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Violência de gênero em relacionamentos permeados pelo “amor”

Namoros, relações estáveis e casamentos deveriam ser espaços de convivência permeados pelo amor. Paradoxalmente, são essas mesmas idealizações que obscurecem a percepção quando o abuso e a violência começam a se insinuar nos lares/prisões

Campanha do Day One: sobre relacionamentos abusivos (Day One/Divulgação)

Campanha do Day One: sobre relacionamentos abusivos (Day One/Divulgação)

Daniela Grelin
Daniela Grelin

Diretora Executiva do Instituto Avon

Publicado em 28 de junho de 2024 às 08h00.

Última atualização em 28 de junho de 2024 às 09h26.

“O MAR AMOR SÓ É BOM QUANDO A GENTE NÃO SE AFOGA NELE.”

Liana Ferraz

Neste mês de junho, ao observar as vitrines decoradas para o Dia dos Namorados, notei uma nova tendência em algumas campanhas: “Dia do Amor” em vez de “Dia dos Namorados”. Isso pode ser apenas uma licença de marketing ou um desejo genuíno de expandir a data para além dos casais de namorados, incluindo diferentes perfis de relacionamento. Qualquer que seja a intenção, a verdade é que o uso intercambiável das palavras ‘amor’ e ‘namorados’, tão aspiracional em campanhas publicitárias, nos lembra que essa convergência é muitas vezes mais uma boa ideia do que uma boa prática.

Dados do Mapa Nacional da Violência de Gênero mostram que 67% das mulheres que sofreram violência doméstica ou familiar praticada por um homem afirmam que ele era seu parceiro íntimo. Para quem analisa as estatísticas de fora, isso pode parecer um contrassenso. E de fato é.

Namoros, relações estáveis e casamentos deveriam ser espaços de convivência permeados pelo amor. Paradoxalmente, são essas mesmas idealizações e expectativas românticas que obscurecem a percepção quando o abuso e a violência começam a se insinuar nos lares/prisões. A convivência cede lugar ao isolamento.

O desejo de proximidade transforma-se em desejo de controle. O apoio recíproco torna-se coerção. Tudo isso num ciclo vicioso e fragilizante, incompreensível de fora para dentro, incontornável senão de dentro para fora. Essa dimensão irracional da ‘paixão’ foi bem captada por Ambrose Bierce na definição: "paixão é uma insanidade temporária".

Como antídoto para este padrão abusivo, muitas vezes facilitado pelo idealismo romântico, propõe-se uma perspectiva realista que ofereça bases mais profundas para relacionamentos verdadeiramente amorosos. Nesse sentido, o filósofo contemporâneo Alain de Botton identifica alguns elementos que talvez sejam os melhores presentes para os namorados:

  1. Autoconhecimento:

   - Antes de embarcar de olhos bem vendados em um conto de fadas, examine suas expectativas, padrões emocionais e vulnerabilidades. 

  1. Realismo Romântico:

   - Talvez precisemos de menos romantismo e mais realismo na construção de relacionamentos saudáveis. O amor envolve aceitação, compromisso e empatia entre pessoas que se reconhecem e se acolhem num pacto amoroso. 

  1. Comunicação Honesta e Aberta:

   - A capacidade de articular necessidades, desconfortos e expectativas é fundamental para nutrir um relacionamento edificante. 

  1. Expectativas Realistas:

   - Esperar que um parceiro afetivo seja a resposta para todos os seus sonhos e desejos é uma receita para a frustração. O pacto amoroso pode incluir uma reflexão e busca de equilíbrio entre autonomia e interdependência, proximidade e individualidade saudável.

Não é minha intenção aqui citar todos os elementos propostos pelo filósofo. Afinal, reconheço que paixão e razão não costumam andar de mãos dadas. Mas, se toda essa preparação emocional for insuficiente para contrabalançar os impulsos viscerais da paixão, pelo menos fiquemos atentos a alguns sinais de alerta.

Controle coercitivo, chantagem emocional, ciúme extremo, ameaças, explosões, humilhações e manipulações não têm lugar em qualquer tipo de relacionamento e precisam ser reconhecidos pelo que são: sinais de que não é amor.

Estabelecidas as distinções fica aqui o meu voto de que estas duas palavras – amor & namorados – sejam cada vez mais convergentes, nas vitrines e nas vidas.

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