Revista Exame

A lucidez e sabedoria de Adam Smith

Adam Smith não era um adversário fanático dos governos

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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2012 às 15h06.

Adam Smith (1723-1790) é um homem do nosso tempo - ou deveria ser. Isso se deve não somente ao fato de ele ter defendido a causa do livre mercado. Para Smith, o livre mercado era apenas um meio para construir uma sociedade decente. Smith estudou e questionou os papéis apropriados do governo e do mercado. Smith tinha muita sabedoria e pouco moralismo farisaico. Seu espírito seria útil para nós, hoje, porque parecemos ter chegado ao oposto: moralismo farisaico demais, sabedoria de menos.</p>

Os liberais adotam uma atitude tão protetora em relação ao governo que não conseguem aceitar o grande poder da mão invisível preconizada por Adam Smith. O interesse pessoal não é simplesmente cobiça ou narcisismo. Quando submetido às necessárias restrições, é uma força imensa a favor do bem social, e boa parte do progresso humano se deve aos esforços independentes de indivíduos e empresas. Os liberais recuam diante dessa idéia porque ela os priva do poder de parecerem ser quem (por meio do governo) provê a sociedade de todos os requisitos de que necessita para ser boa.

Enquanto isso, os conservadores têm o governo em tão baixa conta que nem conseguem admitir que ele muitas vezes é mais do que um mal necessário. O governo cria a estrutura sem a qual os mercados razoavelmente livres não poderiam sobreviver. Também fornece os serviços coletivos pelos quais o mercado privado não se responsabiliza e cuida dos excessos indesejados do mercado. Smith compreendeu que o governo cria esses benefícios, mas muitos conservadores que o citam parecem ignorar sua existência.

Não digo que eu tenha lido A Riqueza das Nações de ponta a ponta. Mas qualquer pessoa que duvida da complexidade de seu pensamento deveria ler a ótima biografia Adam Smith in His Time and Ours, escrita pelo historiador Jerry Muller, da Catholic University. Muller joga por terra o estereótipo de Smith como fanático adversário do governo enquanto instituição.

As teorias propostas por Smith explicavam transformações que já haviam ocorrido. Na Inglaterra do século XVII o feudalismo já havia terminado. A produção agrícola aumentara e as condições de vida haviam melhorado. Os ingleses sentiam vergonha de andar sem sapatos. Na França, andar descalço ainda era normal. O uso de cobertores, lençóis e utensílios de ferro se difundia na Inglaterra. Adam Smith atribuiu a nova riqueza à vitória do mercado. Antes disso os alimentos eram consumidos principalmente por quem os produzia. "Os bens antes produzidos em casa, por meio de processos árduos e trabalhosos - roupas, cerveja, velas, até móveis -, passaram a estar disponíveis para compra", escreve Muller.


Smith raciocinou que o mercado multiplicava a riqueza porque levava à especialização: a divisão do trabalho que elevava a produção, com o aumento do conhecimento, da experiência e dos equipamentos destinados especificamente à produção de cada coisa. Nada disso foi planejado. Tudo aconteceu (como que movido por uma mão invisível) em decorrência do esforço feito pelos vendedores para maximizar seu lucro. "Não é da benevolência do açougueiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar", escreveu Smith numa frase antológica, "mas de sua preocupação com seu próprio interesse".

Adam Smith captou a importância dos incentivos, ou seja, de como as pessoas são motivadas. A lição continua válida até hoje. Pessoas semelhantes que tenham incentivos diferentes, embutidos em diferentes políticas nacionais, se saem diferentemente, como diz o economista Mancur Olson: "Na maior parte do período do pós-guerra, a China, Alemanha e Coréia estiveram divididas... O desempenho econômico de Hong Kong e Taiwan, da Alemanha Ocidental e da Coréia do Sul tem sido muito melhor do que o da China continental, da Alemanha Oriental e da Coréia do Norte."

A Riqueza das Nações pretendia fortalecer os legisladores contra as pressões de grupos econômicos que defendiam privilégios especiais, escreve Muller. Mas o ceticismo que manifestava em relação ao governo não significava que o rejeitasse. Muller conta que Smith, que passou anos exercendo um cargo burocrático, o de comissário da alfândega escocesa, gostava de seu trabalho. E nisso não estava sendo hipócrita, pois acreditava que o governo tem 3 papéis fundamentais a exercer: cuidar da defesa nacional, assegurar a justiça e a proteção da propriedade e construir a infra-estrutura.

Decidir o que o governo deve fazer é mais difícil em nossa era do que na de Smith, porque suas atividades - que abrangem desde a seguridade social até a regulamentação do meio ambiente - são tão mais numerosas hoje do que então. Mas sua abordagem pragmática, livre de dogmatismo e sensível ao comportamento das pessoas, é mais necessária hoje do que nunca. Adam Smith atribuía as tarefas sociais a quem achava que tinha melhores condições de desempenhá-las - mercado ou governo.

Mas muitos que citam Adam Smith passam por cima do que ele disse sobre os defeitos do mercado. Smith defendia, por exemplo, o ensino universal como antídoto aos efeitos paralisantes da especialização econômica. Adam Smith somou a uma visão altiva de uma sociedade decente uma análise minuciosa dos meios necessários para se chegar a ela. Nossas "cabeças brilhantes" de hoje muitas vezes pressupõem, erroneamente, que seus meios sempre estejam à altura de seus fins.

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