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Com a piora do mercado, é hora de reduzir o risco das carteiras?

Diante de novo cenário incerto, gestores optam por um modo de cautela com ações, enquanto a renda fixa vai ganhando mais espaço nas carteiras

Índices de ações no vermelho em Nova York: S&P teve a maior queda mensal em setembro desde o início da pandemia | Foto: Michael Nagle/Bloomberg (Michael Nagle/Bloomberg/Getty Images)

Índices de ações no vermelho em Nova York: S&P teve a maior queda mensal em setembro desde o início da pandemia | Foto: Michael Nagle/Bloomberg (Michael Nagle/Bloomberg/Getty Images)

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Paula Barra

Publicado em 5 de outubro de 2021 às 06h15.

Última atualização em 5 de outubro de 2021 às 08h05.

Em mercados em tendência de alta, correções são aguardadas por investidores como oportunidades de comprar papéis a preços mais baratos. A leitura costuma ser válida até que os fundamentos comecem a mudar e a cautela prevaleça. A realização do Ibovespa na segunda metade do ano traz esse ponto de atenção.

Nos últimos três meses, o cenário econômico local e global piorou, em meio às incertezas sobre inflação no mundo, possíveis alterações nas políticas monetárias dos Bancos Centrais e a aproximação de uma crise energética.

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Com consideráveis vetores de dúvida, agentes do mercado têm reduzido o risco em Bolsa. Dos sete estrategistas, analistas e gestores consultados por esta reportagem pela EXAME Invest, a maioria apontou que está com uma visão mais cautelosa para o mercado acionário neste último trimestre do ano.

Apesar da queda de 12,5% do Ibovespa do fim de junho para cá (sendo -6,6% só em setembro), Tomas Awad, sócio-fundador da 3R Investimentos, acredita que a assimetria do mercado ainda deve inclinar um pouco mais para baixo.

"Depois da forte injeção de liquidez no mundo, estamos chegando à hora da verdade, à hora de pagar essa conta. E o mercado está acordando para isso", disse.

"Acho que ainda tem muita revisão de cenário para acontecer, tanto aqui quanto lá fora. Mas aqui o cobertor é mais curto e vamos juntar isso com as eleições."

Com o aumento do risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS) de cinco anos do governo brasileiro, que ultrapassou a casa de 200 pontos pela primeira vez desde março, investidores estrangeiros foram às vendas em setembro.

No mês passado, retiraram 3,4 bilhões de reais de ações brasileiras, revertendo uma entrada líquida de 7,4 bilhões de reais em agosto.

Investidores estrangeiros retiram 3,4 bilhões de reais da B3 em setembro (Arte/Exame/Divulgação)

"Em termos de preço dos ativos, acreditamos que o investidor estrangeiro já vê oportunidades na Bolsa, mas o risco político no ano que vem tem afastado o interesse", avalia Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama Investimentos.

"A impressão que dá é que o estrangeiro, que poderia fazer os ativos brasileiros mudarem de patamar, não tem muito otimismo com o Brasil. Acha muito periférico. Além disso, o Brasil está elevando os juros sem ter uma condição de crescimento e isso machuca muito os ativos de risco", pontuou Marcelo Weber, CEO da Invexa Capital.

"Olhando para preço, podemos até ter uma margem de segurança na Bolsa, mas o cenário é bem desafiador. Está claro que se lá fora se deteriorar, podemos alcançar níveis ainda mais baixos", disse Rodrigo Fontana, gestor da Guide Investimentos.

Ele comentou que reduziu o risco (posições em ações) da carteira até ter uma clareza um pouco melhor do ambiente. "Não vemos grandes oscilações no mercado, mas também não vislumbramos que possa rasgar para cima como no primeiro trimestre".

Inflação

Uma das grandes preocupações do mercado recai sobre a inflação. "Há muito tempo o mundo não vive com um cenário de inflação mais alta. Estamos tendo choque de oferta em vários setores da economia, que culminou com a crise energética, começando na Europa e agora atingindo a China. É um problema de difícil solução", comentou Dan Kawa, CIO da TAG Investimentos.

Segundo ele, a casa está com uma leitura mais cautelosa, até mais para negativa. "Ou o mercado ganha mais prêmio ou o ambiente precisa melhorar para termos um pouco mais de conforto".

A inflação é o principal vetor para o BC subir os juros, que impactam em todos os ativos. "O que temos a fazer é nos preparar para o ano que vem, ajustando os investimentos para a volatilidade que devemos passar. Isso passa por criar um colchão de liquidez mais gordo", comentou Sandra.

A Órama elevou na semana passada sua projeção para a Selic para 9% no ano que vem, contra 8,5% anteriormente. Para o dólar, a expectativa é que gire em torno de 5,50 reais e 5,70 reais em 2022.

"Temos aumentado as sugestões em ativos de renda fixa atrelados à inflação, principalmente via CDBs, LCIs, CRIs e CRAs. Com a Selic podendo chegar a 9% ao ano, o risco/retorno da renda fixa fica muito atraente".

Como o ambiente deve ser mais volátil à frente, a parte destinada a proteções também tem sido enfatizada."Chamamos o dólar como válvula de escape. Quando a temperatura aumenta, os investidores vão para o dólar. Como devemos ter uma eleição polarizada no ano que vem, a moeda tende a subir", destacou a estrategista.

