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Marina Silva: retomada do controle do desmatamento e reindustrialização a partir do meio ambiente (Leandro Fonseca/Exame)
Editor ESG
Publicado em 5 de janeiro de 2023 às 08h27.
Última atualização em 27 de fevereiro de 2024 às 15h44.
A primeira medida de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi retomar o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, conhecido como PPCDAm. É uma boa medida. Como afirma Talita Assis, cientista climática do Amazônia em Exame, trata-se do mais abrangente plano de preservação florestal do mundo, criado durante a primeira gestão de Marina na pasta (2003-2008), considerado revolucionário para a época e atual nos dias de hoje.
No governo Bolsonaro, o PPCDAm, se não foi totalmente revogado, acabou colocado em modo de hibernação. Um erro crasso, de um governo que avaliou mal o cenário e acreditou que a economia pós-Acordo de Paris segue a mesma lógica dos tempos do “milagre econômico”. O desmonte das estruturas de fiscalização e controle do desmatamento prejudicou a imagem do Brasil, impediu a chegada de investimentos e dificultou a vida do agronegócio nacional, a maior base eleitoral do ex-presidente.
Ao reeditar o plano, Marina indica que a era do desmonte acabou, e que o bom controle do desmatamento verificado na sua gestão anterior voltará. Paradoxalmente, essa volta a um passado glorioso traz para o governo Lula o risco de repetir o erro de avaliação do governo Bolsonaro. A economia de hoje não é igual à de 2003.
O empresário e liderança do agronegócio Marcello Brito, CEO da CBKK, empresa que financia projetos sustentáveis, em recente podcast do Insper (que teve a participação da EXAME), contou sua experiência ao tentar unir as palavras “agro” e “ambiental” nos idos do início do milênio. “Eu disse ao meu pai que me tornaria um empresário agroambiental. Ele me chamou de maluco e avisou que não daria certo”, relatou Brito. “De fato, eu irritei todo mundo.”
Seu ponto é que essa “briga”, que já não fazia sentido na época para mentes mais aguçadas, hoje prejudica ambos os lados. Agro é meio ambiente, e vice-versa. Um país que se propõe a alimentar o mundo não pode virar as costas para os impactos das mudanças climáticas; e pensar em preservação ambiental sem incluir as pessoas e as empresas do campo é a maneira mais eficiente de gerar impacto zero.
Há de se considerar as inúmeras mudanças que aconteceram desde 2003. A moratória da soja, pacto industrial que veta a compra da commodity de áreas desmatadas na Amazônia, é de 2006. O Acordo de Paris, instrumento pelo qual quase todos os países do mundo se comprometem a combater as mudanças climáticas, foi assinado em 2015. E desde 2020, pelo menos, boa parte dos grandes investidores incorporou critérios ambientais, sociais e de governança, reunidos na sigla ESG, em suas estratégias.
Nada disso existia quando Marina assumiu o MMA pela primeira vez. Outra mudança importante diz respeito ao perfil do desmatamento. Atualmente, mais de 90% da destruição da floresta é absolutamente ilegal. As empresas e os empresários do agronegócio, a bem da verdade, estão mais preocupados em aumentar a eficiência de suas operações com tecnologia do que em abrir novos campos. Cabe aos grileiros e aos garimpeiros ilegais o papel de vilões nessa história.
Além desse novo cenário, outros setores da economia passaram a dar mais atenção ao meio ambiente em função da ascensão do ESG. A indústria de papel e celulose se tornou um dos grandes exemplos da economia agroambiental, muito influenciada por gigantes como Klabin e Suzano. O setor de energia passa por uma revolução em função da transição para as fontes renováveis. E até a mineração está embarcando nessa tendência, como se vê no ambicioso projeto da Sigma Lithium, que está construindo na Zona da Mata mineira a primeira grande operação de mineração sustentável de lítio do mundo – minério que, por sinal, é fundamental para a eletrificação da indústria automotiva, outra tendência de mercado patrocinada pela consciência ambiental.
Marina parece compreender esse novo cenário. Em entrevista à EXAME durante a COP27, conferência do clima da ONU realizada no Egito em novembro passado, ela fez referências a economistas como Luiz Carlos Mendonça de Barros para explicar sua linha de pensamento.
“Podemos fazer um processo de reindustrialização centrado nas metas do Acordo de Paris, fazer uma transição para uma agricultura de baixo carbono, ter uma matriz elétrica limpa e segura, inclusive, para produzir hidrogênio, e podemos ser um enorme lastro para novos parques industriais de produção de carros elétricos”, explicou. “Eu vejo um Brasil fenecendo, mas também vejo um país florescendo, associado a esse novo ciclo de prosperidade.”
Caso siga por essa linha, a ministra do Meio Ambiente que mais reduziu o desmatamento na história não apenas agradará ao mercado, mas terá apoio das empresas e dos investidores. Pensar em retomar um passado glorioso pode ser tentador, mas a história ensina que, raramente, isso é uma boa ideia. É como diz aquele velho ditado chinês: nunca volte a um lugar que você foi feliz um dia.