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Fred Trajano, do Magalu: “O Brasil vive uma crise de autoestima”

Em entrevista exclusiva, CEO vê mercado excessivamente pessimista: "Vamos dar lucro mesmo com os juros altos"

Trajano: humor geral em relação ao Brasil está excessivamente crítico (Leandro Fonseca/Exame)
Trajano: humor geral em relação ao Brasil está excessivamente crítico (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 22 de outubro de 2024 às 12:46.

Última atualização em 22 de outubro de 2024 às 14:03.

Poucas empresas representam tão bem a sequência de euforia e depressão que marcou o mercado acionário brasileiro desde a pandemia quanto o Magalu 

Em meio a um processo de digitalização que a fez brilhar quando o varejo físico fechou e embalada por juros a 2%, viu suas ações multiplicarem por várias vezes e chegarem a mais de R$ 200 entre 2020 e 2021.

Desde então, colapsaram e negociam nas mínimas históricas, a cerca de R$ 9,50, agora com a Selic já apontando para os 13%.

Se a alta talvez tenha sido excessiva, a queda também reforça a ciclotimia.

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Enquanto a ressaca da pandemia e os juros deixaram concorrentes pelo caminho, o Magalu conseguiu varar a arrebentação. Com um reforço de R$ 1,25 bilhão da família Trajano, pagou dívidas, arrumou a casa e nos últimos trimestres, voltou para o azul, com a margem EBITDA em7,9%.  

“Acho que o humor geral em relação ao Brasil está excessivamente crítico”, afirma o CEO Frederico Trajano. “Não quero dizer com isso que a questão fiscal não me preocupa, mas acho que estamos vivendo uma crise de autoestima.” 

As vendas nas pouco mais de 1.200 lojas físicas da companhia cresceram 16% na no segundo trimestre em relação ao mesmo período de 2023, refletindo a saída de concorrentes, como a B2W, ou o fechamento de lojas de Casas Bahia, mas em grande parte já capturando o macro mais forte. 

“Quando a economia vira, a primeira a sentir é a loja física. No terceiro tri de 2021, as vendas nas lojas físicas caíram um duplo dígito alto e pensei: o inverno está chegando e vamos ter um período difícil. Não deu outra”, diz. “Agora é o contrário: a loja física indica que o varejo está aquecido.”  

Prestes a completar nove anos no comando da varejista, Trajano recebeu o INSIGHT na sede do Magalu, na Zona Norte de São Paulo, para uma rara entrevista, na qual fez um balanço dos últimos anos de sua gestão. 

Os primeiros cinco anos de seu mandato foram marcados pela digitalização, uma agenda que já vinha puxando na empresa na qual está há 24 anos desde antes de assumir o comando.  Com isso, levou a companhia de um faturamento de R$ 10 bi em 2016, para R$ 60 bi em 2020, com 50% das vendas vindo da plataforma online.  

O segundo ciclo, que teve início desde 2021, ainda é pouco compreendido pelo mercado, mas está dando frutos, aponta. 

Trata-se de formação de um ecossistema de vendas, aos moldes das varejistas chinesas, com foco tanto nas vendas via marketplace – o chamado 3P, onde o Magalu atua como intermediário levando uma fatia, mas não é responsável pela compra do estoque – quanto de outros tipos de receita, como as de crédito para sellers, logística, e até de publicidade por meio do Magalu Ads. 

“A prioridade estratégica foi diversificar nosso resultado para torná-lo menos cícilo e dependente das taxas de juros”, diz Trajano. "Vamos dar lucro mesmo com os juros altos."

As diversas aquisições – como a da Netshoes, de artigos esportivos, a Kabum, de eAletrônicos e a Época Cosméticos – vieram nesse bojo.

Assim como a parceria mais recente para venda de itens da Aliexpress, que parecia impossível há pouco mais de um ano, antes da taxação de compras cross-border, quando as plataformas asiáticas eram vistas como os inimigos número 2 do varejo depois da Selic.  

