BM&FBovespa, em São Paulo: a surpresa com o mau desempenho de janeiro ocorre pelo fato de o mês ser marcado por alocação de recursos nos ativos de risco (Paulo Whitaker/Reuters)
Da Redação
Publicado em 31 de janeiro de 2014 às 09h17.
São Paulo - A Bovespa largou muito mal em 2014, depois de já ter levado um tombo em 2013. Janeiro deste ano foi na contramão da tradicional performance positiva da renda variável brasileira no primeiro mês do ano, e acumulou perdas de 8,28% até a quinta-feira, 30, no pior desempenho para o mês desde de 1995, quando caiu 10,77%, segundo levantamento da Economatica, a pedido do Broadcast, serviço de informações da Agência Estado.
E, diante do sinal negativo que prevalece nesta manhã nos mercados internacionais e com uma postura defensiva dos investidores em relação aos países emergentes, dificilmente haverá uma melhora considerável nestasexta-feira, 31.
A surpresa com o mau desempenho de janeiro ocorre pelo fato de o mês ser marcado por alocação de recursos nos ativos de risco, mas, neste ano, a Bovespa não foi agraciada.
"Nunca antes na história desse País se entregou um resultado tão ruim da Bolsa em janeiro", ironizou o sócio-diretor da Titulo Easynvest Corretora, Márcio Cardoso, referindo-se à frase do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para falar das conquistas durante o seu governo.
O primeiro mês de 2014 foi marcado por um fraco ingresso de capital externo, diante das ameaças de rebaixamento no rating soberano do Brasil, e por uma crescente aversão ao risco dos países emergentes, em meio à desaceleração econômica na China e à retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos.
Por isso, qualquer perspectiva de melhora da Bolsa doméstica passa por uma mudança em um desses cenários - se não todos. Mas o ambiente não parece muito promissor.
O analista sênior do BB Investimentos, Hamilton Alves, destaca que o principal problema para a Bovespa continua sendo a "espada na cabeça" do País em relação à nota de risco de crédito.
Segundo ele, a possibilidade de rebaixamento do rating e de revisão na perspectiva da avaliação pelas agências de classificação segura o fluxo de capital, principalmente o estrangeiro. "O investidor externo não tem confiança no avanço da economia", pondera.
Uma das razões para isso é a questão fiscal. O governo conseguiu melhorar consideravelmente o superávit primário consolidado de 2013, mas com recursos extraordinários, como o leilão do Campo de Libra, no pré-sal brasileiro.
Mas a meta para 2014 ainda não foi conhecida e, muito mais do que um número em si, o mercado financeiro quer saber se o governo fará novamente uso de uma contabilidade criativa para cumprir o que promete.
Nesse cenário incerto, o receio do investidor estrangeiro com o Brasil é natural e pode ser refletido no saldo de investimento, com as saídas superando as entradas de recursos externos em R$ 732 milhões neste mês até o dia 28.
Trata-se do pior resultado para um início de ano desde janeiro de 2010, quando o fluxo de capital estrangeiro fechou o primeiro mês negativo em pouco mais de R$ 2 bilhões.
Amassado
Os especialistas consultados destacam que o cenário doméstico desagradável é apenas uma continuidade do que foi observado ao longo do ano passado, que culminou em perdas de 15% do Ibovespa.
Tanta perda acumulada, no entanto, pode ter um viés positivo, já que o frágil desempenho da Bolsa neste início de ano deve se acomodar, com a percepção de que o "fundo do poço" está cada vez mais próximo - e dali o caminho é o de alta.
Na avaliação do analista da Empiricus Research, Rodolfo Amstalden, a Bolsa brasileira pode ainda piorar mais, antes de melhorar.
Em janeiro, o Ibovespa voltou a níveis de julho do ano passado e, o mais provável, é que caia abaixo dos 47 mil pontos em breve, rumo à mínima do ano passado, ao redor dos 45 mil pontos. Ainda assim, a trajetória de baixa poderia seguir até a faixa dos 41 mil pontos, para então, iniciar uma retomada.
Com o ambiente interno hostil para posições de longo prazo na Bolsa qualquer retomada fica a reboque de uma recuperação das economias internacionais.
Na visão do economista da Órama Investimentos, Álvaro Bandeira, se a Bolsa conseguir pegar carona no exterior, isso pode significar que a deterioração interna pode ser menor, diante da retomada econômica em várias outras partes do mundo. "Pode haver uma leitura inicial ruim, mas há uma situação mais positiva no futuro", observou Bandeira.
Contudo, Alves, do BB Investimentos, lembra que à medida que os investidores começarem a deslocar as atenções das reduções mensais no programa de compra de bônus nos EUA para o aperto monetário das taxas de juros norte-americanas a renda variável brasileira pode entrar em uma nova espiral descendente.
Afinal, um ciclo de alta dos juros não é favorável às ações, principalmente na maior economia do mundo. Essa alta dos Fed Funds, no entanto, não deve acontecer no curtíssimo prazo, mas pode ser antecipada entre os agentes financeiros.
Até lá, se o governo realmente entregar as refeitas promessas de austeridade fiscal e de controle inflacionário, o resultado pode ser o retorno desse importante capital externo aos negócios domésticos com ações, impulsionando a Bolsa.
"O mercado pode enxergar no processo de alta de juros do Banco Central brasileiro comprometimento do governo depois de maus passos. E isso pode, sim, deixar a renda variável com olhos mais belos aos investidores", resumiu um operador da mesa de operações, que falou sob a condição de não ser identificado.