Revista Exame

Strauss-Kahn, le grand séducteur

Strauss-Kahn ignorou um provérbio: “Em Roma, aja como um romano”. Agora enfrenta as consequências

Strauss-Kanh, de 72 anos: enquadrado pela lei americana (Richard Drew/AFP)

Strauss-Kanh, de 72 anos: enquadrado pela lei americana (Richard Drew/AFP)

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Da Redação

Publicado em 1 de junho de 2011 às 06h00.

No fim do ano passado, a astróloga da revista francesa Paris-Match, Élizabeth Teissier, previu que 2011 seria o “ano da vida” para Dominique Strauss-Kahn.

Aos 62 anos, com uma notável carreira acadêmica em economia que o levou à política no Partido Socialista e depois à presidência do Fundo Monetário Internacional, Strauss-Kahn tinha perspectivas definitivamente interessantes para a nova temporada.

Nas pesquisas para a eleição de 2012, ele aparecia no topo, à frente de Nicolas Sarkozy, o enfraquecido presidente francês. Loquaz, exuberante em sua cabeleira alva, um dos homens mais poderosos do mundo à frente do FMI, Strauss-Kahn dizia que apenas duas coisas poderiam complicar sua escalada rumo ao Palácio da Champs-Elysées. Uma era sua ascendência judaica. A outra, as mulheres.

Tanto a astróloga pedestre quanto o acadêmico erudito acertaram. Sim, 2011 acabou sendo o “ano da vida” de DSK, como os franceses o tratam — embora não exatamente da forma como previra Élizabeth. Nunca ele dominou o noticiário internacional de forma tão intensa. E, sim, um dos dois fatores apontados por DSK abateu-o cruelmente em pleno voo: uma mulher.

Desde que uma camareira do luxuoso hotel Sofitel de Manhattan o acusou de agressão sexual, ele tem experimentado em sua plenitude o inferno na Terra.

A camareira, de 32 anos e originária da Guiné, denunciou à polícia uma série de atos que podem levar o acusado a passar o resto da vida na cadeia — de tentativa de estupro a toques indevidos.

Saído diretamente das suítes de 3 000 dólares do Sofitel para as acomodações precárias da cadeia de Rikers Island, DSK conheceu uma pequena vitória depois de alguns dias de sucessivas más notícias. Recusado inicialmente, o pedido de fiança impetrado por seus advogados foi enfim aceito.

Por 1 milhão de dólares em cash, ele vai poder esperar em liberdade seu julgamento. Para tanto, ele aceitou usar um dispositivo eletrônico que monitorará todos os seus movimentos.


O cargo no FMI, naturalmente, se foi. No momento em que este texto foi escrito, as chances maiores para assumir a cobiçada presidência do Fundo — tradicionalmente em mãos europeias — estavam em sua conterrânea Christine Lagarde, ministra das Finanças de Sarkozy.

As pretensões presidenciais, aparentemente, também faleceram, embora pesquisas mostrem que muitos franceses considerem que ele foi vítima de um “complô”. DSK nega todas as acusações, sem falar, no entanto, em conspirações.

Menos crédulos que a média da população, os comediantes franceses encontraram no episódio um farto material. Numa das tiradas, alguém disse que DSK preferira “a ereção à eleição”.

Os dias seguintes à prisão — realizada quando o acusado já estava acomodado em sua poltrona na primeira classe de um jato da Air France, no aeroporto John F. Kennedy — trouxeram uma quantidade copiosa de informações sobre o comportamento inflamado do ex-chefe do FMI em relação às mulheres.

O caso de DSK

Não à toa, seu apelido na elite francesa é Le Grand Séducteur, O Grande Sedutor. Embora os jornalistas franceses evitem falar na vida privada de personagens públicos — algo que tem sido muito questionado nos últimos dias —, era de domínio público a atitude agressiva de DSK diante de mulheres jovens.

Ele não se limitava, segundo muitos depoimentos, às palavras. Um livro sobre o comportamento sexual dos políticos franceses escrito há alguns anos por Christophe Deloire dedica um capítulo inteiro a Strauss-Kahn.