A plano é aumentar a penetração em tíquetes médios menores. Líder na venda de categorias que o próprio CEO apelidou de FGTS – fogão, geladeira, televisão e smartphone –, as vendas do Magalu eram muito dependentes de crédito.  

Compras menores são menos dependentes de financiamento e seguem bombando, em linha com o aumento da massa salarial, dando uma espécie de colchão anti-Selic. “O ciclo ainda não acabou, ele se conclui no ano que vem com uma série de integrações. Mas os resultados já estão aparecendo e, conforme formos entregando, a consistência vai ficar mais clara.”    

Numa conversa de uma hora e meia, Trajano falou sobre a economia brasileira, a parceria com os chineses e a concorrência com o Mercado Livre, que vem crescendo a taxas exponenciais. A seguir, os principais trechos da conversa: 

Por conta das preocupações fiscais, o mercado já está vendo uma Selic de 13,5% no fim do ciclo. Qual sua visão em relação ao cenário macro? 

Acho que estamos vivendo uma crise de autoestima. Não quero com isso dizer que a questão fiscal não me preocupa. Ela é séria, embora seja uma questão que todos os países do mundo estão enfrentando. Mas eu acho que o humor geral em relação ao Brasil está excessivamente crítico.  

Fala-se do México como sendo o grande ganhador desse contexto geopolítico global de briga dos Estados Unidos com a China, por conta do nearshoring. O México vai crescer 1%, e não 3% como a gente.  

Estamos com um crescimento econômico robusto, índice de desemprego historicamente baixo, nossa dívida é 100% em real. O problema do déficit é sério, mas já foi muito mais sério. Ele relevante, precisa ser contido, mas acho que há um certo exagero.  

Um programa do governo federal que reduza R$ 30, 40, 50 bi de despesas seria uma sinalização poderosíssima para o mercado e em nenhum momento seria contraditório à plataforma de distribuição de renda do governo.  

É muito fácil a gente resolver o problema. Basta um pouquinho de boa vontade do governo em relação à questão dos gastos e um pouquinho de boa vontade do mercado de entender que não é tudo que está ruim. 

No último trimestre, o ecommerce do Magalu ficou meio de lado, mas houve uma recuperação bem importante da loja física. Como é que você está vendo o ponto físico? Qual o papel dele daqui para frente? 

Para mim, a loja física é um excelente termômetro da economia. Bens discricionários é baixa renda. Quando a economia vira, a primeira a primeira é sentir é a loja física. No terceiro tri de 2021, a loja física caiu duplo dígito alto. Pensei: já vi essa história antes, o inverno está chegando e vamos ter um período difícil. Não deu outra.  

Agora, é o contrário. A loja física indica que o varejo está muito acelerado, está puxando PIB. Parte do que está puxando o PIB é, sim, gasto do governo, mas parte é o consumo das famílias. Então, o varejo no primeiro semestre foi muito sólido, mesmo sem o varejo ligado ao crédito.  

Tem também um trabalho bem-feito do Magalu, que, nesse momento de ciclicalidade ruim, manteve a equipe motivada, manteve a operação, as lojas reformadas, manteve os estoques abastecidos. 

É claro que teve um efeito também de concorrentes que tinham loja física e que fecharam lojas demais. Em toda crise que acontece em setores cíclicos, o número de concorrentes diminui, porque tem gente que fica pelo caminho ou sai enfraquecido do processo.  Tem um pouco de ganho de share e tem um pouco desse fator de que a economia está robusta. 

E isso veio sem vocês acelerarem o crédito, certo? Já chegou a hora de abrir a torneira? 

Ainda não abrimos a torneira de crédito. Mas eu acho que está no momento de começar a abrir.  Quase que toda a melhoria de resultado da nossa operação de crédito foi com redução de inadimplência, que está no all time low, considerando os atrasos de 15 a 90 dias.  

Isso foi um trabalho nosso de segurar o crédito e um pouco da economia também, como eu falei. Nós estamos no menor nível de desemprego da história, não está tudo errado do ponto de vista macroeconômico. 

