Economia

Equilíbrio tênue: reoneração dos combustíveis afeta inflação e juros, mas melhora fiscal

Volta dos impostos federais sobre combustíveis são vistos como vitória da Fazenda no âmbito fiscal, ao mesmo tempo em que pressionarão inflação

Haddad: reoneração de combustíveis como a gasolina é vista como vitória da Fazenda (Washington Costa/MF/Flickr)

Haddad: reoneração de combustíveis como a gasolina é vista como vitória da Fazenda (Washington Costa/MF/Flickr)

Carolina Riveira
Carolina Riveira

Repórter de Economia e Mundo

Publicado em 28 de fevereiro de 2023 às 16h37.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2023 às 18h34.

Rose is a rose is a rose is a rose — disse o novelista americano Gertrude Stein, em um jogo de palavras que entrou para a história interpretado como um lembrete de que as coisas "são como são".

No Brasil, o Planalto se desdobra para lidar com as "coisas como elas são": a desoneração dos impostos federais sobre combustíveis vence nesta terça-feira, 28, e um paradoxo se avizinha. A reoneração que virá pressiona a inflação e pode dificultar a trajetória de juros; mas melhora o fiscal e confere credibilidade à Fazenda, o que pode exatamente ajudar na trajetória dos juros.

No auge do preço do petróleo e efeitos da guerra na Ucrânia em 2022, zerar os tributos federais sobre quase todos os combustíveis (mesmo os impopulares, como a gasolina) de fato ajudou a conter a inflação. No primeiro semestre, o IPCA chegou perto de 10%. No fim do ano, puxado pela desoneração dos combustíveis — e uma queda internacional do petróleo após os piores picos — o índice terminou em 5,79%.

O IPCA, assim, seguiu acima teto da meta, mas muito melhor do que no início do ano. O Brasil teve inflação menor que a dos EUA, um cenário incomum.

Estava claro, desde lá, que os meses consecutivos de deflação eram artificiais, como a EXAME mostrou em agosto passado. A desoneração incluiu não só tributos federais, que custam R$ 26 bilhões ao ano, mas uma gorda fatia do ICMS dos estados, ao custo de R$ 124 bilhões, segundo projeção das secretarias estaduais.

A conta teria de chegar um dia. A partir de agora, se só as alíquotas federais voltassem exatamente como eram a partir de 1º de março, o economista André Braz, do Ibre/FGV, estimou que o impacto da gasolina na inflação seria de 0,75 ponto percentual no índice cheio. A Abicom, associação de importadores de combustíveis, projeta que a alta seria de R$ 0,69 no litro de gasolina e de R$ 0,24 no litro de etanol hidratado, segundo afirmou à EXAME o presidente Sérgio Araújo.

Os impostos serão implementados de forma gradual, de modo que os números devem mudar na prática. Mas a Fazenda adiantou que haverá aplicação dos tributos de tal forma a garantir arrecadação em torno de R$ 28,8 bilhões. Até o fechamento desta reportagem, faltava o anúncio oficial de como as alíquotas serão alocadas: a promessa é que combustíveis fósseis serão mais onerados do que biocombustíveis, uma demanda do setor de etanol e com impacto na frente ambiental.

Já o diesel é outra história: embora seja fóssil, tem impacto direto no preço da logística e do transporte público. O diesel e o GLP, usado no gás de cozinha, já vinham com impostos federais desonerados mesmo antes de 2022.

Ainda assim, mesmo a criticada desoneração da gasolina teve sua finalidade. Primeiro, os efeitos na imagem do governo de plantão (primeiro Bolsonaro, depois Lula) com as classes médias e parte da classe C, um grupo influente e barulhento para qualquer governante — metade dos domicílios brasileiros têm um carro, diz o IBGE. E, além disso, o fato de que a gasolina tem peso alto no IPCA, o que afeta com o tempo reajustes de preço e o cumprimento das metas de inflação e juros.

"A gasolina tem um peso muito grande no IPCA, então, acaba sendo importante para a meta de inflação", diz Braz. "Mas não é tão importante para os mais pobres, porque normalmente famílias de baixa renda não têm carro. O combustível que impacta os mais pobres é o diesel, porque tem movimento de frete e ônibus urbano."