"É importante ter uma parte da carteira atrelada ao dólar, seja via fundo de ouro, cambial ou em ativos no exterior para diversificar georgraficamente, mas sem hedge cambial". Segundo ela, o fundo de ouro pode ser interessante, uma vez que funciona como "um porto seguro ao investidor, principalmente em um momento em que o mundo inteiro está com inflação alta".

Já Kawa comentou que, em Brasil, tem aumentado parcimoniosamente a parcela dos portfólios em renda fixa, por meio de títulos com vencimento no médio e longo prazo, enquanto, em Bolsa, estão quase integralmente em gestores ativos e com proteções via "puts spreads" para o fim do ano. Eles têm também proteções com dólar, caso a moeda ultrapasse em dezembro a casa dos 5,50 reais.

Renda fixa ganha peso maior nos portfólios

Com o Ibovespa marcando em setembro seu terceiro mês seguido no negativo, o investidor tem se mostrado mais apreensivo com aplicações em ações, enquanto a renda fixa tem atraído novos recursos.

No mês passado, pela primeira vez desde janeiro deste ano, os fundos de ações registraram resgate líquido, da ordem de 2,8 bilhões de reais, mostrou um relatório do BTG Pactual do início deste mês, com dados da Anbima.

Captação mensal líquida dos fundos de ações (Arte/Exame/Divulgação)

A tendência é que esse movimento continue. "Com a deterioração dos mercados, as vendas podem ter acelerado nas últimas semanas", comentou a equipe de análise do banco. Como os resgates dos fundos de ações normalmente são de 30 dias, as saídas de setembro provavelmente vieram de pedidos de resgate feitos em agosto.

Por outro lado, os fundos de renda fixa registraram captação líquida de 38 bilhões de reais em setembro, acumulando no ano uma arrecadação total de 241 bilhões de reais.

Captação líquida mensal dos fundos de renda fixa (Arte/Exame/Divulgação)

Cautela prevalece

Com visão cética para os mercados, o gestor da 3R Investimentos disse que tem adotado uma postura bem defensiva com as carteiras, com alocação abaixo da média em renda variável.

"As coisas ainda vão piorar, há muita incerteza. Nos portfólios que podemos, temos posições 'short' [vendida] em Bolsa e também temos feito muita arbitragem entre setores e empresas. Tem coisa barata mas também muito cara".

Em renda variável, ele disse que, de maneira geral, a casa está vendida em consumo discricionário e em e-commerce. "Com os juros a 2% [como no início do ano], pode até ser bom ter uma ação que não dá dinheiro. Com ele a 10%, a pessoa perde um pouco a paciência".

Do lado mais positivo, estão comprados em empresas expostas ao consumo básico, como Pão de Açúcar (PCAR3) e Vulcabras (VULC3). "Empresas com ticket médio baixo e que têm perfil mais resiliente".

Ele comentou que tem um pouco de posição também em bancos, que vê como baratos, mas que devem ser olhados com cuidado, uma vez que são suscetíveis ao cenário macro, além do ambiente de competição com fintechs.

Alívio

Do lado mais positivo, André Querne, sócio da Rio Gestão, comentou que, embora o cenário não esteja mais tão tranquilo quanto há três meses, acredita que há algumas decisões do lado fiscal doméstico que podem favorecer o ambiente, como o acordo dos precatórios e definição sobre o novo Bolsa Família.

"A indefinição é muito ruim para os mercados. Se tiver uma definição e não vier nada muito fora do que tem se falado, isso pode dar uma tranquilizada nos ânimos", disse.

Na visão dele, se o cenário fiscal local der uma acalmada, os investidores vão acabar partindo para a análise micro, que, para o gestor, segue bem construtiva para Bolsa brasileira.

"Quando falamos em Ibovespa, estamos falando das empresas de primeira linha do país. Geralmente, essas empresas, as maiores, acabam se fortalecendo nas crises. As grandes acabam concentrando ainda mais participação de mercado, com as pequenas quebrando ou até por consolidação", comentou.

Para Querne, o curto prazo pode ser complicado, com um fluxo de recursos indo para a renda fixa, mas a Bolsa brasileira parece já precificar muito do cenário negativo.

"A impressão é que a assimetria é para cima. Resolvendo as questões fiscais, tem espaço para o preço sobre o lucro (P/L) subir no médio prazo. Temos uma cabeça construtiva muito em função da qualidade das empresas que estão no mercado".

Para Weber, outubro ainda deve ser de muita volatilidade para a Bolsa, difícil como os meses anteriores, mas o cenário pode começar a clarear a partir do fim deste ano.

"Um gatilho para isso poderia vir de uma maior clareza sobre a taxa de juros doméstica, saber para onde vai a Selic, e se a inflação será controlada. Também se tivermos um isolamento da questão chinesa e condição hídrica mais favorável. Por enquanto, não temos um horizonte muito claro, mas uma melhora pode vir no final do ano, início de 2022".

Nos portfólios, ele disse que está menos exposto a ativos que dependam da economia doméstica, como varejo, construção civil e bancos tradicionais, e mais concentrados em proteína animal, como JBS (JBSS3) e Marfrig (MRFG3), além de empresas com maior correlação com dólar, assim como aquelas que possuem um viés mais independente, como as de saúde.

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