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Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), na COP28 (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 11 de dezembro de 2023 às 09h50.
Última atualização em 11 de dezembro de 2023 às 09h53.
De Dubai*
Enquanto muito se fala sobre a necessidade de ter uma transição climática justa para todos, apenas dez quilombolas brasileiros conseguiram estar na COP28, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, em Dubai. “Estamos presentes, mas isto não significa que estamos participando ativamente pela falta de um representante nas decisões oficiais e na construção de políticas”, diz Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em entrevista à EXAME.
“O espaço de decisão das COPs ainda é muito branco e muito masculino. Quando há alguma abertura, quem participa são, em geral, as mulheres brancas. Eu não quero só participar de mesas em pavilhões para apontar o que está ruim, quero participar das negociações e abordar para onde vai o financiamento”, afirma.
De acordo com ela, um dos desafios é que os valores financeiros anunciados na COP28 cheguem até quem mais precisa. “Quando a gente escuta que o Banco do Brasil vai assinar um empréstimo de 350 milhões de reais para a conservação de rios no Pará, por exemplo, a gente sabe que não vai ver onde e como o dinheiro foi aplicado. É preciso transparência e rastreabilidade entre o anúncio e a prática”, diz.
A crítica de Selma diz respeito aos diferentes acordos anunciados entre governos e empresas, ao longo da COP. Para ela, o acesso ao dinheiro nas comunidades quilombolas ainda parece utopia. “De todo modo, precisamos buscar o recurso, pois o não a gente já tem. O desafio é que poucas pessoas dominam essa narrativa, e quem domina fala o que é conveniente”.
Onde há quilombo, quase não há desmatamento, é o que aponta um estudo do InfoAmazônia. Na publicação com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 99% dos territórios analisados mantiveram os registros de desmatamento praticamente inalterados nos últimos 13 anos.
Assim, é essencial que quilombolas falem mais sobre as boas práticas de preservação e regeneração da terra, como reforça Selma. E, mais do que isto, tenham diálogo com os mais diferentes atores. “Participamos aqui de painéis sobre reforma agrária e racismo ambiental, mas ainda estamos numa conversa de pretos falando com pretos, indígenas com indígenas e brancos com brancos. Quando vamos ter uma conversa unificada para um bem em comum? Se é para falar somente com iguais, falo no Brasil”, questiona.
A titulação de territórios quilombolas devem estar, então, intrínseca aos debates de clima. “A titulação deve vir acompanhada de políticas públicas para que as comunidades produzam mais e melhor, fazendo parte de questões como créditos de carbono, por exemplo. Hoje, fazemos esse trabalho por teimosia e recursos próprio”.
Contudo, a líder não sente ainda uma mudança efetiva na pauta no atual mandato do governo Lula. “A gente precisa que no segundo ano de atuação o governo faça isso. A gente entende que o primeiro ano é de arrumar a casa, mas os assassinatos de lideranças quilombolas não espera. Não podemos perder mais vidas como dona Bernadete Pacífico, executada com 22 tiros na Bahia, em agosto, ou seu Doka, assassinado no Maranhão, em outubro. A execução de quem denuncia desmatamento e grilagem não espera”.
Entre as demandas dos representantes há ainda a inclusão da palavra ‘quilombolas’ nos documentos oficiais do brasil para a UNFCC, a parte da ONU que organiza a COP. “O documento oficial do estado brasileiro não cita quilombos, o documento não cita o decreto 4887 e não cita o artigo 68 da constituição federal. Precisamos que que o estado brasileiro oficialize a mudança e pare de invisibilizar os quilombolas”, diz. Chegando ao Brasil, a Conaq pretende enviar uma cartão ao Itamaraty e alguns ministérios para oficializar o pedido de inclusão.
Esta é a segunda participação direta de Selma na COP – na 26ª, em Glasgow, ela não esteve presente, mas foi responsável pela logística de um grupo de quatro pessoas. Já no ano passado, em Sharm el-Sheik ela estava entre o grupo de dez pessoas.
“Ainda somos em poucos diante da demanda e da dinâmica da pauta. Esperamos que no Pará, na COP 30, em 2025, sejamos em mais pessoas”, diz. Selma ressalta ainda como a distância e a falta de financiamento dos quilombolas dificulta a presença.
“Primeiramente, não tenho conhecimento de uma entidade negra que faça a emissão das credenciais do evento; a segunda questão é o custo de deslocamento, hospedagem e alimentação. Não temos como cada um de nós pagar uma passagem de 10.000 reais, por exemplo. Além disto, parece que as COPs estão acontecendo em lugares mais distantes e caros para a realidade do Brasil. Assim, não é possível garantir a participação massiva das populações quilombolas”. Com o objetivo de garantir maior participação em Belém, a Cúpula dos Povos foi lançada. “Esperamos assim conseguir presença em espaços oficiais e de decisão”.
O idioma também é um desafio, “Para além de marcar esses espaços de decisão onde os corpos pretos não entram, ainda há a dificuldade de debater de igual para igual quando não falamos o inglês”. Para promover a ida do grupo, ao menos em alguns dias da COP, organizações do terceiro setor, como Oxfam e Central da Agricultura Alternativa, destinaram recursos financeiros.