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Papel de Musk em campanha de Trump traz questões sobre sua influência em eventual futuro governo

Em entrevista com o ex-presidente, bilionário propôs criação de comissão com poder para recomendar cortes de custo em agências federais, incluindo as que regulam relações de suas empresas com o governo americano

Elon Musk, dono da Tesla e SpaceX (Saul Loeb/AFP)

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Agência o Globo
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Publicado em 22 de outubro de 2024 às 11h57.

Última atualização em 22 de outubro de 2024 às 12h08.

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O anúncio de Elon Musk, homem mais rico do mundo, de que o fundo de arrecadação de campanha que abriu em apoio ao ex-presidente dos Estados Unidos e candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, sortearia US$ 1 milhão por dia (cerca de R$ 5,7 milhões no câmbio atual), até a data da votação, entre eleitores de sete Estados-pêndulo, foi a mais recente iniciativa do bilionário a levantar suspeitas sobre o tipo de influência que pretende conquistar em um eventual futuro governo — já tendo sido apontado por Trump como seu favorito para dirigir uma suposta nova agência, que já causa preocupação por possíveis conflitos de interesse.

Dono de uma fortuna estimada em US$ 246,8 bilhões (R$ 1,4 trilhão) pela revista Forbes e CEO de um conglomerado de empresas que vão da rede social X ao gigante da inovação Tesla, Musk terá peso em Washington independentemente de quem seja o próximo ocupante da Casa Branca.

Um levantamento do New York Times apontou que o bilionário é um dos principais contratados pelo governo americano: ao longo da última década, apenas a SpaceX e a Tesla fecharam contratos num valor somado de US$ 15,4 bilhões (R$ 87,4 bilhões) com Washington, em setores tão variados quanto transportes, defesa, agricultura e comunicações. Só no ano passado, empresas de Musk fecharam quase 100 contratos com 17 agências federais, com promessa de pagamento de US$ 3 bilhões (US$ 17,1 bilhões).

Além dos valores aportados, o nível de complexidade de serviços oferecidos pelas empresas de Musk praticamente inviabilizam uma ruptura por desavenças políticas: a SpaceX efetivamente dita o cronograma de lançamento de foguetes da Nasa, enquanto o Departamento de Defesa depende dela para colocar a maioria de seus satélites em órbita.

Embora não seja o primeiro megaempresário com uma relação umbilical com o poder a escolher um lado em uma eleição presidencial americana, Musk adotou uma posição que ultrapassa a costumeira dinâmica de promover jantares, fazer doações generosas de campanha e discursar em favor do seu candidato. A conta do bilionário no X, com 202 milhões de seguidores, transformou-se basicamente em um bunker pró-Trump, enquanto ele se envolveu diretamente em práticas que estão no limite da lei, como é o caso da promessa de doações milionárias a eleitores.

Em aparições públicas, Musk tem justificado o efusivo apoio a Trump por questões ideológicas: acusa Kamala e os democratas de quererem acabar com a liberdade de expressão, se diz um anti-woke — expressão americana que tomou o debate público para designar movimentos de esquerda que questionam injustiças raciais e contra minorias e buscam reparações históricas —, além de endossar teorias do ex-presidente sobre ativismo e perseguição do Judiciário e atuação parcial da mídia. Por outro lado, uma questão mais direta parece aproximar Musk e o republicano.

Quando Musk entrevistou Trump em agosto, durante uma live no X, o bilionário citou a ideia de criar uma "comissão de eficiência", com o poder de recomendar cortes abrangentes de custo em agências federais e mudar regras federais. Ele retomou o tema três vezes — retornando ao tópico quando Trump divagava para outros assuntos.

“Eu acho que seria ótimo ter apenas uma comissão de eficiência do governo que analisasse essas coisas e apenas garantisse que o dinheiro do contribuinte, o dinheiro arduamente ganho pelos contribuintes, fosse gasto de uma boa maneira”, disse Musk ao retomar o tópico pela terceira vez. “E eu ficaria feliz em ajudar em tal comissão.”

Trump respondeu com um "eu adoraria", afirmando que Musk seria o homem certo para a missão. Desde então, o empresário nunca explicou exatamente qual seria seu plano para a tal agência, sugerindo apenas que atuaria no corte de funcionários com baixa produtividade — um modelo difícil de ser posto em prática considerando as especificidades e proteções legais aos funcionários federais.

Após a publicação da reportagem do Times, retomando o diálogo durante a entrevista em abril, o bilionário publicou um vídeo de um discurso do ex-presidente afirmando que Musk nunca havia pedido nenhum tipo de favorecimento nos contatos entre os dois.

Dilema ético

Caso a ideia da comissão avance em um eventual governo Trump, e Musk — ou algum preposto indicado — assuma o controle e as atribuições de um órgão com a abrangência projetada, o homem mais rico do mundo teria o poder de regular as agências reguladoras que fiscalizam suas empresas.

Ainda de acordo com o Times, empresas de Musk foram alvos de pelo menos 20 investigações ou fiscalizações recentes, incluindo sobre a segurança de seus carros Tesla e danos ambientais provocados ​​por foguetes.

Especialistas em temas jurídicos que estudaram as regras de ética federal e convites de executivos de negócios externos como consultores governamentais disseram que as interações de Musk com o governo federal são tão amplas que pode não ser possível para ele servir como um conselheiro da Casa Branca sem criar um grande conflito de interesse.

“[Musk] teve interações e envolvimentos muito contenciosos com reguladores”, disse Kathleen Clark, uma advogada de ética que serviu como consultora do gabinete do Procurador-Geral do Distrito de Columbia. “É inteiramente razoável acreditar que o que ele traria para esta auditoria federal é seu próprio conjunto de preconceitos, rancores e interesses financeiros.”

Compra de voto?

A proposta mais chamativa da parceria entre Musk e Trump surgiu no fim de semana, quando o CEO da SpaceX afirmou que a organização que fundou para arrecadar de fundos para Trump, o Super PAC America, sortearia US$ 1 milhão por dia entre eleitores que assinassem uma petição online a favor da liberdade de expressão e do armamentismo. A estratégia foi rapidamente alvo de denúncias de ilegalidade, incluindo por parte de Josh Shapiro, governador da Pensilvânia — um dos Estados onde os eleitores estariam "elegíveis" para participarem do sorteio —, que pediu atenção das autoridades policiais sobre o caso.

A lei federal americana estabelece que é crime se alguém "paga ou se oferece para pagar ou aceita pagamento para se registrar como eleitor ou para votar", havendo orientação do Departamento de Justiça de que isso inclui "qualquer coisa com valor monetário, incluindo dinheiro, bebidas alcoólicas, chances de loteria e benefícios sociais, como vale-refeição".

Musk afirma que, tecnicamente, sua oferta não infringe nenhum regramento, uma vez que nenhum eleitor está sendo pago para se registrar ou votar, como proíbe a lei, mas apenas concorre a um prêmio em dinheiro caso assine uma petição em favor de direitos reconhecidos pela Constituição americana. Um aspecto da inscrição, contudo, é questionado por especialistas.

“O problema é que as únicas pessoas elegíveis para concorrer a esta doação são pessoas que estão registradas para votar. E isso torna [a estratégia] ilegal”, disse Rick Hasen, professor de Ciência Política na Faculdade de Direito da UCLA, em entrevista à rede americana CBS.

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