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Lançando suas memórias, Obama fala sobre Lula e compara Trump a Bolsonaro

Em entrevista ao "Conversa com Bial", Obama disse que há oportunidade de "redefinir a relação" com o Brasil

Obama e Biden: em trecho de seu livro, Obama diz que o ex-presidente brasileiro teria “os escrúpulos de um chefão mafioso” (Chip Somodevilla/Getty Images)

Obama e Biden: em trecho de seu livro, Obama diz que o ex-presidente brasileiro teria “os escrúpulos de um chefão mafioso” (Chip Somodevilla/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 17 de novembro de 2020 às 08h51.

Última atualização em 23 de novembro de 2020 às 09h56.

A entrevista do ex-presidente americano Barack Obama na televisão brasileira deixa claro o que será o desafio do Brasil nos próximos anos: recuperar uma desgastada imagem nas questões ambientais e medidas controversas na pandemia.

Em entrevista nesta segunda-feira no programa "Conversa com Bial", o ex-presidente americano disse que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o americano Donald Trump se assemelham em declarações controversas de negação da pandemia e citou os questionamentos à gestão ambiental do Brasil.

Obama falou ainda sobre sua relação com Luiz Inácio Lula da Silva e reconheceu avanços no Brasil na gestão do ex-presidente. Mas também fez comentários negativos e lembrou as denúncias de corrupção envolvendo Lula, dizendo que não sabia dos fatos anteriormente.

Obama tem dado uma série de entrevistas para o lançamento de seu livro de memórias, Uma Terra Prometida, que chega hoje ao Brasil.

Sobre Bolsonaro, disse que os dois não chegaram a ser presidentes ao mesmo tempo, mas o comparou a Trump. "Eu não conheço o presidente do Brasil. Eu já tinha saído quando ele assumiu o cargo. Então não quero dar uma opinião sobre alguém que não conheci. Posso dizer que, com base no que vi, as políticas dele, assim como as do Donald Trump, parecem ter minimizado a ciência da mudança climática. Isso teve consequências para eles”, disse, afirmando também que é necessário uma mobilização dos países para "dar um fim a essa pandemia".

Obama foi presidente americano entre 2009 e 2016, quando foi substituído por Donald Trump após a derrota de sua candidata, a democrata Hillary Clinton (que foi secretária de Estado em seu governo).

Durante seus dois mandatos, estiveram no poder no Brasil primeiro o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (no cargo entre 2003 e 2010) e, depois, a ex-presidente Dilma Rousseff (entre 2011 e 2016). Nos meses finais de seu mandato em 2016, Obama ainda lidou no Brasil com o ex-presidente e anteriormente vice, Michel Temer, que substituiu Dilma Rousseff nos anos finais de seu mandato após o impeachment.

Ao falar sobre Lula (que já chamou de "o cara" em um encontro), Obama o descreveu como com "o dom de se conectar com o povo brasileiro" e elogiou o fato de o ex-presidente ter "ampliado a classe média no Brasil". Mas questionou as denúncias de corrupção envolvendo o ex-presidente, dizendo que não sabia delas na época.

Em uma passagem de seu livro, Obama também compara Lula a políticos antigos de Nova York, com um perfil de política com valores parecidos aos da máfia (em certo momento do livro, diz que o ex-presidente brasileiro teria “os escrúpulos de um chefão mafioso”).

"Com os relatos de corrupção que surgiram, na época eu não sabia de todos eles. Acho que o dom que o Lula tinha de se conectar com o povo brasileiro e o progresso econômico que aconteceu quando ele tirou as pessoas da pobreza são coisas que não podem ser negadas", disse.

Nascido no Havaí, Obama foi o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. Então uma jovem estrela ascendente no Partido Democrata, tendo sido somente senador pelo estado de Illinois, Obama chegou ao poder com o hoje famoso slogan “Yes, we can” (sim, nós podemos). O agora presidente eleito Joe Biden foi seu vice.

Falando sobre Biden, Obama também foi questionado sobre uma declaração recente do presidente Jair Bolsonaro sobre as eleições americanas. Na semana passada, ao falar sobre críticas feitas por Biden à gestão ambiental brasileira, Bolsonaro disse que "quando acabar a saliva, tem que ter pólvora", sobre as negociações com os americanos.

“O Brasil foi um líder no passado, seria uma pena se parasse de ser. Minha esperança é que, com a nova administração de Biden, há uma oportunidade de redefinir essa relação", disse Obama.

Essa fala de Biden sobre a questão ambiental, feita em um debate com Donald Trump, foi a única vez na campanha que Biden falou mais amplamente sobre o Brasil -- o que dá o tom de que o tema deve ser um dos maiores pontos na discussão entre os dois países.

Obama afirmou ainda que acredita que o progresso e os avanços ambientais serão definidos, em grande parte, pela "qualidade da relação entre os nossos dois países".

Ainda é difícil dizer como deve ser a relação entre Bolsonaro e Biden na nova gestão americana. Nos governos Obama, Biden foi um dos responsáveis por vir repetidas vezes ao Brasil e a outros países em missões diplomáticas, inclusive tendo uma relação mais próxima do que o próprio Obama com os presidentes da época.

Uma de suas visitas foi para colocar panos quentes no vazamento da informação de que os EUA estavam espionando conversas da ex-presidente Dilma Rousseff. Biden também entregou ao governo brasileiro documentos secretos da inteligência americana sobre a ditadura militar brasileira (1964-85), que foi em parte apoiada e financiada pelos EUA na época.

Ao falar sobre a eleição americana deste mês, Obama elogiou a vice de Biden, a senadora Kamala Harris, e disse que em breve os EUA podem ter uma mulher na presidência. Primeira mulher negra no cargo de vice-presidente, Harris é cotada para substituir Biden na próxima eleição, quando ele já terá 82 anos.

Obama disse ainda que "não estou surpreso" com as tentativas de Trump de barrar a transição de governo e as acusações de fraude, mas disse que o embate "não vai fazer diferença" porque Biden tomará posse normalmente em 20 de janeiro.

Obama lança livro

As entrevistas do ex-presidente nesta semana são para lançar o livro Uma Terra Prometida, seu primeiro volume de memórias, que chega nesta terça-feira, 17, ao Brasil.

No livro, Obama conta a história de sua vida e trajetória política. Naquela primeira campanha de 2008, o então senador bateu primeiro Hillary Clinton nas primárias democratas e depois o republicano John McCain na eleição nacional, também foi uma das primeiras a usar redes sociais em massa, sobretudo o Twitter, na época começando a se popularizar. Biden foi seu vice nos dois mandatos, em 2009 e 2013.

Até a votação de Biden, que teve quase 78,9 milhões de votos no total (50,9%) e bateu recorde de votos, Obama também era o recordista em votação popular americana com sua campanha de 2008.

Embora a crise de 2008 tenha começado no fim do governo Bush, Obama foi o presidente responsável pelas medidas que viriam. No geral, o presidente é lido como bem-sucedido no combate àquela crise -- no fim de seu mandato, o desemprego americano já estava em baixas históricas, abaixo de 5%.

Na política externa, os EUA interviram na Líbia — em meio à Primavera Árabe iniciada em 2011 –, e foi morto o terrorista Osama bin Laden, que era procurado pelos atentados de 11 de setembro. Nas frentes mais pacifistas, Obama liderou a assinatura de um acordo nuclear com o Irã (hoje terminado na gestão Trump) e retomou conversas americanas com Cuba, o que não acontecia desde a Guerra Fria.

Ouça o podcast EXAME POLÍTICA sobre o resultado das eleições americanas e o que vem agora.

 

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