Revista Exame

Investir na felicidade de funcionários pode trazer retorno para empresas

A pandemia fez a saúde mental passar do tabu à estratégia. Afinal, não dá mais para ignorar os prejuízos causados pelos casos de ansiedade, depressão e burnout nas empresas

 (Jon G. Fuller/Getty Images)

(Jon G. Fuller/Getty Images)

Em 2015, Carol Romano pesquisava sobre felicidade no trabalho para entender por que sentia seus clientes tão esgotados quando chegava para conduzir um workshop de inovação. Foi quando leu sobre a aula de negócios mais popular da Universidade Harvard, ministrada por Tal Ben-Shahar, sobre psicologia positiva.

“Sem saber onde ia dar, me inscrevi para uma das primeiras turmas do curso que ele estava abrindo”, conta a fundadora da consultoria Maker Brands. De lá para cá, o interesse em torno do tema a levou para o Butão — país que usa um índice de felicidade para orientar suas políticas de desenvolvimento —, e de volta à universidade (hoje ela é, também, psicanalista).

No percurso, a consultora criou um programa de desenvolvimento pessoal chamado de Jornada da Felicidade, que tem como base a psicologia positiva e, entre os participantes, estão muitos daqueles executivos sem brilho nos olhos de anos atrás.

À EXAME CEO, o professor Tal Ben-Shahar justifica o que torna seu curso tão interessante: Felicidade é um bom investimento para as organizações”. Ele tem razão. Um estudo da Organização Mundial da Saúde mensurou a taxa de retorno: para cada 1 dólar investido em tratamento para transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade, há um retorno de 5 dólares em melhoria da saúde e da produtividade.

A razão disso é que, quando experimentamos emoções prazerosas, somos mais criativos, mais motivados, formamos relacionamentos melhores e ficamos mais saudáveis fisicamente. Os executivos devem investir na própria felicidade e na de seus funcionários como um fim em si mesmo e também como um meio para obter lucros maiores. A felicidade compensa!, diz Ben-Shahar.

Mas não foi essa conta, nem a repetição dos conselhos do professor de Harvard às mais diversas plateias pelo mundo, que fez com que o tema da felicidade ganhasse espaço (ou parasse de ser negligenciado) nas empresas. A mudança de mentalidade veio pela dor.

As estimativas de casos de burnout, depressão e suicídio são assustadoras. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, 1 bilhão de pessoas vivem com um transtorno mental no mundo. Estima-se que o estresse no local de trabalho custe à economia dos Estados Unidos mais de 500 bilhões de dólares por ano com gastos em saúde, auxílio-doença, absentismo ou presenteísmo, que é quando o trabalhador não consegue render.

No Brasil, são 12 milhões de depressivos e outros 18,6 milhões de ansiosos — respectivamente 7% e 11% da população adulta. Doenças mentais atingem 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores e são responsáveis por 285.000 afastamentos por ano (dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho). E a pandemia ainda fez agravar o problema.

Uma sondagem da rede social LinkedIn realizada em abril de 2020 com 2.000 brasileiros mostrou que 62% dos profissionais se sentiam mais ansiosos e estressados com o trabalho remoto, e 39% se sentiam solitários. 

A urgência do cuidado com a saúde mental

“Em 2001, eu trabalhava como repórter e escrevi uma das reportagens mais difíceis da minha carreira, sobre depressão entre executivos de alto escalão. Fiz as entrevistas pessoalmente e me lembro de todas elas, porque aqueles executivos tinham vergonha de revelar seu nome e assumir suas fragilidades”, conta Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais da Great Place to Work (GPTW).

Vinte anos depois, temas que envolvem a saúde mental ainda são difíceis de falar, mas vêm deixando de ser um tabu. “Esse é o legado positivo da pandemia”, opina. Na pesquisa anual Relatório de Tendências, da GPTW, a saúde mental foi citada por 38% dos 1.700 respondentes como o principal tema de gestão de pessoas para 2021.

Outro fator que fez o assunto tomar de vez um caráter estratégico foi quando, em 2019, o burnout foi oficializado pela Organização Mundial da Saúde como doença crônica, entrando para a lista de classificação de doenças como um fenômeno ocupacional. “Não podemos dizer que a pandemia trouxe o assunto da saúde mental para a pauta das empresas, mas definitivamente foi o fator que fez com que se tornasse urgente e estratégico, deixando de ser algo tratado apenas na semana da Cipa ou pelo RH”, diz Diniz.

Transporte público em São Paulo: a pandemia aumentou a sensação de ansiedade e de solidão (Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

Há um conceito fundamental para se entender o que está por trás do adoecimento e da desmotivação dos colaboradores: o da segurança psicológica. “Podemos defini-lo em cinco palavras: um ambiente de vulnerabilidade recompensada”, diz Timothy R. Clark, fundador e CEO do LeaderFactor, uma consultoria focada em desenvolvimento de lideranças — e considerado autoridade no ­assunto.

“Isso pode soar um pouco estranho no início, mas pense bem. Você não pode crescer ou ter um bom desempenho, a menos que se sinta seguro para fazer perguntas, dar e receber feedback, questionar o statu quo, experimentar e até mesmo cometer erros. Quando sua vulnerabilidade for recompensada, você se esforçará mais e demonstrará mais coragem. Quando sua vulnerabilidade for punida, você fará o oposto — vai recuar, e administrar o risco pessoal”, explica.

Não à toa, tanto Daniela Diniz quanto Carol Romano afirmam que recentemente lançaram soluções para ajudar as corporações a cuidar do bem-estar dos colaboradores. A GPTW criou o workshop de Gestão Emocional, que foca a liderança para entender seu papel na criação de um ambiente psicológica e emocionalmente saudável para se trabalhar.

Já Romano juntou-se com mais cinco profissionais de experiências complementares — um médico do trabalho, um especialista em educação corporativa, uma publicitária gestora de pessoas, uma especialista em segurança psicológica e uma profissional de inovação — para formar o coletivo The Mind Factor. Eles atuam como consultores e também oferecem uma experiência de formação de líderes para conectar o bem-estar à estratégia do negócio. Google e Boticário estão entre os clientes. 

Meditação, ioga, terapia...

A busca pelo equilíbrio no ambiente corporativo também abriu espaço para todo um mercado de pessoas que oferecem serviços ligados ao bem-estar, desde professores de ioga e massagistas até empreendedores de startups, cada vez mais visados entre os investidores. 

Alexandre Ayres trabalhou por três décadas no mercado financeiro e hoje está à frente da MindSelf, que leva programas de meditação a executivos com o perfil como o dele: racional e orientado a resultados. Seus clientes são bancos como Itaú e Votorantim e grandes como Bayer, Smiles e ConectCar. Em apenas dois anos, seu faturamento saiu de 200.000 reais para 1 milhão de reais. Outra startup que está avançando para o universo corporativo é a Vigilantes do Sono.

Nascida no início de 2020, com um chatbot (uma ferramenta de bate-papo automatizada), a empresa acompanha o cliente e o ajuda a construir hábitos saudáveis para dormir melhor. Grupos que oferecem terapia online com certeza estão entre os mais promissores do segmento, puxados pela startup Zenklub, que realiza 50.000 consultas por mês e já recebeu três aportes de investimentos no valor total de 64 milhões de reais.

Com tudo isso, seja o leitor um colaborador estressado, seja uma liderança pressionada para melhorar a vida de sua equipe, as perspectivas são favoráveis. O tema está na pasta dos assuntos estratégicos. E de lá não deve sair até que se faça algo a respeito de seu bem-estar. Saúde!

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