Revista Exame

Na General Electric a nova regra é ser simples

Como a gigante General Electric quer deixar a lentidão e a burocracia para trás — e imitar o estilo de conduzir negócios do Vale do Silício

Viveka Kaitila (em pé), da GE: as longas apresentações de PowerPoint ficaram no passado  (Germano Luders/Exame)

Viveka Kaitila (em pé), da GE: as longas apresentações de PowerPoint ficaram no passado (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 20 de fevereiro de 2016 às 04h56.

São Paulo — Uma vez por trimestre o primeiro escalão do conglomerado industrial americano General Electric encara uma maratona global — uma sequência de reuniões virtuais para acompanhar os negócios em 175 países. Essas apresentações em video­conferência sempre foram sinônimo de dezenas de páginas de PowerPoint.

Neste ano, a matriz decidiu mudar de maneira radical esses encontros. No dia 4 de fevereiro, por exemplo, os executivos da sede da empresa para a América Latina, localizada em São Paulo, tiveram de condensar o que tinham a dizer numa única página.

“A lógica é perder menos tempo na preparação de papéis e se dedicar às discussões que importam”, afirma Viveka Kaitila, diretora de desenvolvimento comercial da GE para a América Latina, que participou da apresentação. A guerra contra o PowerPoint é apenas uma amostra de um amplo esforço da companhia em todo o mundo.

Os funcionários passaram a reduzir o número de reuniões, extinguir tarefas burocráticas e acelerar a entrega de novos produtos. A mudança conduzida desde 2014 no Brasil, e iniciada dois anos antes nos Estados Unidos, tornou-se a pauta número 1 do presidente global da companhia, o americano Jeff Immelt — que batizou a nova maneira de trabalhar de simplification.

A ideia é conciliar o que parece inconciliável: fazer um gigante centenário com 300 000 funcionários e faturamento de 148 bilhões de dólares operar como uma startup. “O excesso de processos tornou a companhia burocrática e lenta”, diz Viveka, finlandesa radicada no Brasil, que trabalha há 18 anos na GE.

Os próprios clientes, quando ouvidos por ela e uma equipe de 150 executivos em 2011, avaliaram a empresa como complexa: não sabiam com quem falar quando precisavam de um novo serviço nem conheciam o portfólio completo. A percepção era a mesma em outras partes do mundo, inclusive entre os funcionários. 

A GE não é um caso único. Uma pesquisa realizada pela consultoria Deloitte em 2015 mostra que 71% de 3 300 executivos de grandes empresas em 106 países consideraram a simplificação do trabalho como prioridade. Embora apenas 10% dos entrevistados já tivessem um programa pronto, 44% deles afirmaram ter um em elaboração.

Para mostrar o impacto da complexidade nos negócios, outro estudo considerou a evolução dos indicadores financeiros das 200 maiores empresas do mundo entre 2005 e 2010.

Nele, Simon Collinson, professor da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e o consultor Melvin Jay compararam os resultados financeiros ao grau de complexidade da operação, como o tamanho do portfólio e o número de unidades de negócio. As companhias que se tornaram mais complexas perderam, em média, 10%, ou 1,2 bilhão de dólares, da margem operacional por ano.

“A complexidade, mesmo quando criada para se diferenciar dos rivais, pode atrapalhar o propósito inicial de gerar valor para o cliente”, diz Leonardo Framil, presidente da consultoria Accenture no Brasil. Com esse imperativo em mente, investidores de grandes companhias globais têm cobrado foco.

Em novembro, a Hewlett-Packard dividiu a companhia de tecnologia em duas: uma para prestar serviços e outra para vender equipamentos. A Xerox anunciou um movimento idêntico neste ano. O marco zero da reestruturação da GE foi uma faxina no portfólio. Desde 2011, a GE vendeu três negócios: as divisões de mídia e entretenimento, eletrodomésticos e financeira.

A lógica é fortalecer unidades que tenham clientes industriais. A tarefa mais árdua é mudar hábitos. O esforço vem sendo tratado como uma transformação cultural tão emblemática quanto a empreendida pelo lendário Jack Welch­, à frente da empresa entre 1981 e 2001.

Naquela época, o uso de métodos como Seis Sigma, que aplica estatística para a resolução de problemas, ajudaram a criar uma máquina de eficiência operacional. A ênfase na perfeição agora dá espaço para a busca pela velocidade. A inspiração declarada está no Vale do Silício.

Em 2012, Immelt trouxe para as reuniões com seus principais executivos o empreendedor Eric Ries, na época com 34 anos de idade e autor do livro The Lean Startup (“A startup enxuta”, numa tradução livre), no qual aplica técnicas de manufatura enxuta a startups. Ries ajudou a adaptar esses conceitos à estrutura da GE.

O princípio básico é decidir no menor tempo possível, mesmo que com falhas num primeiro momento. Abrir mão da perfeição tem levado a mudanças viscerais. Hoje todas as aprovações devem passar no máximo por três pessoas — antes alguns casos exigiam até 12 assinaturas.

Até 2014, a operação brasileira não tinha autonomia nem mesmo para estabelecer preços dos projetos da área de óleo e gás sem pedir a bênção da matriz. Agora, 95% das decisões são tomadas aqui. A nova lógica também se aplica a novos projetos. Um deles tinha como meta aumentar as vendas no mercado chileno.

Nos velhos tempos, o primeiro passo seria a elaboração de um estudo completo sobre o país. Na nova fase, uma equipe começou a testar hipóteses na prática. Resultado: em vez dos oito meses em geral dedicados a esse tipo de trabalho, foram gastos apenas dois — e, mais importante, o resultado esperado foi atingido.

“Mudamos totalmente nossa maneira de tomar decisões”, disse a ­EXAME Viv Goldstein, diretora global de aceleração da inovação da GE. Uma das medidas mais recentes é simplificar a complicada estrutura comercial. Hoje boa parte dos clientes que compram produtos de mais de uma área de negócios da companhia tem de falar com pessoas diferentes.

Apenas para grandes contas, o atendimento passou a ser unificado. “Antes cada vendedor só pensava em sua meta, e não exatamente nas necessidades do cliente”, diz Marcos Costa, responsável pela área de contas estratégicas para a América Latina, criada em 2015. Com os resultados anunciados pela matriz, a transformação até agora parece estar valendo a pena.

Os custos administrativos caíram de 18,5% das vendas, em 2011, para 13%, em 2015. Desde que a unidade global de óleo e gás da GE passou a usar esses princípios, o ciclo de lançamento de novos produtos ficou 45% mais ágil e a satisfação dos clientes aumentou 75%.

00Os próprios executivos da GE afirmam que ainda há muito a fazer. A busca pela simplificação de um gigante dessas proporções é virtualmente infinita. Só é possível ter certeza do ritmo ideal dessa jornada — e ele é rápido, muito rápido.

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