Revista Exame

GOL desiste de cobrar pouco e oferecer menos ainda

No passado, a Gol levou ao máximo a estratégia de cobrar pouco e oferecer menos ainda. Com prejuízo recorde, aumentou os preços e passou a mimar (um pouco) seus passageiros. É o suficiente para voltar a dar lucro?

Paulo Kakinoff, presidente da Gol: depois de anos cortando custos, a empresa decidiu que a saída era outra (Germano Lüders/EXAME)

Paulo Kakinoff, presidente da Gol: depois de anos cortando custos, a empresa decidiu que a saída era outra (Germano Lüders/EXAME)

share
DR

Da Redação

Publicado em 1 de julho de 2014 às 16h31.

São Paulo - A estratégia que fez da GOL a companhia aérea mais revolucionária da história brasileira se assentou em dois pilares. O primeiro, uma operação altamente eficiente, com base em aviões iguais, novinhos e econômicos, manutenção rápida e uma malha de voos simples.

O outro pilar foi uma nova relação com os passageiros, que se dispunham a encarar barrinhas de cereal e aperto nos assentos em troca de passagens mais baratas. A combinação de voos cheios e eficiência operacional fez da GOL, por certo tempo, uma das companhias aéreas mais rentáveis do mundo, aquela que todos queriam (e precisavam) copiar.

Como se sabe, na última década o primeiro pilar ruiu. As aquisições de Varig e Webjet acabaram com qualquer resquício de simplicidade e eficiência. O lucro foi dando lugar ao prejuízo e a resposta da GOL à crise dos últimos anos foi sempre a mesma — em suma, tornar a vida do passageiro mais dura e cortar custos sem parar.

A empresa mudou o procedimento de pouso para reduzir o consumo de combustível. Enxugou a oferta de voos. Mas as perdas teimavam em vir e, no ano passado, a GOL decidiu derrubar o segundo pilar estratégico e aumentar as regalias para os passageiros. Numa experiência única no mundo da aviação, a GOL decidiu rever a rota — a rigor, passou a seguir uma rota oposta. 

Para (tentar) voltar ao lucro, a empresa resolveu se tornar mais cara e criar uma divisão de classes em seus voos domésticos. Ao longo de 2013, retirou uma ou duas fileiras de poltronas de seus aviões, o que aumentou o espaço para as pernas dos passageiros em pelo menos 3 centímetros.

O número de assentos caiu de 144 para 138 nos aviões 737-700, e de 189 para 177 nos 737-800. Nas sete primeiras filas de cada aeronave, quem pagar 30 reais a mais tem direito à classe Confort e ganha 10,5 centímetros de lambuja (em seus primeiros anos, o orgulho da GOL era ter tirado a comida quente dos voos para, no lugar do forno, enfiar mais assentos).

Em alguns trechos, como na ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro, a GOL voltou a servir sanduíches quentes e tortinhas. A empresa também reforçou seu contato com os clientes corporativos, que nunca foram prioridade, embora representem dois terços das passagens vendidas.

Seu faturamento com os viajantes de negócios aumentou 13% no ano passado. Eles costumam pagar mais pelos bilhetes porque frequentemente acabam comprando em cima da hora. 

Tudo isso acontece porque, após anos e anos tentando ganhar na base do corte de custo, agora a GOL busca fechar a conta aumentando suas­ receitas. O preço das passagens cresceu, em média, 18% nos últimos dois anos. Na concorrente TAM, o preço subiu 15% no mesmo período.

Para quem compra com antecedência, a empresa manteve a oferta de passagens de até 200 reais, que representaram 50% do total de 36 milhões de bilhetes vendidos no ano passado. Mas a GOL nunca vendeu tantas passagens na casa dos 500 a 1 000 reais para passageiros corporativos.

“A GOL tem um DNA de baixo custo e controla desperdícios desde que nasceu, mas não demonstrava a mesma capacidade na área comercial”, diz Paulo Kakinoff, presidente da GOL. “A gestão da receita é hoje a parte mais importante de uma companhia aérea.”

Kakinoff assumiu a presidência da GOL em 2012, após 18 anos na indústria automotiva. Foi diretor da Volkswagen e presidente da Audi no Brasil. Ele está tentando trazer para a aviação uma preocupação com o atendimento e com o marketing que estava em falta — a competição se resumia, basicamente, a preço.

