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Thais dos Santos: "Ao longo de toda a minha trajetória profissional, senti necessidade de mostrar e entregar além da conta e jamais externar inseguranças para, assim, ser ouvida e respeitada." (Leandro Fonseca/Exame)
Plataforma feminina
Publicado em 5 de novembro de 2024 às 12h58.
Última atualização em 5 de novembro de 2024 às 16h29.
Por Thais dos Santos*
Nesse ano que quase termina, muito temos discutido a respeito da involução dos investimentos em equidade nas organizações. Enquanto esse é, de fato, um tema preocupante sobre o qual precisamos conversar, resolvi adotar uma lente diferente nesse artigo. Afinal, qual o papel de cada um na promoção da inclusão? Em especial, como cada uma de nós, mulheres, pode abrir mais caminhos para quem vem ao nosso lado e depois de nós?
Minha trajetória profissional foi trilhada em grandes empresas que estão liderando no Brasil o trabalho de diversidade e inclusão. Nem por isso, infelizmente, são espaços livres dos resquícios de machismo. Afinal, o que são as organizações senão um espelho da sociedade? Minha reflexão, portanto, tem sido cada vez mais sobre o que podemos fazer por nós mesmas enquanto o panorama geral move mais lentamente do que gostaríamos.
Recentemente, pedi às mulheres do meu círculo de contatos que respondessem uma breve pesquisa sobre sua vivência no ambiente de trabalho. Não é minha intenção apresentar esses dados como produto de relevância estatística – peço que leia os números a seguir como uma grande conversa entre amigas... quase 100 amigas!
A primeira pergunta teve a ver com meu próprio momento, já que há pouco tempo fiz uma mudança, que incluiu assumir um cargo de alta liderança e em outra cidade. Em minha pesquisa, 62% das mulheres apontaram que em mudanças de trabalho, áreas ou projetos, se sentiram mais acolhidas por outras mulheres do que por homens. No meu caso, encontrei apoio e abertura em outras mulheres, que me apontaram a direção e foram generosas em compartilhar conhecimento.
Baseada em minhas próprias vivências, confesso, esperava uma porcentagem ainda mais alta nessa questão. Mas os números baixos sobre a presença de mulheres em cargos de liderança nos dão uma pista; de acordo com dados da FIA Business School, em 2023 as mulheres ocupavam apenas 38% dos cargos de gerência no país. Se as oportunidades são tão escassas e poucas de nós chegarão lá, será que não é mais estratégico caminhar sozinha?
Minha pesquisa aponta, ainda, que 64,5% das mulheres receberam mais dicas e orientações de desenvolvimento de outras mulheres do que de homens ao longo de sua carreira. Veja bem, não é sobre apenas dividir as dores e receber acolhimento. Os maiores aprendizados vêm de conversas sinceras, difíceis, mas só encontram eco quando partem de um lugar de boa intenção e cuidado.
O machismo estrutural se transforma em uma neblina que muitas vezes impede a leitura correta de uma situação. Será que realmente fui reativa naquela reunião? Ou será que o feedback de reatividade vem de alguém acostumado a sempre ouvir concordâncias de uma mulher? É possível tirar a prova dos nove a partir de uma conversa com um homem? Infelizmente, em muitos casos a resposta ainda é não.
Também convidei as respondentes do meu levatamento a pensar em alguém por quem gostariam de ser mentoradas, caso pudessem escolher qualquer pessoa. A esmagadora maioria (79%) afirmou ter pensado em uma mulher. Não olho para esse número com alegria, mas entendo como chegamos até aqui. Se a mentoria é um processo de troca, como trocar com quem não consegue calçar meus sapatos?
Ao mesmo tempo, esse número me relembrou a importância de nos colocarmos disponíveis para outras mulheres. Existe uma necessidade latente por escuta, compreensão e direcionamento e esse investimento de tempo pode fazer a diferença na carreira de todas as envolvidas.
Sob a ótica de mulheres negras
É fundamental pensarmos também sob a ótica das mulheres negras. Enquanto ainda lutamos para trazer a devida representatividade para dentro do ambiente de trabalho, garantindo acesso e oportunidades às pessoas pretas e pardas que formam a maioria desse país, é essencial o entendimento de que trajetórias e experiências são diferentes. E há tanta riqueza quanto vulnerabilidade nisso.
Ao longo de toda a minha trajetória profissional, senti necessidade de mostrar e entregar além da conta e jamais externar inseguranças para, assim, ser ouvida e respeitada. Foi somente aos poucos que entendi que dureza e competência não são sinônimos. O ponto de partida dessa jornada de inclusão é exatamente abrir a roda e trazer todas para essa comunidade de apoio, reconhecendo e aprendendo com as diferenças.
Em meu trabalho no universo de beleza, tenho estudado cada vez mais sobre a dificuldade que mulheres têm em perceber seu próprio valor. Se a validação externa é algo com que homens podem contar desde a primeira infância, esse não é o cenário para nós, as meninas. Essa validação é o berço da autoestima, que por sua vez gera confiança e produz posicionamentos assertivos.
Por isso, nunca é demais lembrar a uma mulher do seu convívio o tamanho de seu valor para a organização, para o time e para os resultados. Quem sabe assim, no próximo percalço os desafios profissionais não signifiquem para ela mais do que realmente são: meros desafios, e não uma prova cabal de que ela não está mesmo pronta para estar ali.
Aliados, esse é um recado para vocês
Sozinhas, não seremos capazes de sobreviver às demandas do dia a dia, aprender e crescer profissionalmente, e estar na frente das batalhas de inclusão que tornarão todo esse contexto melhor no futuro. Mas, juntas, nosso valor é elevado à máxima potência e pode influenciar muitas gerações. É sobre fazer revolução e evolução coletiva.
Se você é um homem e eu consegui prender sua atenção até aqui, fico muito feliz. Talvez seja também um aliado da causa de equidade de gênero ou talvez queira se tornar um. Em todo caso, te convido a refletir por que uma mulher não escolheria ouvir de você onde e como ela pode melhorar? Como seu feedback pode estar carregando preconceitos clássicos que não fariam parte dessa conversa caso ela acontecesse entre dois homens?
Sua capacidade de agregar valor ao desenvolvimento de uma mulher pode estar muito mais ligada à sua habilidade de ouvir do que falar. As mulheres estão cansadas, mas historicamente nunca abandonaram a luta. Não faremos isso agora. Cada vez mais, teremos mais e mais mulheres no meio do caminho. E que bom!
*Thais dos Santos é diretora de Comunicação, Diversidade, Equidade & Inclusão e Sustentabilidade da L’Oréal Grande Público