TRANSPORTE: as cidades de Kansas City, no Missouri, e Olympia, em Washington, declararam que seus ônibus estariam livres de passagens este ano. / (Greta Rybus/The New York Times) (Greta Rybus/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 29 de janeiro de 2020 às 13h06.
Última atualização em 29 de janeiro de 2020 às 13h06.
Lawrence, Massachusetts – Dionisia Ramos pega o ônibus 37 duas vezes por dia e sempre procura trocados na bolsa para pagar a passagem. Então, há alguns meses, tomou um susto quando o motorista do ônibus estendeu a mão para impedi-la. “Não precisa pagar. É grátis nos próximos dois anos”, disse ele.
Ramos nunca tinha ouvido falar de algo assim: alguém estava pagando sua passagem de ônibus? Aos 55 anos, ela vive com o seguro-desemprego de US$ 235. Portanto, economizar US$ 2,40 para a viagem de ida e volta à faculdade comunitária era algo importante.
Desde que um programa piloto começou em setembro, o uso dos ônibus cresceu 24 por cento, e a única crítica que Ramos faz sobre o experimento da cidade é que ele não é permanente. “O transporte deve ser gratuito. É uma necessidade básica. Não é um luxo”, afirmou ela.
Hoje, esse argumento vem surgindo em muitos lugares, quando autoridades municipais buscam ideias para combater a desigualdade e reduzir as emissões de carbono. Alguns consideram o transporte um bem público, mais como o policiamento e menos como estradas pedagiadas.
Recentemente, o conselho da cidade de Worcester, segunda maior cidade de Massachusetts, expressou forte apoio à isenção de tarifas para seus ônibus, uma atitude que custaria entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões por ano em renda perdida. E o transporte sem cobrança é a mais veemente recomendação política de Michelle Wu, membro do Conselho da Cidade de Boston, que poderá concorrer à prefeitura em 2021.
Experiências maiores estão em andamento em outras partes do país. As cidades de Kansas City, no Missouri, e Olympia, em Washington, declararam que seus ônibus estariam livres de passagens este ano.
O argumento contra o transporte gratuito é simples: quem vai pagar por isso?
Nas comunidades onde o número de usuários de transporte público vem caindo, o custo pode ser menor do que o esperado.
O prefeito Daniel Rivera, de Lawrence, intrigado depois de ouvir sua colega Wu falar sobre o transporte gratuito, perguntou à sua autoridade regional de trânsito quanto havia sido arrecadado nas três das linhas de ônibus mais usadas da cidade. A resposta foi uma quantia tão pequena – US$ 225 mil – que ele poderia obter o dinheiro das reservas de caixa excedentes da cidade.
“Gosto do fato de ser factível, de ser simples. Já estamos subsidiando esse meio de transporte, por isso o último passo é fácil. Não é um serviço pelo qual as pessoas precisam pagar; é um bem público”, disse Rivera.
Cerca de cem cidades do mundo oferecem transporte público gratuito, a grande maioria delas na Europa, especialmente na França e na Polônia.
Vários experimentos nos Estados Unidos nas últimas décadas, incluindo as cidades de Denver e Austin, foram vistos como malsucedidos, porque havia poucas evidências de que retirassem carros das ruas; novos usuários eram em geral pessoas pobres que não possuíam carros, de acordo com uma revisão de 2012 da National Academies Press.
Mas, em outro sentido, foram bem-sucedidos: o uso cresceu imediatamente, com aumentos entre 20 por cento e 60 por cento nos primeiros meses. Essa estatística explica o renascimento da ideia entre uma nova onda de progressistas urbanos, que veem o trânsito como um fator-chave na desigualdade social e racial.
“Pense em quem está usando nossos ônibus: são os negros, pessoas que vivem em comunidades onde há concentrações de pobreza profundas”, disse Kim Janey, que foi empossada recentemente como presidente do Conselho Municipal de Boston e propôs renunciar às tarifas em uma rota importante que passa por alguns dos bairros de baixa renda da cidade.
