Brumadinho (Washigton Alves/Agência Brasil)
Karin Salomão
Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 18 de fevereiro de 2019 às 18h47.
O desastre da Vale em Brumadinho, que até agora deixou 166 mortos e 155 desaparecidos, escancara um problema ainda presente em empresas brasileiras: falta de gestão de risco adequada. A tragédia ocorreu pouco mais de três anos depois do rompimento da barragem em Mariana, que deixou 19 mortos. A forma da Vale de se comunicar com o público e o mercado mudou nesses três anos, mas o que não sofreu avanços significativos foi o gerenciamento de riscos e crises, de acordo com especialistas consultados por EXAME.
Em Mariana, a responsável pela exploração e barragem era a Samarco, empresa controlada pela Vale e BHP Billiton. "Com o desastre em Mariana, as empresas tiveram uma grande oportunidade de levar a comunicação de crise e gestão de risco a sério, mas depois do episódio de Brumadinho vimos que isso não aconteceu", afirma Rosangela Florczak, professora de comunicação corporativa da ESPM. Em sua tese de doutorado, a professora analisou a comunicação da Vale pós-Mariana nas redes sociais.
Para ela, a Vale mudou muito a forma de se comunicar desde a tragédia em Mariana. Na ocasião, a Vale tentou ao máximo descolar sua imagem da tragédia e direcionar a responsabilidade para a Samarco, da qual é dona de 50%.
"A associação da Vale e Samarco foi muito rápida e a Vale perdeu muitos dias tentando impedir o inevitável", afirma a professora. Segundo ela, as primeiras respostas da mineradora foram duras e de enfrentamento. Apenas executivos da Samarco foram indicados como porta-vozes da empresa e a Vale se ausentou da discussão.
Foi criada uma instituição, Fundação Renova, para gerenciar os pagamentos de indenizações e multas. Ela é resultado do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) entre Samarco, com o apoio de suas acionistas, Vale e BHP Billiton, e o Governo Federal, os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.
A previsão era de desembolsar 2 bilhões de reais em indenizações, mas até agora foram pagos apenas 1,4 bilhão de reais. A previsão é desembolsar mais 1 bilhão de reais em 2019. Para Luiz Vieira, professor de estratégia do Insper, a instituição distancia ainda mais as mineradoras dos fatos e das suas obrigações. "Colocar mais um agente no meio das negociações dificulta a situação da cidade e dos parentes das vítimas", diz.
Já em Brumadinho, a postura de comunicação da Vale foi outra. As primeiras respostas foram dadas poucas horas depois da tragédia, pelo próprio presidente da mineradora, Fabio Schvartsman. Assim que chegou ao local da tragédia, afirmou: “Como vou dizer que a gente aprendeu (após o acidente de Mariana) se acaba de acontecer um acidente desses?”.
Além disso, tomou medidas que, de fato, afetam sua produção e o dia a dia da empresa, afirma Vieira. A mineradora suspendeu sua política de remuneração aos acionistas, o pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio e o pagamento de bônus a seus executivos.
A empresa também afirmou, poucos dias depois do rompimento da barragem, que vai paralisar operações equivalentes a 10% de sua produção anual de minério de ferro. São cerca de dez barragens construídas da mesma maneira que a de Brumadinho e a de Mariana e que são responsáveis por uma produção anual de 40 milhões de toneladas de minério de ferro. A paralisação deve custar R$ 5 bilhões em investimentos ao longo de 3 anos.
A mudança no estilo de comunicação é uma tendência global. Há alguns anos, o departamento jurídico tinha uma força maior na gestão de crises do que tem hoje. Antes, a recomendação era para a empresa não assumir a culpa, pois poderia pagar juridicamente, de acordo com Florczak.
Foi a primeira reação do advogado contratado pela companhia, Sergio Bermudes, que disse que a empresa não via responsabilidade pelo ocorrido. No mesmo dia, a Vale informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não autorizou nem autoriza terceiros, inclusive advogados contratados, a falar em seu nome”.
"As empresas entenderam que, ainda que o passivo a pagar pelo desastre fosse grande, o custo para a reputação em não assumir a culpa era muito maior", diz a professora.
A diretoria, o presidente e o conselho foram mantidos nos cargos.
Apesar do aprendizado na comunicação, a mineradora demonstrou que não avançou em outra área: a gestão de risco. Cada empresa precisa mapear o risco de suas atividades e construir sistemas para mitigar as crises. Mas, na visão dos especialistas, essa preocupação ainda não é madura em muitas empresas.
Entre os erros da Vale, está a construção de uma única sirene de aviso. Instalada para avisar a população de qualquer risco de desabamento, ela não funcionou no dia do desastre, porque era acionada manualmente, o que impediu que mais pessoas buscassem abrigo a tempo. Além disso, a população da cidade deveria ser treinada para responder a esse tipo de desastre, como acontece em países com alto risco de terremotos e outros desastres naturais.
As decisões de cortar dividendos de acionistas e a produção de minério gera impacto real no negócio e não são apenas cosméticas, dizem especialistas. "O problema é que esses cortes acontecem após o desastre, é uma reação e não prevenção", diz Vieira.
Investigações apontam que a Vale já sabia do risco na barragem de Brumadinho, além de outras nove estruturas em Minas Gerais. Essa informação consta de um documento da própria empresa sobre a situação dos reservatórios e foram obtidos pelo Ministério Público (MP) de Minas. De 57 barragens da Vale avaliadas pelo MP, 10 estavam enquadradas na chamada Zona de Atenção e havia “severo risco de rompimento” das estruturas.
Nesta quinta-feira, 14, o presidente da Vale admitiu que as medidas de monitoramento da barragem em Brumadinho não funcionaram. “A Vale reconhece, humildemente, que seja lá o que vinha fazendo, não funcionou, já que uma barragem caiu”, disse na Comissão Externa de Brumadinho, na Câmara dos Deputados.
"As empresas precisam parar de acreditar que uma boa gestão de risco é dinheiro jogado fora", diz o professor.
Depois da crise, vem a parte mais complexa e demorada: pagar multas ambientais e indenizar os familiares das vítimas.
Três anos após o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, os moradores do povoado de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), ainda esperam indenização da companhia. Eles afirmam que há diferenças entre os valores pagos para os cerca de 600 moradores e que isso dividiu a comunidade, dificultando as reivindicações.
O Ibama também diz que a Samarco recorreu de todas as multas que foram aplicadas. A mineradora disse que até dezembro de 2018 destinou 5,2 bilhões de reais em ações de reparação dos impactos causados pelo rompimento da barragem e que já pagou multa de 45 milhões de reais aplicada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).
No novo caso, o risco é de repetir a demora no socorro aos familiares e à cidade. Com o passar do tempo, o assunto também deixa de ter tanto destaque no noticiário e na conversa entre as pessoas. Mas especialistas garantem que os casos não serão esquecidos.
"Com as redes sociais e a permanência da internet, a sociedade não deixa que uma crise seja esquecida", diz Florczak. “As empresas perderam o direito ao esquecimento”.