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O Obamacare contra os zumbis do Partido Republicano

Liderado por Trump, os republicados seguem repetindo que há uma alternativa melhor e mais barata do que o programa do antigo governo

TRUMP: a pandemia de coronavírus voltou a colocar a saúde dos americanos no centro dos debates públicos.  (Tasos Katopodis/File Photo/Reuters)
TRUMP: a pandemia de coronavírus voltou a colocar a saúde dos americanos no centro dos debates públicos. (Tasos Katopodis/File Photo/Reuters)
PK
Paul Krugman

Publicado em 13 de julho de 2020 às, 13h02.

Os casos de covid-19 estão disparando nos Estados que seguiram o conselho do presidente Trump e reabriram cedo demais. Esta nova alta nos Estados Unidos - já dá pra chamar isso de segunda onda? -, na média, vem atingindo as pessoas mais jovens do que o surto inicial no Nordeste do país. Talvez como resultado disso, as infecções em alta ainda não se refletiram em uma alta comparável no número de mortes, embora isso talvez seja questão de tempo.

Existem, porém, cada vez mais indícios de que mesmo aqueles que sobrevivem à covid-19 podem sofrer efeitos negativos no longo prazo: pulmões danificados, corações deteriorados e, possivelmente, distúrbios neurológicos.

E, se o governo Trump conseguir o que buscar, pode haver outra fonte de grande estrago no longo prazo: uma incapacidade crônica de se ter acesso aos serviços de saúde.

Surpreendentemente, o governo reafirmou seu apoio a uma ação que busca revogar a Lei dos Serviços de Saúde Acessíveis, aprovada em 2010, o que, entre outras coisas, eliminaria a cobertura dos americanos com doenças preexistentes. Se a ação passar, com certeza ter tido covid-19 seria uma das doenças preexistentes que tornariam obter acesso aos serviços de saúde uma coisa difícil, talvez até impossível.

Claro que o argumento legal por trás da ação é mais capenga que tudo: O documento afirma que o corte de impostos de 2017 na prática invalidou a lei, ainda que isto não fosse parte dos planos do Congresso. Porém, com uma maioria conservadora na Suprema Corte, ninguém sabe o que vai acontecer. Além disso, o apoio de Trump à ação deixa claro que, se reeleito, ele vai continuar a fazer tudo que estiver ao alcance dele para destruir o chamado Obamacare.

Nada para se preocupar, diz o presidente. Nos tuítes mais recentes Trump tem insistido que bolaria uma alternativa “Muito melhor e muito mais barata” ao Obamacare, ao mesmo tempo em que protegeria americanos com doenças preexistentes.

A questão é que ele vem dizendo que tem uma opção muito melhor que o  Obamacare desde que assumiu o cargo. Os republicanos no Congresso, que votaram para revogar o Obamacare 70 vezes nos governos Obama, têm feito a mesma declaração há mais de uma década.

No entanto, de algum modo a grande alternativa à Lei dos Serviços de Saúde Acessíveis nunca se concretizou. Em 2017, quando o Partido Republicano estava finalmente prestes a revogar a lei - o que só não aconteceu porque o senador republicano John S. McCain mudou de ideia no último minuto -, o plano apresentado à época teria acabado com a cobertura para doenças preexistentes e colocado 23 milhões de americanos nas fileiras dos descobertos.

Em outras palavras, a insistência dos republicanos em dizer que têm uma alternativa superior ao Obamacare é uma mentira-zumbi - uma afirmação que deveria estar morta depois de ser desmentida depois de tantas vezes, mas que continua a se arrastar por aí, devorando os miolos das pessoas.

Mas por que é que os republicanos não conseguem aparecer com uma alternativa melhor? Será só incompetência deles? É possível - mas mesmo que eles soubessem o que estavam fazendo, não poderiam apresentar um plano superior, porque tal plano não é possível. Especialmente porque, a menos que alguém esteja disposto a ir para a esquerda política em vez da direita, adotando o sistema de pagador único, o único jeito de garantir cobertura para os americanos com doenças preexistentes é com um sistema parecido demais com o Obamacare.

A lógica aqui esteve clara desde o começo. Para garantir a cobertura das pessoas com doenças preexistentes, seria preciso proibir os planos médicos de discriminarem com base no histórico médico. Mas isso não é o suficiente: Para atender um grupo de risco decente, é preciso encorajar um número suficiente de pessoas saudáveis a contratar o plano de saúde, de preferência com subsídios e uma multa para quem não tiver convênio. Em outras palavras, seria necessário um sistema que é basicamente o Obamacare.

O corte de impostos de 2017, que acabou com o encargo individual - a multa por não ter plano de saúde - enfraqueceu o sistema; isso é visível no fato de que os Estados que impuseram seus próprios encargos, como Nova Jersey, tiveram uma queda nos prêmios dos planos. Só que o projeto dos subsídios, que isolou a maioria das pessoas de prêmios crescentes, conteve este dano: O percentual de americanos sem plano de saúde, que caiu bastante como resultado do Obamacare, continua próximo de baixas históricas.

Ou seja, há alguma alternativa ao Obamacare? Claro que há. Nós poderíamos voltar a ser um país em que as pessoas com doenças preexistentes e/ou baixa renda não têm acesso aos serviços de saúde, e uma doença ou segue sem tratamento ou provoca a falência de uma grande parcela da população. Isso, em parte, significaria nos tornarmos um país em que os americanos que pegaram covid-19 durante a pandemia ficariam sem acesso a serviços de saúde até o fim das vidas deles.

De fato, nos fazer voltar a ser esse tipo de país é o real objetivo do Partido Republicano, e é o que vai acontecer se o partido conseguir o que quer, seja como um resultado da ação atual ou por meio de leis num segundo governo Trump.

Só que os republicanos não podem admitir que o objetivo deles é esse. A maioria do público apoia a cobertura para americanos com doenças preexistentes, de modo que os políticos de direita têm de fingir que podem oferecer isso ao mesmo tempo em que desmontam as regras e subsídios que tal proteção exige. E eles ainda têm de esperar que os eleitores não se lembrem de que eles vêm prometendo um plano, sem nunca apresentá-lo, há mais de uma década.

Vamos torcer que os eleitores americanos sejam mais espertos do que eles. Me enganar uma vez fica feio pra você. Me enganar mais de 70 vezes fica feio pra mim.