Trump: presidente perderá a chance de fazer comícios presenciais em estados decisivos (Bloomberg/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 2 de outubro de 2020 às 10h35.
Última atualização em 2 de outubro de 2020 às 15h48.
Após a notícia de que o presidente americano, Donald Trump, havia sido diagnosticado com covid-19, a pergunta de 1 milhão de dólares nos próximos dias é o quanto o novo cenário impacta a campanha presidencial.
A eleição está marcada para 3 de novembro, mas muitos eleitores começam a votar antes em vários estados, além dos que devem votar pelo correio e precisam enviar os votos com antecedência. Por ora, o democrata Joe Biden vence nacionalmente e tem uma vantagem em vários estados decisivos, embora a eleição nestes lugares esteja apertada.
Da mesma forma como analistas políticos de todo o mundo falharam em prever a vitória do mandatário americano na eleição de 2016, neste pleito, poucos se arriscam a bater o martelo sobre o que acontece agora. Ninguém sabe dizer ainda o que vai prevalecer, mas há impactos tanto negativos quanto positivos para Trump.
A leitura mais óbvia é que, quarentenado por pelo menos duas semanas, Trump talvez precise que o próximo debate em 15 de outubro seja adiado. Há ainda um terceiro e último debate marcado para 22 de outubro, a uma semana da eleição.
Até agora, ainda não há sequer consenso sobre se Trump saiu ou não vitorioso do primeiro debate, nesta última terça-feira.
O presidente usou uma estratégia de interromper o adversário, e o debate foi marcado por pouca discussão de ideias. Não há um consenso sobre quem venceu, embora o presidente tenha ido às redes sociais dizer que "venci o grande debate" e sua campanha não tenha topado ainda mudar as regras que permitiram as interrupções frequentes.
Na verdade, as pesquisas mostram uma ligeira vantagem de Biden. Pesquisa da CBS mostrou que 48% dos espectadores consideraram Biden vencedor (ante 41% de Trump). Mas uma coisa foi certa: 8 em cada 10 espectadores consideraram o tom do debate negativo e ficaram incomodados. Assim, o plano do presidente de tumultuar os próximos debates poderia, eventualmente, cansar os eleitores.
I won the debate big, based on compilation of polls etc. Thank you!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 1, 2020
Pelo lado negativo, o presidente também perde a oportunidade de fazer comícios cara a cara, algo no qual vinha apostando em estados decisivos. Nesta sexta-feira, por exemplo, ele iria à Flórida, onde ganhou em 2016, mas onde Biden hoje tem chance de vencer -- ainda que o pleito esteja apertado, segundo as pesquisas.
Ter covid-19 pode parecer controverso para um presidente que passou boa parte dos últimos seis meses fazendo pouco caso da gravidade da doença. Trump apareceu sem máscara em eventos públicos e, a contragosto das autoridades de saúde, tem feito comícios presenciais e gerado aglomeração (no pico da pandemia, o mais controverso dos eventos pode ter levado até a uma onda de casos em Tulsa, Oklahoma).
No Twitter, o economista Paul Krugman, colunista da EXAME e ganhador do prêmio Nobel, é da teoria de que ter coronavírus vai contra os planos de Trump de "fazer com que todo mundo se esqueça da doença, insistindo que já viramos a página".
Now, the course of his infection may be another matter. I personally know people who got Covid-19 but insisted that it was a mild case — only to hear indirectly that it was actually very severe. Just saying 2/
— Paul Krugman (@paulkrugman) October 2, 2020
Krugman também compartilhou postagem do correspondente da Casa Branca da CNN americana, John Harwood, afirmando que o governo não divulgou voluntariamente as informações sobre a saúde de Trump.
Os comentários sobre Trump ter a doença e a posterior confirmação só surgiram depois de a assessora Hope Hicks -- que viajou com Trump dois dias seguidos nesta semana -- ter sido diagnosticada ontem. "Tenham isso em mente: a Casa Branca não divulgou voluntariamente NADA sobre isso", escreveu Harwood.
Já o jornalista americano Brian Winter, editor do Americas Quarterly e que cobre América Latina, citou inclusive o presidente brasileiro Jair Bolsonaro para avaliar o caso. Winter disse que Bolsonaro teve coronavírus com sintomas leves, o que pode ter ajudado a reforçar entre os brasileiros a visão de que a doença não é séria.
A covid-19 tem mortalidade baixa, mas sua alta taxa de contágio, somada ao fato de que ainda não há remédio ou vacina para a doença, tornou a pandemia mortal e devastadora em todo o mundo neste ano. A taxa de mortalidade também é mais alta entre idosos ou pessoas com comorbidades.