O título é O Caso DSK. Deloire escreveu nestes dias um artigo em que pede que a França instale com urgência as bases de uma tese defendida pelo escritor George Orwell. Orwell, autor de clássicos como 1984 e A Revolução dos Bichos, clamava pelo que definiu como common decency.


Ele queria uma “decência básica” para as pessoas da vida pública — honestidade, transparência, simplicidade. (O veloz enriquecimento do chefe da Casa Civil Antonio Palocci mostra quanto, também no Brasil, a “decência básica” de Orwell é necessária na vida pública, até para que as pessoas tenham em seus líderes bons exemplos a seguir.)

Quando Strauss-Kahn foi indicado para o FMI, o livro de Deloire já tinha sido publicado. Isso mostra quanto o Fundo é relapso quando se trata de escolher seus dirigentes. A publicidade que o episódio traz para o FMI não poderia ser pior.

Soube-se, agora, que as pessoas que cuidam da área da imprensa evitavam que DSK ficasse sozinho com alguma jornalista com as características que pareciam perturbá-lo — jovens e atraentes. Foi um acaso que o colocou diante da camareira africana no hotel de Nova York. Segundo disse à polícia, ela acreditava que o quarto estivesse livre quando foi arrumá-lo.

Foi surpreendida, conforme contou, pela aparição súbita do hóspede saído do banho. Numa animação de Taiwan que varreu a internet, feita com base nos depoimentos colhidos pela mídia, um avatar de DSK aparece alvoroçado em sua nudez e parte para cima da camareira — que consegue rechaçá-lo e conta o que aconteceu no corredor a uma colega.

Esta liga para a polícia, e isso significava que a vida do brilhante e inquieto francês estava por se modificar para sempre.

Há um paralelo forte entre o drama de DSK e o de Julian Assange, do WikiLeaks, o site dedicado a vazamentos que comprometem governos poderosos e grandes empresas. Também Assange é acusado de crime sexual.

Embora suas ações sejam essencialmente diferentes, DSK e Assange pareceram ignorar a profunda sabedoria de um velho provérbio: “Em Roma, aja como um romano”. Assange não estaria em prisão domiciliar, atormentado pela hipótese de responder por crime de estupro na Suécia e de lá ser transferido para os Estados Unidos, onde é classificado como “espião”, se tivesse respeitado a rígida legislação sexual sueca.

Na Suécia, se um homem faz sexo à noite com uma mulher e depois o retoma na madrugada sem preservativo, pode ser acusado de estupro. Foi, aparentemente, o que aconteceu com pelo menos uma das duas mulheres que foram à Justiça contra Assange.


É simplesmente inimaginável que DSK enfrentasse tantas turbulências se o hotel em que se encrencou fosse em Paris e não em Nova York. A legislação sexual francesa é mais leniente em relação a assédios sexuais, e os costumes são inteiramente diferentes.

O episódio provavelmente terminaria em vinho e queijos, depois de uma indenização eventual à queixosa — nada que pudesse comprometer a saúde financeira do grand séducteur.

Os jornalistas cochichariam, as rodas da elite dariam risada, a esposa fingiria nada saber, e talvez Deloire atualizasse seu capítulo sobre a voracidade sexual de Strauss-Kahn.

Mas ele estava nos Estados Unidos, onde é duríssima a legislação sobre agressões sexuais. A carreira de Mike Tyson, para ficar apenas num caso, virtualmente acabou quando uma mulher que deitara de livre vontade na cama do campeão achou que deveria processá-lo depois.

Dos ringues Tyson passou a uma cela e, dali, ao ocaso de uma carreira que fora gloriosa e breve. Está fresca na memória também a volúpia com que as autoridades americanas se atiraram — sem sucesso — à tentativa de extraditar o septuagenário cineasta Roman Polanski, acusado de um estupro que teria sido cometido décadas atrás.

Para muitos, o fator Polanski pesou contra DSK. Os promotores americanos, segundo essa tese, não gostariam de ver mais um caso em que o acusado está a 10 000 quilômetros.

É difícil imaginar que, com mais de 60 anos, Dominique Strauss-Kahn mude radicalmente seu comportamento — isso no caso de se livrar de uma longa temporada na cadeia. Mas, inteligente como é, provavelmente entenderá que Roma é um lugar onde você deve agir como um romano — e não como um francês.

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