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Contraofensiva em risco? Armas inúteis e atrasos comprometem esforços da Ucrânia

Documentos do governo ucraniano mostram que, até o final de 2022, o país pagou aos fornecedores mais de US$ 800 milhões por contratos que foram total ou parcialmente descumpridos

 (Reprodução/AFP)

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Agência o Globo
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Publicado em 20 de junho de 2023 às 09h48.

A Ucrânia pagou a fornecedores centenas de milhões de dólares por armas que não foram entregues, e algumas das armas doadas por seus aliados, amplamente divulgadas, estavam tão deterioradas que foram consideradas adequadas apenas para serem reaproveitadas por suas peças sobressalentes.

Documentos do governo ucraniano mostram que, até o final do ano passado, o país havia pago aos fornecedores de armas mais de US$ 800 milhões (em torno de R$ 3,8 bilhões) desde a invasão russa em fevereiro de 2022 por contratos que foram total ou parcialmente descumpridos.

Duas pessoas envolvidas na compra de armas pela Ucrânia disseram que algumas das armas faltantes foram eventualmente entregues, e que, em outros casos, o dinheiro foi devolvido. Mas até o início da primavera no Hemisfério Norte, centenas de milhões de dólares haviam sido pagos — inclusive a empresas estatais — por armas que nunca se materializaram, disse uma das fontes.

"Tivemos casos em que pagamos dinheiro e não recebemos", disse Volodymyr Havrylov, vice-ministro da Defesa envolvido na aquisição de armas, em uma entrevista recente.

Ele disse que o governo começou a analisar suas compras anteriores este ano e a excluir fornecedores problemáticos.

Problemas são inevitáveis em um frenesi de aquisição de armas do tamanho do da Ucrânia. Desde que a Rússia a invadiu no ano passado, os aliados ocidentais enviaram à Ucrânia dezenas de bilhões de dólares em armas. Até a semana passada, apenas os Estados Unidos haviam comprometido cerca de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 190 bilhões) em ajuda militar (mais assistência financeira e humanitária), e os aliados europeus também contribuíram com dezenas de bilhões. Além disso, a Ucrânia gastou bilhões de dólares em armas no mercado privado.

Muitas das transferências dos aliados ocidentais envolveram armas modernas, como sistemas de defesa aérea dos EUA, que se mostraram altamente eficazes contra drones e mísseis russos. Mas, em outros casos, os aliados forneceram equipamentos de estoque que, na melhor das hipóteses, precisavam de extensas reformas.

Até 30% do arsenal da Ucrânia está em reparo — uma taxa alta, disseram especialistas em defesa, para um Exército que precisa de todas as armas que pode obter para sua contraofensiva em desenvolvimento.

"Se eu fosse o chefe de uma força armada que presenteou a Ucrânia com equipamentos, ficaria profissionalmente muito constrangido se estivessem em mau estado", disse Ben Barry, especialista em guerra do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Londres.

Obuses danificados

Uma recente entrega de 33 obuses autopropulsados doados pelo governo italiano é um exemplo disso. Vídeos mostraram fumaça saindo do motor de um deles e vazamento de líquido de arrefecimento do outro.

O Ministério da Defesa da Itália disse em comunicado que os veículos haviam sido desativados anos atrás, mas que a Ucrânia os havia solicitado mesmo assim, "para serem revisados ​​e colocados em operação, dada a necessidade urgente de meios para enfrentar a agressão russa".

Documentos do governo ucraniano mostram que o Ministério da Defesa pagou US$ 19,8 milhões (cerca de R$ 90 milhões) a um revendedor de armas americano, a Ultra Defense Corp., sediada em Tampa, Flórida, para reparar os 33 obuses. Em janeiro, 13 deles foram enviados à Ucrânia, mas chegaram "inadequados para missões de combate".

Autoridades em Kiev, a capital, acusaram a Ultra Defense de não terminar um trabalho que deveria ter sido concluído até o final de dezembro. "A empresa americana, oferecendo seus serviços, não tinha a intenção prévia de cumprir suas obrigações", escreveu Volodymyr Pikuzo, diretor de compras da Defesa da Ucrânia, em uma carta de 3 de fevereiro ao inspetor-geral do Pentágono.

Matthew Herring, CEO da Ultra Defense, negou veementemente a acusação. "Cada um deles funcionava quando os entregamos", escreveu ele em uma mensagem de texto neste mês, dizendo que os ucranianos não haviam mantido adequadamente os obuses depois de entregues. Isso incluía o que apresentava vazamento de líquido de arrefecimento, que, segundo ele, "apareceu magicamente após a entrega na Ucrânia".

Questão de segurança sensível

O inspetor-geral do Pentágono está investigando o assunto, de acordo com um oficial da Defesa dos EUA e um americano que trabalhou com a Ucrânia na aquisição de armas.

Autoridades ucranianas têm se abstido de reclamar sobre equipamentos quebrados para não constranger seus benfeitores.

"Houve problemas de qualidade com alguns dos obuses, mas temos que ter em mente que foi um presente", disse Havrylov.

Contudo, o governo em Kiev está ficando cansado, disse outro oficial ucraniano, de ser informado de que tem armas ocidentais suficientes, quando algumas chegam em condições ruins ou inutilizáveis.

O oficial, como alguns outros entrevistados, falou sob condição de anonimato para discutir uma questão de segurança sensível que pode causar atrito entre os aliados. O Ministério da Defesa da Ucrânia se recusou a comentar.

Problemas com o armamento militar são tão antigos quanto a própria Ucrânia pós-soviética, arrastada por décadas entre facções concorrentes com visões diferentes para a indústria de armas do país.

Após a independência da Ucrânia em 1991, o país arrecadou consideráveis quantias vendendo itens de seus extensos estoques de armas da era soviética. O arsenal do país diminuiu, especialmente durante o mandato do presidente Viktor Yanukovych, líder pró-russo da Ucrânia no início dos anos 2010. Nos anos seguintes à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, um acalorado debate eclodiu sobre até que ponto revitalizar sua indústria de armas.

Entretanto, as mudanças foram lentas e, quando a Rússia a invadiu no ano passado, a Ucrânia se viu desesperada por armas e munições. Seus líderes se esforçaram para encontrar armas onde pudessem. Fornecedores, muitos deles não confiáveis, inundaram a Ucrânia com ofertas, disse Havrylov.

Os documentos obtidos pelo The New York Times, gerados por uma auditoria do governo este ano, mostram que alguns dos conjuntos mais valiosos de contratos não entregues são entre o Ministério da Defesa e empresas estatais ucranianas de armas que funcionam como fornecedoras independentes. Nos últimos meses, o Ministério processou pelo menos duas dessas empresas estatais por contratos não cumpridos, e a Ucrânia anunciou recentemente reformas com o objetivo de tornar essas empresas mais eficientes.

Também houve problemas com equipamentos doados pelos países ocidentais, o que contribuiu para que alguns deles fossem entregues com atraso ou de forma imprevisível, dificultando o planejamento da contraofensiva da Ucrânia.

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