O Magalu acabou de inaugurar a parceria com a AliExpress, algo que parecia impensável há pouco tempo. Qual a lógica desse movimento? 

O mercado online é dividido em três faixas de preço: de R$ 0 a R$ 200; de R$ 200 a R$ 1000 e acima de R$ 1000. Já tínhamos uma participação nesta última faixa, com nossa liderança em eletroeletrônicos. 

As aquisições e os movimentos que fizemos em direção ao 3P nos últimos anos nos levaram a ampliar o share, que era pequeno, em tíquetes de R$ 200 a R$ 1000. Isso foi importante porque o mercado de varejo no Brasil é dividido no varejo ligado à renda e o varejo ligado ao crédito.  

O varejo ligado ao crédito teve esse boom em 2020, com os juros mais baixos, mas desde então está meio de lado. Por outro lado, no mundo online o varejo ligado à renda, de tíquetes menores, aumentou muito.  E, nesse mundo de tíquetes de até R$ 200, os asiáticos dominaram e é muito difícil competir com eles.  

Se tem uma complementariedade quase que total entre nós e eles, por que não juntar? Inclusive, acho que a parceria deveria no longo prazo caminhar para que colocarmos nossa multicanalidade a serviço do cross-border [com entregas a partir das lojas físicas], porque uma das grandes dores dos chineses é a última milha. Aí ainda existe fricção e custo alto para eles. 

Houve muita polêmica no setor quando vocês anunciaram a parceria, dada a postura histórica do Magalu e do IDV em relação ao que seria uma concorrência desleal dos chineses. Isso ficou para trás? 

O Magalu, por meio do IDV, fez o pleito para que houvesse isonomia tributária, para que quem importa o produto, tivesse as mesmas condições do seller que vende diretamente para o consumidor no Brasil.  Com o imposto federal que foi aprovado em junho, essa isonomia não está totalmente igual, mas está muito parecida agora. 

Além da China, quem cresceu e ganhou muita participação no varejo nos últimos anos foi o Mercado Livre, que tem uma plataforma 3P muito extensiva. Como fazer frente à concorrência deles, que ganha cada vez mais escala? 

Não gosto de falar de concorrentes. Mas acho que, de forma geral, todos costumamos confundir o jogo empresarial com um jogo finito, com regras definidas, hora para acabar, concorrentes definidos. 

O Simon Sinek fala, e eu concordo com ele, que na verdade o jogo é infinito. As regras mudam toda hora, os concorrentes mudam toda hora. Os concorrentes que eu respondo hoje não eram os mesmos atrás.  

Quando eu comecei, em 2000, as Casas Bahia eram 10 vezes maiores que o Magalu.  Depois se juntaram com o Ponto Frio e ficou 15 vezes maior que o Magalu. Qual era o discurso? “A Casas Bahia já venceu. Você não tem a mínima chance de competir.”   

Abrimos o capital em 2011. Na época, o questionamento era de que o jogo já tinha acabado, quem tinha vencido era a B2W [das Lojas Americanas, na época, controladas pelo 3G]. “O fundo deles é infinito. Eles são muito ricos. Qual a chance que uma empresa do interior tem para competir?” 

Agora, novamente, o mercado deterministicamente falou: “Já acabou, quem venceu foi alguém lá da Argentina”. A minha meta é fazer a empresa chegar a 100 anos bem. Ser vencedor é quase que uma ilusão. Minha visão é olhar para o longo prazo e gerar valor para o meu acionista.  

De forma geral, parece que este ano vocês conseguiram equacionar a equação da rentabilidade, mas não necessariamente a do crescimento, que segue de lado. Dá para unir as duas coisas? 

Eu gosto de trabalhar em ciclos estratégicos de cinco anos. O principal objetivo desse ciclo estratégico, que começou em 2020/2021 era tornar o resultado menos cíclico, e trazer rentabilidade independentemente da taxa de juros do Banco Central.  

