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Biologia sintética: o futuro manipulado

A Biologia Sintética busca criar novos sistemas biológicos para desenvolver funções em organismos vivos de forma artificial, utilizando conhecimentos de engenharia e computação avançada; o campo tem implicações em várias indústrias, desde a produção de biocombustíveis até a medicina personalizada

Laboratório de pesquisa científica (Erik Isacson/Getty Images/Getty Images)

Laboratório de pesquisa científica (Erik Isacson/Getty Images/Getty Images)

Publicado em 19 de janeiro de 2024 às 09h00.

Por Ana Alturria*

A Biologia Sintética é uma área da biologia que combina conhecimentos da engenharia e dos estudos moleculares para construir, redesenhar e até identificar sistemas biológicos com auxílio de modelos computacionais. Diferentemente das abordagens tradicionais da Biologia, que exploram organismos existentes para entender suas funções, a Biologia Sintética busca criar novos sistemas biológicos com o propósito de desenvolver funções em organismos vivos de forma artificial (sintética), utilizando conhecimentos de engenharia e computação avançada.

Ou seja, é possível utilizar softwares de computadores e reagentes químicos de laboratório para desenhar organismos e criar novos produtos. Esse campo tem implicações profundas em várias indústrias, desde a produção de biocombustíveis até a medicina personalizada.

Por exemplo, através dessa tecnologia, é possível identificar partes básicas para a construção de células e realizá-las com novas funções além das originais. A partir de 2009, popularizou-se entre os pesquisadores, uma definição precisa: a Biologia Sintética é a engenharia genética, porém, digital e padronizada (Rabinow e Bennett, 2009).

Isso porque os cientistas utilizam e modificam técnicas de outras áreas biológicas, tais como a engenharia genética, que consiste na manipulação dos genes de um determinado organismo com objetivo de aprimorar ou reestruturar o genoma de determinada espécie, para transformar microrganismos naturais em microrganismos sintéticos de modo sistemático.

Apesar de ser uma área recente, já há registro de um Nobel em outubro de 2020. A Dra. Jennifer Doudna e a Dra. Emmanuelle Charpentier, foram laureadas pelo desenvolvimento de uma técnica de edição de genes chamada CRISPR/Cas9 (Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas em associação com a nuclease Cas9).

O artigo publicado em 2012, anunciou ao mundo a descoberta do CRISPR/Cas9, um mecanismo presente no sistema imunológico de bactérias e que poderia ser utilizado para editar o DNA humano in vitro. A partir disso, indústrias e laboratórios começaram pesquisas e experimentos e a ciência nunca mais foi a mesma.

Essa técnica tem sido comentada, admirada e estudada por todo o mundo e, de fato, a descoberta desse mecanismo para o universo científico trouxe inúmeras inovações. Uma delas direcionada a pesquisas medicinais, por ser um método de manipulação simples e preciso. Muito além de uma ferramenta de pesquisa, o CRISPR/Cas9 é uma esperança para muitas doenças genéticas finalmente terem um tratamento.

O CRISPR/Cas9 é o nome de uma técnica capaz de modificar, criar, excluir ou acrescentar sequências de DNA localizadas em qualquer região do genoma (sequência completa de DNA). O sistema CRISPR/Cas9 consiste em duas moléculas: uma enzima que atua como um par de tesouras, podendo cortar as duas fitas do DNA em um local específico no genoma (Cas9) e um pequeno pedaço de sequência de RNA, com cerca de vinte bases de comprimento, localizada dentro de uma estrutura de RNA mais longa (RNA guia ou gRNA).

Identificando previamente a sequência no DNA que se quer modificar (por exemplo, uma mutação que causa uma doença), o gRNA é criado para se ligar a essa região específica. O gRNA leva a Cas9 até essa sequência complementar, que é então cortada.

