O que você deveria aprender sobre saúde mental após 1 ano de pandemia
Saúde mental está na moda? Não. Segundo Sofia Esteves, o aprendizado e cuidado com o tema deve se manter na pauta pessoal e das empresas
Publicado em 22 de março de 2021 às, 16h51.
Há pouco mais de um ano, a Exame publicou uma capa sobre burnout. Ao longo de 2020, falamos muito sobre saúde mental. Em dezembro daquele ano, eu mesma escrevi um artigo sobre o que considero ser a verdadeira pandemia silenciosa — que, na minha opinião, tem origem em duas ilusões, sendo uma delas a de que somos capazes de trabalhar incansavelmente. Ou seja, o tema esteve no centro do debate em 2020. Isso quer dizer, então, que o trabalho de conscientização terminou, que a página foi virada e que, agora, o foco é outro? Não. Falar sobre saúde mental não é tendência ou, pelo menos, não deveria ser.
Falamos tanto sobre o assunto nos últimos tempos porque, infelizmente, o número de pessoas adoecendo só crescia. Você com certeza deve ter esbarrado em estatísticas como a do Conselho Federal de Farmácias que mostrou que a venda de antidepressivos cresceu 17% durante a pandemia no Brasil. Ou como a da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 2020, apontou o nosso país como o mais ansioso do mundo e o segundo no ranking global de diagnósticos de depressão.
Parece que tudo isso “surgiu” no ano passado, no entanto, quadros como os de depressão, de ansiedade, de insônia e tantos outros não são exatamente descobertas recentes da Medicina. Ainda assim, vale ressaltar quanto tempo levou para os casos de saúde mental serem reconhecidos como doença — o primeiro Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) surgiu apenas em 1952. Antes disso, os sintomas eram associados a mitos e superstições.
Bem, mas se entre 1952 e 2020 tem um par de anos, não dá para considerar o debate sobre saúde mental a maior novidade dos últimos tempos, certo? De fato, não é. O que é novo por aqui é o volume de conversas sobre isso.
Essa frequência, eu entendo, pode cansar. Você, quem sabe, pode até ter se deparado com este título, revirado os olhos e pensado: “mais um conteúdo sobre isso”. Pois é, mais um.
Só que este não é mais um conteúdo para falar sobre a importância do tema nos últimos tempos, mas, sim, para lembrar que, independentemente da pandemia, da crise, das mudanças, da idade, do gênero e de qualquer outro fator que você queira incluir na lista, olhar para a sua própria saúde mental e para a dos outros — principalmente se você ocupa um cargo de liderança — deveria se tornar um hábito. Não se trata de uma “moda” do momento, mas de algo que deveria ser incorporado na rotina.
Naturalmente, no mundo corporativo, nós falamos em tendências, em novidades. Sei disso. Entendo que, em determinadas épocas, olhamos mais para um tema do que para outro, investimos mais em alguns processos e áreas. Os recursos são limitados, logo, precisamos fazer escolhas. Porém, o meu pedido hoje é que você não descarte essa pauta da sua agenda, nem profissional nem pessoal, mas que você parta daqui pra frente.
Se você já falou sobre esse assunto na sua organização, qual pode ser o próximo passo? Se você, como líder, já se conscientizou sobre a sua vulnerabilidade e entendeu que precisa cuidar da sua saúde mental, como está ajudando a sua equipe a fazer o mesmo? Em que ponto você e a sua empresa estão e em qual direção ambos poderiam andar visando esse cuidado constante?
Reforço essa mensagem justamente por um episódio que vivi há alguns anos. Foi em 2016, quando passei por uma experiência de burnout. Estava no auge da minha carreira, muito feliz, muito produtiva até que, de repente, não mais. Meu corpo começou a dar sinais de que algo não estava bem. Precisei parar, desacelerar e encarar uma situação a qual eu achei que estava imune. Não estava.
Foi um longo período de pausa e de reconexão comigo mesma. Retornei às atividades, mas não voltei a mesma. Não faria sentido. Voltar para os mesmos hábitos seria apenas uma demonstração de que eu simplesmente não sei aprender com as experiências e, pior ainda, que sou incapaz de mudar. E, quem me conhece, sabe que acredito no aprendizado e no desenvolvimento contínuo.
Falar sobre saúde mental em 2020 e abandonar esse projeto em 2021 é como sofrer uma experiência muito ruim e simplesmente não conseguir aprender nada com ela. É achar que as coisas são mero fruto do acaso, que foi um azar ou que não são tão relevantes assim.
A experiência precisa nos ensinar algo, não a ignore. Não deixe que os números assustadores relativos aos adoecimentos de saúde mental fiquem só em uma memória distante. Não quero que eles o assombrem, mas que o estimulem a pensar: qual é o próximo passo? Refletir hoje e sempre sobre os próximos passos nessa agenda é entender que a preocupação com a saúde mental não deve ser tendência, mas hábito.