Revista Exame

"Não tenho plano B"

Após parecer preliminar desfavorável, a Brasil Foods inicia uma campanha para aprovar a compra da Sadia sem restrições no Cade — uma batalha que promete ser longa e tensa

Fay, presidente da BRF: cerca de 2 milhões de reais em pareceres e em viagens mensais para Brasília (Germando Lüders/EXAME.com)

Fay, presidente da BRF: cerca de 2 milhões de reais em pareceres e em viagens mensais para Brasília (Germando Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

A mesa de trabalho do gaúcho José Antônio Fay, presidente da Brasil Foods, na sede da companhia, na zona oeste de São Paulo, está menos espaçosa nas últimas semanas. Além da papelada tradicional, ela agora guarda duas volumosas pastas com mais de 1 000 páginas de documentos. Ali está todo o cronograma de integração das operações da Sadia e da Perdigão — que juntas formam a maior fabricante de alimentos industrializados do país, com faturamento anual de 22 bilhões de reais. Por enquanto, esse calhamaço não serve rigorosamente para nada. Desde que foi anunciado, em maio de 2009, o negócio está congelado, à espera da decisão final dos órgãos de defesa da concorrência. No início de julho, o processo finalmente chegou ao Cade, a última instância do sistema, depois de receber duras recomendações da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) e da Secretaria de Direito Econômico (SDE). A mais radical delas sugere que a Brasil Foods (BRF) licencie uma de suas duas principais marcas — Sadia e Perdigão (a alternativa seria a venda de um pacote de subsidiárias que inclui a Rezende, a Confiança e a Batavo). Quando recebeu a notícia, Fay estava chegando a um restaurante japonês da capital paulista para jantar com investidores. Pediu desculpas aos convidados e deu meia-volta ainda no estacionamento. Passou a noite em sua sala, acompanhado por assessores e advogados, preparando explicações a imprensa, funcionários e investidores. “Ficamos surpresos. Mas ainda estamos tão confiantes na aprovação sem restrições que não temos nem um plano B”, diz.

Aos 56 anos, Fay não é exatamente um novato em processos de fusões e aquisições. Antes de assumir a presidência da BRF, comandava a Batávia, que foi comprada pela Perdigão em 2006. Na nova empresa, participou da integração da gaúcha Eleva, adquirida no fim de 2008. Mas nenhuma integração pode ser comparada — em volume e complexidade — à compra da Sadia pela Perdigão, que envolve mais de 60 categorias de produtos, de frango a margarina. Na campanha para aprovar o negócio sem restrições, Fay iniciou no ano passado uma peregrinação mensal a Brasília. Nesse período, municiou a SDE e a Seae de quase 2 000 páginas de pareceres executados por advogados e economistas contratados pela companhia. Agora, para tentar convencer o Cade, a empresa já reforçou o time de pareceristas com a economista Elizabeth Farina, ex-presidente da autarquia. Estima-se que a empresa já tenha investido algo como 2 milhões de reais nesse esforço — uma cifra pequena diante dos valores que estão em jogo. Caso tenha de se desfazer dos ativos sugeridos pelas secretarias, a BRF teria uma perda mínima estimada em 1,5 bilhão de reais por ano. “Temos argumentos para mostrar que nada disso será necessário”, diz Fay.


Apesar de terem causado alvoroço dentro e fora da BRF, as recomendações da SDE e da Seae nem sempre são seguidas à risca pelo Cade — o que não é necessariamente uma boa notícia para a BRF. Na compra da Garoto pela Nestlé, por exemplo, o parecer do Cade foi ainda mais rigoroso. Enquanto a secretaria indicara a venda de algumas marcas, a autarquia determinou a anulação da compra. Embora às vezes as visões sejam opostas, o cerne da discussão em todas as instâncias é sempre o mesmo: a concentração de mercado resultante dessas fusões e como as gigantes recém-formadas ganham força para determinar preços e impedir a entrada de novos concorrentes. No caso da BRF, de acordo com o parecer das secretarias, isso poderia acontecer em pelo menos 12 categorias, como pizzas, lasanhas e margarinas. Em alguns casos, como em pizzas congeladas, a participação de mercado das duas companhias somadas chega a 80%. “Há mercados em que a concentração ficou mesmo exagerada”, diz Rafael Cintra, analista de alimentos da corretora Link. Em sua defesa, a BRF argumenta que os mercados são mais amplos do que os avaliados pela SDE. Em pizzas, a empresa concorreria também com serviços de tele-entrega das pizzarias e com marcas próprias de supermercados. No caso das margarinas, os óleos vegetais também são concorrentes na preparação de pratos. É um argumento semelhante ao que a Nestlé usou, sem sucesso, em relação ao mercado de bombons ao citar a concorrência de pequenas chocolaterias e até de bombons caseiros.

A maior discordância entre a companhia e os órgãos reguladores é sobre a possível entrada de novos concorrentes. Para a SDE e a Seae, os mercados mais relevantes para a Perdigão e a Sadia são blindados pelo alto grau de integração na cadeia produtiva — sobretudo com os milhares de produtores de aves e suínos exclusivos. A BRF, claro, discorda. E apresenta como argumento a chegada de quatro novas marcas de hambúrguer e de cinco novas marcas de pizza congelada nos últimos cinco anos — entre elas a Seara, comprada pela Marfrig no final de 2009. Apenas uma dessas novas empresas manifestou formalmente uma oposição ao negócio, a subsidiária brasileira da alemã Dr. Oetker, no final do ano passado. Procurada por EXAME, a companhia não concedeu entrevista.


Enquanto a definição não sai — o veredito pode demorar pelo menos seis meses, segundo cálculos de especialistas —, a BRF assiste ao avanço de concorrentes. Segundo os relatórios trimestrais da BRF, a participação de mercado da marca Perdigão em alimentos congelados caiu de 32% para 31% entre o primeiro trimestre de 2009 e o início de 2010. Para a Sadia, a queda foi de 47% para 43% no mesmo período. Pode parecer pouco, mas cada ponto percentual no mercado de alimentos congelados representa vendas de 25 milhões de reais. O encolhimento da BRF vai na contramão do mercado, que cresceu 7% no mesmo período. “Essa é uma tendência que deve continuar enquanto o Cade não chegar a uma decisão”, diz Cauê Pinheiro, analista de alimentos da corretora SLW.

Por enquanto, resta à BRF colocar em prática as poucas ações de integração já autorizadas. Desde o início do ano, a companhia tem um único diretor de mercados externos, Antonio Augusto de Toni, responsável pela venda das duas marcas fora do Brasil. Os departamentos de compras também estão trabalhando juntos desde março em São Paulo. Segundo executivos próximos à empresa, os ganhos mais expressivos da integração estão justamente nessa área e podem chegar a até 900 milhões de reais — quase metade das estimativas de ganhos totais de sinergia realizadas por analistas, de cerca de 2 bilhões de reais. A diretoria financeira também foi unificada no início deste ano. Todo o resto — das fábricas aos departamentos de RH e logística — continua obedecendo às antigas estruturas independentes da Perdigão e da Sadia. A mesa de trabalho de Fay, como se vê, ainda deverá ficar tomada pela papelada sobre a fusão por um bocado de tempo.

Acompanhe tudo sobre:Edição 0972[]

Mais de Revista Exame

"Somos uma marca alemã, isso define quem somos", diz CEO da Rimowa

Forte captação em crédito reduz potencial de retorno e desafia gestoras em busca por ativos

Elas já estão entre nós

Desafios e oportunidades