Logo, o sistema de reparo de DNA, passa a substituir a sequência que foi removida. Essa descoberta revolucionou a engenharia genética, trouxe esperança para o tratamento e cura de muitas doenças e mostrou ao mundo a indispensável parceria entre a Engenharia e a Biologia.

De acordo com as informações inseridas até agora, a Biologia Sintética parece se assemelhar a Biologia Molecular e Celular. Porém, a distinção se manifesta a partir de como essas áreas utilizam componentes como enzimas, circuitos genéticos e vias metabólicas.

Esses componentes podem ser aprimorados para cumprir uma função específica de interesse. Por exemplo, em 2010, o cientista John Craig Venter criou o primeiro organismo vivo controlado por um genoma sintético (uma sequência de DNA que possui todas as informações hereditárias daquele organismo criado em laboratório), a bactéria Mycoplasma mycoides JCVI-syn1.0.

Fazendo uso de dados digitais, ele imprimiu um DNA e inseriu em uma bactéria Mycoplasma mycoides JCVI-syn1.0, criando uma Mycoplasma mycoides totalmente artificial. Outro fato curioso é que através da Biologia Sintética, é possível armazenar informações em um DNA sintético.

O Prof. Reinhard Heckel, da Universidade Técnica de Munique (TUM), e seu colega Prof. Robert Grass, da ETH Zürich, desenvolveram um método que permite o armazenamento estável de grandes quantidades de dados de DNA por mais de mil anos. A pesquisa, divulgada em Inglês pelos cientistas, explica a relação entre o armazenamento do DNA e como isso pode ser feito através da computação.

Utilizando aulas de genética ministradas durante o Ensino Médio, é possível relembrar o conceito do DNA. O Ácido Desoxirribonucleico (DNA) é uma extensa fita de material genético que armazena todas as informações genéticas dos seres vivos através de códigos. Esses códigos são formados através de uma sequência de nucleotídeos.

Cada nucleotídeo é composto por um grupo fosfato, uma molécula de desoxirribose (açúcar) e uma base nitrogenada, sendo adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G) as quatro bases possíveis. A informação é codificada na sequência dessas bases, seguindo regras de pareamento específicas: adenina se emparelha com timina e citosina se emparelha com guanina.

De forma semelhante, um computador executa a mesma função através de um código chamado “binário”. Em sequências de 0 e 1, as informações são codificadas, armazenadas e depois passam por um processo de leitura, para que seja possível compreender os símbolos presentes na tela. Porém, nesse sistema as informações são armazenadas em discos rígidos, que tem baixa durabilidade e onde as informações ocupam mais espaço, dificultando sua manutenção.

A partir disso, a pesquisa foi desenvolvida, conquistando o impressionante resultado: a possibilidade de armazenar informações por mil anos. O Software chamado de Adaptive DNA Storage Codex (ADS Codex) foi o responsável por traduzir as sequências formadas pelas quatro bases de DNA, em código binário, para que os computadores sejam capazes de ler as informações, e vice-versa, indicando como os códigos binários podem ser transcritos em sequências de quatro letras. As fitas de DNA são preparadas pelos próprios pesquisadores, formando as sequências de bases A, G, T, C desejadas com os dados a serem armazenados. Essas informações passarão por um processo de gravação e depois de leitura.

Porém, para que essa tecnologia seja completamente viável, os cientistas devem enfrentar algumas questões. O tempo para criação das fitas de DNA e processo de leitura ainda são muito demorados. Para escrever um único arquivo de informações, levaria anos. A ocorrência de erros durante a gravação dos dados também é um impasse. Ao contrário da forma convencional (utilizando discos rígidos), em que é possível verificar onde o erro ocorreu e corrigi-lo de forma rápida e simples, no sequenciamento de DNA o processo é mais difícil pois a localização exata de onde ocorreu o erro é mais trabalhosa de ser identificada.

