido aumentos até 5% acima da inflação.


O setor da construção, aliás, é um dos maiores empregadores do país e funciona como termômetro do mercado de trabalho. “Desde o Plano Cruzado, a pressão da massa salarial não era tão grande”, diz o analista Paulo Miguel, da corretora Quest. “Na economia real, isso se traduz em aumentos impressionantes, que vão de salões de beleza a restaurantes, dos salários dos metalúrgicos aos rendimentos de profissionais liberais.”

Nos últimos 12 meses, enquanto a inflação chegou a 6,51% — superando o teto de 6,5% da meta —, o salário médio de profissionais como agrônomos subiu quase 40%, enquanto o de engenheiros e professores de ensino superior aumentou 20%. A pressão salarial é tamanha que, aliada à valorização do câmbio, já ameaça a competitividade da indústria.

“Em média, os salários que pagamos no Brasil são 10% mais altos do que nos Estados Unidos ou na Europa”, diz Jean-Michel Jalinier, presidente da Renault no Brasil, empresa que em 2010 produziu 190 000 veículos em São José dos Pinhais, no Paraná.

“Além da dificuldade para encontrar engenheiros, temos concedido aumentos maiores do que a inflação aos nossos 5 700 funcionários diretos.” Em 2010, ano em que a inflação atingiu 5,9%, a Renault pagou reajustes superiores a 10% a seus metalúrgicos. No último mês de abril, cada um deles recebeu também 12 000 reais a título de participação nos lucros.

Segundo Jalinier, em razão do aumento de custos, no final de 2012, assim que encerrar o atual ciclo de investimentos de 2,5 bilhões de dólares no país, a Renault deverá considerar sua expansão em mercados com mão de obra mais competitiva, como México e Colômbia.

Dado o impasse nas negociações salariais, a fábrica da Volks no Paraná estava em greve até o dia 23, data do fechamento desta edição.
Conforme mostrou uma recente pesquisa sobre competitividade global do Institute for Management Development, as dificuldades vividas por montadoras e construtoras se alastram por vários setores da economia brasileira.


Depois de subir no ranking por dois anos consecutivos, em 2010 o país caiu seis posições, indo para o 44º lugar, atrás de países como Cazaquistão e Turquia.

“A inflação e a perda da produtividade no trabalho foram os principais fatores para a queda do país”, diz Carlos Arruda, professor da Fundação Dom Cabral e coordenador do capítulo brasileiro do estudo.

“Isso acontece porque, apesar de o Brasil ter gerado 11 milhões de empregos em 2010, o que é positivo, temos uma baixa capacitação da maioria da mão de obra. Com o aumento dos salários, o impacto foi negativo no critério produtividade, em que despencamos do 28o para o 52º lugar.”

Devido à valorização cambial e à abertura do mercado interno às importações, a perda de competitividade atormenta boa parte do setor produtivo brasileiro.

“O custo da mão de obra tornou-se um dos maiores riscos à desindustrialização do país”, diz Flávio Castelo Branco, economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria. “Além dos automóveis, os setores mais pressionados pelos salários são os de bens de capital, eletroeletrônicos e vestuário.”

Para complicar, a pressão salarial é também o principal motor inflacionário. Depois de um primeiro trimestre hesitante, o Banco Central passou a adotar um discurso mais assertivo, acenando com a continuidade do aperto monetário no combate à inflação.

Mas, em seu esforço para desaquecer a economia, o BC terá de encarar dois belos desafios relacionados aos salários: a temporada de dissídios do segundo semestre e o aumento do salário mínimo no começo de 2012.

A partir de julho, dezenas de sindicatos, como os dos bancários, metalúrgicos e petroleiros, negociarão os salários de mais de 15 milhões de trabalhadores.


“As negociações devem ser bem duras para as empresas”, diz Fernando Montero, analista da corretora Convenção. “Enquanto elas esperam que os trabalhadores aceitem aumentos guiados pela inflação futura, em trajetória de queda, os sindicatos estarão mirando a inflação passada, bem mais alta.”

O primeiro grande teste deve acontecer com os 490 000 bancários, cujo dissídio começa em agosto. “Vamos exigir o máximo dos patrões”, diz José Silvestre Oliveira, coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. “A economia deu uma desacelerada, mas continua permitindo ganhos reais.”

Impacto na previdência

No que diz respeito ao salário mínimo, as regras do jogo estão definidas até 2014, pois foram aprovadas pelo Congresso com o apoio do governo. Tudo indica que a fórmula vigente desde 2006 — que soma a inflação do ano anterior mais o PIB de dois anos antes — ditará um aumento de 14% em 2012.

“Além de ser um risco imediato ao combate à inflação, no longo prazo a regra de reajuste do mínimo deve implodir as contas da Previdência”, diz o economista Marcelo Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Segundo Caetano, se a regra valer até 2020, naquele ano ela terá um impacto real superior a 100 bilhões de reais nos cofres da União.

Num país com tamanha desigualdade de renda, a rápida expansão do emprego e dos salários parece o caminho mais curto — e socialmente justo — para o crescimento. Mas a atual expansão acelerada dos salários nos remete ao fiasco do Plano Cruzado. Cabe agora ao governo agir com seriedade para permitir um pouso suave do mercado de trabalho.

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