Pelos riscos combinados entre popularidade e inflação, o governo recém-empossado preferiu adiar essa decisão. O presidente Lula assinou logo no primeiro dia de mandato uma MP que prorrogou a desoneração por dois meses. Prorrogar novamente a medida agora faria com que a Fazenda corresse o risco de não conseguir cumprir o objetivo de reduzir o déficit de mais de 2% do PIB para a casa do 1%, conforme plano fiscal apresentado pelo ministro Fernando Haddad em janeiro.

"A manutenção da arrecadação de R$ 28 bilhões seria uma vitória do ministro Haddad. Do lado fiscal, é positivo", disse Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), em morning call nesta terça-feira.

Dentre os agentes do mercado, porém, também há a preocupação com o "fogo amigo" sofrido pela Fazenda nos últimos dias. “Encontrar resistência dentro da própria base do partido é ruim, e deixa o mercado desconfortável”, disse Gabriel Meira, da Valor Investimentos.

Inflação e juros no radar

Tudo isso impactará a trajetória da taxa de juros, que colocou em embate o Planalto e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, neste início de mandato. Desde a eleição, em novembro, a projeção do mercado no Boletim Focus para a Selic em 2023 subiu de 11,25% para 12,50%. O Banco Central ainda não iniciou sua trajetória de queda em relação à Selic atual, em 13,75% — a contragosto do governo.

Um fiscal mais saudável — e, principalmente, um Ministério da Fazenda prestigiado e que faz o que diz que fará — pode lançar as bases para o fim do aperto monetário. Do outro lado, as pressões que virão da inflação serão risco.

O que ocorrerá com a reoneração dos combustíveis também afeta o debate sobre aumentar as metas de inflação, um desejo que o Planalto não esconde. Uma mudança na meta, descumprida nos últimos dois anos, chegou a ser defendida por gestores de peso dos mercados neste mês. “Ficamos dizendo que nos EUA a inflação será de 3% ou 3,5%, que será 3% na Europa e no Brasil também será 3%? Sejamos sinceros”, afirmou na ocasião Rogério Xavier, fundador da SPX Capital. Atualmente, a meta do Brasil para 2023 é de IPCA em 3,25% (com tolerância de 1,5 ponto percentual) e de 3% para 2024.

No plano traçado pelo Planalto nos últimos dias, houve ainda papel central da Petrobras, que anunciou redução de R$ 0,13 no preço da gasolina em suas refinarias e R$ 0,08 no diesel. O movimento pode ser feito dentro da política de paridade (PPI) devido aos preços menores no mercado internacional.

Passado esse corte, porém, há pouco espaço para novas quedas significativas no preço. A consultoria S&P projetou, em entrevista à EXAME, barril Brent entre US$ 75 e 95 em 2023 (no momento, o preço já está na casa dos 80 dólares).

E mesmo que amenize a volta dos tributos federais com alíquotas diluídas e ação da Petrobras, o governo seguirá tendo de encarar o debate da alíquota do ICMS estadual, cujo rombo gerado está ainda em negociação com os estados. A alíquota de ICMS que existia no início de 2022, se voltasse a ser aplicada, geraria efeito igual ou maior que os tributos federais no litro de gasolina.

Poucos acreditam que gastar quase R$ 26 bilhões só no governo federal em subsídio a combustíveis fósseis é uma boa ideia em um país com déficit fiscal e tamanha carência de outras políticas públicas. O problema para o governo é que, se a inflação voltar a subir e o preço alto nos postos virar munição para a oposição, os impactos serão um golpe duro tanto na popularidade de Lula quanto nas discussões sobre a meta de inflação e taxa de juros. É um equilíbrio difícil — mas as coisas são como são, diria Stein.


(Com informações de Beatriz Quesada e Guilherme Guilherme)

Acompanhe tudo sobre:Banco CentralEtanolGasolinaJurosÓleo diesel

Mais de Economia

Pix por aproximação estará disponível em carteira digital do Google semana que vem, diz Campos Neto

Com expectativa sobre corte de gastos, Lula se reúne com Haddad e Galípolo

Haddad afirma que não há data para anúncio de corte de gastos e que decisão é de Lula