Apesar de seu potencial inovador, a Biologia Sintética também enfrenta questões de segurança. Pela capacidade de criar organismos com características desejadas, levanta-se questões sobre o uso responsável dessa tecnologia. Uma delas é a liberação acidental de microrganismos sintéticos no ambiente natural, exigindo a implementação de rigorosos protocolos de biossegurança. Além de que, se não manipulados com responsabilidade, esses organismos podem agir de forma inesperada na natureza, causando desordem no ecossistema.

Ainda assim, são notórias as imensas contribuições que esse campo forneceu para a ciência. Na indústria bioenergética, por exemplo, os principais estudos têm relação com a possibilidade de desenvolvimento do combustível regenerativo (um tipo de combustível que pode ser produzido ou regenerado de maneira sustentável).

Neste processo, utiliza-se eletricidade para decompor água em Hidrogênio e Oxigênio e obter energia constante. Os estudos também incluem novos tipos de biocombustíveis de segunda geração, mais limpos e à base de cana-de-açúcar, por meio da fotossíntese induzida artificialmente, evitando-se a competição com plantas cultivadas para fins alimentares.

Para a indústria agrícola, a Biologia Sintética contribui para a produção de novos aditivos alimentares e para a melhoria dos alimentos. “Os alimentos provenientes da biologia sintética serão nutricionalmente mais ricos, com vida útil mais longa e desprovidos de ingredientes nocivos, como alérgenos para populações suscetíveis”, declara Daniela Bittencourt, pesquisadora no Laboratório de Biologia Sintética da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Para a indústria química, essa área colabora para a produção em larga escala de compostos e produtos químicos, incluindo novos tipos de fibras, plásticos, tintas e adesivos. No que tange a indústria tecnológica, por sua vez, impulsiona-se a fabricação de componentes eletroeletrônicos, tais como, circuitos integrados, baterias renováveis e microprocessadores.

Agora, para a indústria farmacêutica, a ciência avança para a criação de novos medicamentos e novos métodos terapêuticos por meio da engenharia metabólica, que consiste na manipulação do metabolismo de organismos para otimizar processos genéticos e regulatórios em células (ex: produção de novos fármacos sintéticos; combate a infecções; tratamento do câncer; desenvolvimento de novas vacinas etc.).

A Biologia Sintética está transformando fundamentalmente a forma como compreendemos e interagimos com a vida. As técnicas de edição de genes, como CRISPR-Cas9, estão impulsionando avanços significativos. À medida que a pesquisa avança, é crucial equilibrar a inovação com considerações éticas e garantir que os benefícios dessa tecnologia sejam aproveitados de maneira responsável. O futuro deste recente campo de estudo está cheio de promessas, oferecendo soluções criativas para desafios globais e redesenhando o próprio tecido da vida.

Fontes:
https://www.nature.com/articles/s41467-020-19148-3 https://nav.dasa.com.br/blog/biologia-sintetica

CRISPR/Cas9: edição do DNA e o tratamento de doenças


https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/43928281/Revista_da_Biologia-libre.pdf?1458503278=&respo nse-content-disposition=inline%3B+filename%3DBiologia_Sintetica_possibilidades_e_desa.pdf&Ex pires=1705534062&Signature=HVjJwfef7SBa706wC5E7xNyO0VcvtrqFAaxvAYDSPZSkFLkSSIao KFgo0NH4RJjVH2liex7e2Tu2mA~mdwNV4t2~xFPCTXFAgzNB8m85cRRgPL~~uK32OKnIGv9v1 TfTJas14oW7iCdZkPfYmOgxf8CUZwJt14NgFxcFbiyl96UHLwya9L02Gjid1SBXimIubpo1TYJTTs GOnZxaiscKcn3RXSSjPw2hFQB6MDzTDwLeOq95RINrbQYzk-Sl25pqAxzXXxHm0oMRPe9OKb QU9BcV-8OVWItheR0KuwrmyjAdJZni1IWsh4Zu7IbUm~XzmBsMbm7Sl6LVsbG5i7apXQ &Ke y-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA

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