“Sei como é ficar no ônibus lotado para não me atrasar para o trabalho. Quando digo que mais representação importa, é por isso que importa. Traremos novas ideias como a passagem de ônibus gratuita”, disse ela.
A ideia também atrai moderados em lugares como Worcester, a segunda maior cidade do estado, que está lutando para convencer os moradores a usar seus ônibus. O número de passageiros caiu 23 por cento desde 2016, e os ônibus funcionam meio vazios, de acordo com um relatório divulgado em maio passado pelo Worcester Research Bureau, grupo político apartidário.
Em uma reunião recente do conselho da cidade, um grupo de cidadãos se reuniu para expressar apoio a uma proposta para tornar os ônibus de Worcester gratuitos por três anos, como um programa piloto. A receita das passagens é tão baixa, e o custo de coletá-las, tão alto, que poderia ser substituída pelo investimento de US$ 2 milhões a US$ 3 milhões por ano.
“Quando ouvi a notícia, exclamei: ‘Essa é uma boa ideia!'”, contou Howard Fain, professor de escola pública que disse que frequentemente via pessoas lutando para conseguir achar moedas no ônibus 7.
“Até quem pode pagar pelo jantar adora um bufê grátis. Abra um bar gratuito e veja o que acontece. Podemos atrair pessoas para o transporte público porque elas gostam do que é de graça”, disse ele.
Em Boston, a ideia esbarrou na resistência de autoridades que dizem que o custo seria exorbitante. “Temos de ter essa conversa. Lançar ideias é fácil. Mas, quando isso acontece, é preciso que haja um cálculo de custo para apoiá-las. E isso vai ser o mais importante nessa questão”, disse o prefeito Marty Walsh, que foi pressionado a ter um posicionamento em uma entrevista à WGBH, uma estação de rádio pública de Boston.
Brian Kane, vice-diretor do conselho consultivo do MBTA, que supervisiona os gastos com o sistema de transporte público de Boston, disse que as tarifas de ônibus da cidade arrecadaram US$ 109 milhões em 2019 e US$ 117 milhões em 2018.
“Não existe isso de ser de graça. Alguém tem de pagar. Boston tem os motoristas de ônibus mais bem pagos do país. Eles não vão trabalhar de graça. O pessoal da manutenção não vai trabalhar de graça”, afirmou Kane. Defensores do transporte gratuito sugeriram que o custo poderia ser compensado por um aumento do imposto sobre o combustível; mas substituir US$ 109 milhões significaria aumentar o imposto sobre a gasolina em 3,5 centavos, disse Kane. E enquanto isso, segundo ele, o sistema está se esforçando para lidar com as demandas atuais. “Odeio ser o cara que diz o que ninguém quer ouvir. Mas é aí que estamos.”
Os defensores da ideia argumentam que os números de Kane estão inflados e que o verdadeiro custo de substituição estaria mais próximo dos US$ 36 milhões. Essa lacuna, dizem eles, pode ser coberta por um aumento de 2 centavos no imposto sobre o combustível.
“É aí que algo controverso ou impossível há alguns anos acaba parecendo possível”, disse Stacy Thompson, diretora executiva do LivableStreets Alliance, um grupo de pesquisa de transporte.
O conselho editorial do “The Boston Globe”, que recentemente endossou a ideia de tornar os ônibus de Boston gratuitos, sugeriu que o custo poderia ser coberto pela filantropia.
Scott MacLaughlin, vendedor de passagens da Merrimack Valley Transit Authority, que serve Lawrence, já está preocupado com o que acontecerá quando o experimento de dois anos de Rivera de transporte gratuito terminar, em 2021. “Você vai eliminá-lo depois de dois anos? Quando você dá algo de graça e depois tira, pode ser um problema”, questionou ele.
E isso, disse Rivera com um sorriso, era exatamente o ponto. “Para mim, não é um piloto. Quero que as pessoas se acostumem com isso”, afirmou ele.