Os EUA são o país com mais casos e mortes por coronavírus no mundo, mais de 205.000 vítimas, seguidos pelo Brasil, com mais de 140.000 mortes. Tanto Trump quanto Bolsonaro fizeram comentários deslegitimando profissionais de saúde do governo -- nos EUA, o principal nome é o infectologista Anthony Fauci, que vive em pé de guerra com Trump.
A reminder that Jair Bolsonaro got COVID, had only mild symptoms and fully recovered - which ended up reinforcing views among many Brazilians that the virus is "not that bad."https://t.co/BVE09txK38 pic.twitter.com/ODh63k9lUW
— Brian Winter (@BrazilBrian) October 2, 2020
Em meio a tudo isso, uma coisa é certa tanto para a política quanto para outros setores: as mudanças no status quo da situação trazer fatos novos que podem tumultuar o cenário e ajudar quem estava perdendo.
Os EUA têm uma fatia pequena de eleitores indecisos, pouco mais de 10%. A eleição também deve ser uma das mais polarizadas da história, com pouca gente topando mudar de lado em situações normais. Mas, a depender do que acontecer nas próximas duas semanas, elementos nesse equilíbrio podem mudar -- e qualquer mudança, neste momento, pode favorecer mais Trump do que Biden.
Na corrida presidencial, por ora, Biden lidera em estados decisivos e está à frente nas pesquisas, mas com uma margem apertada ou empate nos principais estados — o que importa mais no colégio eleitoral americano do que os votos absolutos nacionalmente.
O modelo do site FiveThirtyEight, do estatístico Nate Silver, ampliou as chances de vitória de Biden para 80% e de 20% para Trump após o debate (uma nova atualização após as notícias da covid ainda não foi divulgada). Antes, Biden estava com chances na casa dos 70%.
Biden também lidera sobretudo entre quem vai votar pelos correios, modalidade que vem sendo questionada por Trump e pode abrir espaço para contestações judiciais do resultado.
Como Trump pode ter pego a covid-19 da assessora Hope Hicks, que viajou com ele no mesmo dia do debate presidencial, outra dúvida que pairou nos EUA foi se Joe Biden também estaria infectado.
Após as discussões pela manhã, Biden divulgou no começo da tarde que seu teste deu negativo. O candidato democrata disse também que "vai continuar a rezar pela saúde do presidente e de sua família".
A Casa Branca divulgou um comunicado afirmando que Trump está com sintomas leves, mas ainda pode se pronunciar oficialmente nas próximas horas sobre os protocolos e eventuais provas de que Trump está de fato infectado.
Horas antes do diagnóstico de Trump ontem, Biden escreveu no Twitter que o presidente "fará de tudo para distrair [a população] de sua resposta falha à covid-19".
O vice-presidente de Trump, Mike Pence, foi outro nome que divulgou resultado negativo para seu teste. Outros secretários do governo que estiveram com Trump também não foram infectados.
Além dos temas da saúde, a crise econômica relativa à covid-19 é um dos temas decisivos nesta reta final da eleição. Segundo os dados de desemprego americano divulgados nesta sexta-feira, o país recuperou somente metade das vagas fechadas devido à pandemia.
A retomada do emprego e da economia, com a segunda onda de covid-19 e a incerteza econômica, ainda não aconteceu na velocidade com que os republicanos gostariam e pode afetar a popularidade de Trump nestas últimas semanas.
Donald Trump will do everything he can to distract from the fact that because of his failed COVID-19 response:
- Over 200,000 Americans have died
- 26 million are on unemployment
- 1 in 6 small businesses risk permanent closureWe can’t let him.
— Joe Biden (@JoeBiden) October 2, 2020
De todos os posts que inundam as redes sociais neste momento na tentativa de entender o que pode acontecer agora na eleição, talvez um dos mais precisos seja do diretor de fact-checking e credibilidade da informação no Google dos EUA, Alexios Mantzarlis.
"Eu admiro a confiança das pessoas que, tendo visto os primeiros meses de 2020, estão predizendo com certeza as consequências do teste positivo de Trump. Eu não estou", completou. O ano de 2020 -- como já havia sido a eleição de 2016 -- tirou parte das certezas de todos.
i admire* the confidence of people who, having seen the first 9 months of 2020, are definitively predicting the consequences of Trump testing positive
*i don't
— Alexios (@Mantzarlis) October 2, 2020
*A matéria foi atualizada às 14h42 após Joe Biden confirmar o resultado de seu teste de covid-19.