Ao longo dos últimos anos, já tínhamos crescido muito, estamos numa escala de R$ 60 bilhões ano.  Por mais que a gente tenha diversificado, temos um pedaço ainda importante do meu negócio que vinha de 1P, de bens duráveis, e esse negócio passou por um aumento de base de custos muito forte.  

Seja a despesa financeira, porque você vende em 10 vezes sem juros, seja via aumento de impostos.  Os dois somados adicionaram R$ 3 bi por ano ao todo na minha base de custos.  

Então, o que tínhamos que pegar esses R$ 3 bi e trazer a margem EBITDA de 5% para quase 8%. Fazer isso e crescer ao mesmo tempo não dá.  

No ano passado, o mercado estava se perguntando se a gente ia ou não conseguir pagar nossa dívida, porque os dois concorrentes mais próximos tiveram que renegociar. Pagamos. Questionava se a gente ia dar lucro, nós demos.  

O ciclo do ano que vem é quando a consegue concluir a construção desse ecossistema e a construção de um negócio que tenha uma base de resultados com margens maiores e menos cíclicas. 

Uma estratégia muito vencedora do MELI foi a de fulfillment para o marketplace também, passando a ter o produto dos sellers nos CDs e se responsabilizando pela entrega. Como está essa estratégia dentro do Magalu? 

Parte da nossa estratégia de conquistar esse mercado de tíquetes médios e baixos era ter o produto do seller dentro dos nossos depósitos e das lojas. Dar a ele o mesmo benefício de multicanalidade que tínhamos no nosso 1P, que era comprar online e retirar na loja. A loja para mim é o diferencial para o 3P. 

O fulfillment saiu de zero no começo do ano passado quando a gente lançou para 23% do 3P [a título de comparação, o Mercado Livre opera com 50%]. Acabamos de homologar o CD do Rio para fazer o fulfillment, já temos nove CDs homologados e queremos que isso se estenda para todos os 21 CDs. Estamos migrando uma boa parte do que era o GMV do 3P para o fulfillment, despriorizando a entrega direta do parceiro e devemos aumentar essa penetração. 

E vocês já sentem o benefício nas vendas? 

Tenho três benefícios principais: primeiro, o prazo médio cai 40%. Segundo, o custo de frete cai 20%, e consequentemente a conversão aumenta duas vezes.  

Para mim o mais importante de tudo é que estamos atingindo um patamar histórico de NPS, que é o Net Promoter Score, que saiu de 50 no 3P para um patamar próximo da loja física, que é de 80. É um patamar “Nubank” de NPS. 

O mercado tem falado muito do potencial de receita do retail media, de trazer receita com publicidade para as lojas e as plataformas. Qual o potencial de Magalu Ads?  

Estou muito animado. Entregamos no segundo trimestre 7,9% de margem EBITDA, que é o que o mercado esperava para ano que vem. Mas está longe de ser nosso teto. Talvez do ponto de vista da operação, do core de varejo 1P e 3P, estejamos lá. Mas eu tenho camadas adicionais para colocar.  

A primeira é do Magalu Pay. A penetração de produtos financeiros, seja antecipação de recebíveis para os sellers seja o crédito para o nosso cliente final e ela é muito pequena nos mercados online. É de um décimo em relação à loja física, em seguros e crédito. Tirar esse gap de penetração é importante.  

A segunda agenda em que tenho muita confiança é a de Ads. Saímos do zero no ano passado para algumas centenas de milhões de reais neste ano. Em países como Índia e Cingapura, várias plataformas digitais, sejam de ecommerce ou food delivery, já estão atingindo entre 3% e 5% do GMV com Ads, com 70% de margem de contribuição.  

E, mesmo se a nossa agenda não for tão bem-sucedida, se conseguirmos um, dois pontos percentuais do GMV em Ads, o que eu acho que é perfeitamente factível, com a margem de contribuição, já temos um novo patamar.

Para quem decide. Por quem decide.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado

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