Têm suas impressões digitais a busca por conforto, mais pontualidade e um renovado senso “marqueteiro”. Na sua gestão, até a escolha do uniforme da tripulação virou campanha de marketing. A GOL promoveu, em maio, um desfile de moda em seu hangar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Outra iniciativa foi a pintura da fuselagem de um 737-800 utilizado para o transporte da seleção brasileira durante o Mundial. O trabalho foi executado pelos renomados grafiteiros Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como OsGemeos. Num setor que só aparece na mídia levando bordoada, vale tudo para aparecer de forma favorável.

Preocupar-se menos com custos, e mais com faturamento e com a melhoria dos serviços, é uma evolução não só na estratégia da GOL mas também na própria gestão de Kakinoff. Quando ele assumiu a empresa, a solução anunciada para sair da crise foi enxugar ainda mais os gastos.

Em dois anos, o número de funcionários caiu de 21 000 para 16 000. Os pilotos passaram a ter meta de economia de combustível — em 2013, a conta anualizada ficou 400 milhões de reais menor, um corte de 10% no custo. A situação melhorou, mas não o suficiente.

“Chegamos a um ponto em que é muito mais difícil reduzir custos do que aumentar receitas”, diz Eduardo Bernardes, diretor comercial da GOL. “Ainda podemos evoluir na precificação das passagens.” 

Os resultados começaram a melhorar em pelo menos dois indicadores fundamentais para o setor. O índice de ocupação dos aviões chegou a 78% em abril, 12 pontos percentuais mais do que em abril de 2013. E o preço médio por quilômetro voado passou de 20,26 para 23,95 reais.

No balanço financeiro, a situação continua ruim, mas já foi pior. O faturamento cresceu 11%, para 9 bilhões de reais. Depois de três anos, a margem operacional voltou a ficar positiva em 3% em 2013 e alcançou  5,8% no primeiro trimestre de 2014. Tudo isso fez com que, nos últimos 12 meses, a GOL ganhasse 58% de valor de mercado.

O prejuízo continua lá, é verdade. Foi de 724 milhões de reais no ano passado e de 96 milhões de reais no primeiro trimestre de 2014. Mas, comparado ao prejuízo de 1,5 bilhão de reais de 2012, é inegável que as coisas estão começando a melhorar.

No último ano, a distância da líder TAM para a GOL no mercado doméstico caiu de 6 pontos percentuais para 1. A GOL ganhou 3 pontos e alcançou 37% de participação. E as concorrentes Azul e Avianca roubaram outros 3 pontos da líder. Nos últimos 12 meses, a participação da Azul passou de 13,6% para 16,8%, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil.

A da Avianca, de 7,1% para 7,8%. Adquirida pela chilena LAN em 2010, a TAM está enxugando sua oferta neste ano, numa tentativa de diminuir perdas. Em 2013, teve prejuízo de 1,5 bilhão de reais, resultado 12,1% pior do que o de 2012. 

O crescimento da Azul (que dá lucro) e da Avianca mostra como o mercado brasileiro está mudando após anos de prejuízos das líderes. E mostra a dificuldade da GOL para voltar ao resultado positivo no final do balanço. Segundo projeções da empresa de informações financeiras Thomson Reuters com base nos relatórios de analistas do setor, a GOL deve ter novo prejuízo em 2014.

O lucro, se vier, ficará para 2015. Isso, claro, caso a empresa mantenha a expansão das receitas e não se descuide dos gastos. Em 2013, a GOL reduziu sua frota para 140 aviões ao vender 30 aeronaves ineficientes. A GOL também pretende aumentar a participação de suas receitas em dólar de 10% para 17% em cinco anos — uma tranquilidade a mais num setor que tem tantos custos em dólar.

A Azul anunciou em abril que também voará para o exterior a partir de 2015. A GOL montou uma base na República Dominicana para fazer conexões com quatro países da América Central e também com os Estados Unidos. Em maio, inaugurou uma rota para Santiago, no Chile.

A empresa tem hoje dez destinos internacionais, ante 19 da TAM, que obtém 20% de sua receita em moeda estrangeira. A esperança é conseguir, lá fora, mais uma boa contribuição para o lucro que insiste em não vir por aqui.

Acompanhe tudo sobre:Aviaçãocompanhias-aereasEdição 106702EmpresasEmpresas abertasEmpresas brasileirasEstratégiaExecutivos brasileirosgestao-de-negociosGol Linhas AéreasPaulo Sérgio KakinoffServiçosSetor de transporteTAM

Mais de Revista Exame

"Somos uma marca alemã, isso define quem somos", diz CEO da Rimowa

Forte captação em crédito reduz potencial de retorno e desafia gestoras em busca por ativos

Elas já estão entre nós

Desafios e oportunidades