Eleições americanas: para Gavekal, ambos os candidatos terão uma política fiscal expansionista (Logan Cyrus and RONDA CHURCHILL/AFP)
Repórter de finanças
Publicado em 2 de novembro de 2024 às 09h48.
Última atualização em 2 de novembro de 2024 às 09h54.
A falta de discussões sobre os déficits orçamentários e a elevada dívida do governo dos Estados Unidos durante a campanha presidencial - de ambos os candidatos - preocupa Louis Gave, fundador e CEO da Gavekal, casa renomada de análise internacional. Seja quem for, Kamala Harris ou Donald Trump, para ele, “a política fiscal dos EUA continuará expansionista por muitos anos.”
O economista afirma, em relatório, que a “dívida descontrolada”, gerada pelo crescente abismo entre a receita e os gastos do governo, não parece preocupar nenhum dos dois candidatos.
Durante a campanha, Gave nota que apenas os habituais clichês sobre cortar desperdícios do governo e fazer com que os ricos "paguem sua parte justa" vêm sendo entoados pelos candidatos.
EXCLUSIVO: Kamala tem 48% e Trump soma 47% em Wisconsin, mostra pesquisa EXAME/IdeiaPara ele, o resultado da ausência de preocupação será uma perpetuação de uma política fiscal inflacionária.
Mas há um cenário de exceção: um presidente democrata (no caso, uma) com uma Câmara (e talvez Senado) republicano. “A história dos EUA ensina que os republicanos lembram que são o partido da retidão fiscal quando um democrata ocupa a Casa Branca e eles controlam o Congresso”, diz.
Nesses momentos, segundo ele, os republicanos da Câmara e do Senado buscam congelar os gastos do governo, pelo menos até que um republicano seja eleito para a presidência.
Entretanto, essa situação parece pouco provável e, a partir disso, Gave projeta quatro cenários para responder à questão: “Como o Federal Reserve (Fed, banco central americano) reagirá à promessa de uma política fiscal cada vez mais flexível?”
Já na semana que vem, no dia 7 de novembro, um dia após as eleições, o Comitê de Política Aberta (FOMC, na sigla em inglês) irá se reunir para decidir a próxima taxa de juros, que atualmente está na faixa entre 4,75% e 5%.
Se Kamala vencer, na visão de Gave, o Fed poderia optar por ficar inativo, indicando que esperará para ver o que o governo Harris entrega em termos de política fiscal antes de agir.
“Os democratas dificilmente poderiam criticar o Fed por exercer sua autonomia, dado que um dos seus grandes pilares é que uma presidência Trump ameaçaria a independência do banco central”, explica.
Se isso acontecer, segundo o executivo, o Fed pode nem mesmo sentir-se obrigado a realizar o corte de novembro que atualmente está precificado, ou pode realizar o corte e sinalizar que cortes adicionais serão ‘dependentes de dados’.
“Esta seria uma maneira educada de convidar a Casa Branca e o Congresso a trabalharem juntos para controlar a situação fiscal. Com tudo o mais igual, esse cenário pareceria ser positivo para o dólar dos EUA e possivelmente para os títulos do Tesouro e as ações de crescimento dos EUA”, diz.
Já no cenário em que Trump é eleito, Gave prevê uma postura diferente do Fed. Provavelmente, haverá cortes nos juros em novembro e dezembro - não por necessidade econômica, mas para evitar acusações de interferência política.
Em uma vitória do republicano, o CEO da Gavekal destaca mais uma incerteza: se Jerome Powell escolherá permanecer como presidente do Fed. Para relembrar, durante o primeiro mandato de Trump, o relacionamento entre ambos foi “notoriamente tenso.”
O conflito se intensifica ainda mais, já que Trump deixou claro que não tem intenção de indicar Powell para outro mandato.
“Para Powell, a tentação deve ser forte para convocar uma coletiva de imprensa no convés de um porta-aviões dos EUA, desenrolar um banner proclamando ‘missão cumprida’, dar tapinhas nas costas de si mesmo e do Fed por ter reduzido a inflação para perto de 2% após os choques de oferta da Covid.”
Desse conflito, a Gavekal prevê dois subcenários. Caso Powell corte as taxas em novembro e renuncie na sequência, o mercado começará a precificar a provável combinação de política fiscal e política monetária muito flexíveis.
O dólar enfraquece, os títulos do Tesouro dos EUA caem, o ouro continua a atingir novas máximas, o setor financeiro supera o de tecnologia, o valor supera o crescimento e as ações estrangeiras provavelmente superam as ações dos EUA.
Ou Trump vence, e Powell adota uma postura mais agressiva contra o endividamento federal. Neste caso, Gave alerta para um possível "efeito Alemanha dos anos 1990": uma valorização do dólar semelhante à do marco alemão, que atraiu capital europeu e pressionou moedas vizinhas.
“Poderia a combinação de uma política fiscal dos EUA drasticamente flexível e uma política monetária dos EUA rígida levar o dólar dos EUA a novas alturas? Se sim, isso forçaria outros países a aceitarem taxas de câmbio mais fracas, como o Reino Unido, Itália e Suécia fizeram nos anos 1990, ou a se ajustarem por meio da deflação, como a França teve que suportar.”
Neste cenário de valorização da divisa americana, os investidores iriam se contentar com títulos do Tesouro dos EUA, dólar e empresas de crescimento. Porém, como a maioria das carteiras já leva esses ativos - e uma “briga” estaria declarada entre a Casa Branca e o Fed - investidores poderiam preferir países como China, Indonésia e México, onde “as políticas fiscais e monetárias parecem estar remando na mesma direção.”
“Se Trump vencer no dia 5 de novembro, monitorar o relacionamento entre Trump e Powell será fundamental para qualquer um que ainda esteja marcado pela experiência monetária de Pöhl, na Alemanha.”