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Epidemiologistas são os olhos do mundo durante a pandemia

A previsão e resposta a pandemias está se tornando um tema politicamente espinhoso

EUA: o país é o epicentro da pandemia global e deve registrar mais de 100 mil mortes.  / | Elijah Nouvelage/Reuters
EUA: o país é o epicentro da pandemia global e deve registrar mais de 100 mil mortes. / | Elijah Nouvelage/Reuters
PK
Paul Krugman

Publicado em 15 de maio de 2020 às, 14h02.

Nos últimos meses, um modelo epidemiológico – o IHME, do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington – vem desempenhando um papel descomunal no debate público sobre a covid-19. (A sigla do modelo vem do nome em inglês da institutição, Institue of Health Metrics and Evaluation.)

Ainda não está bem claro se todo esse papel foi merecido. Entre outras coisas, as previsões do modelo têm se mostrado altamente instáveis, e em alguns casos foram revisadas muito para baixo, e em outros muito para cima. Diversos epidemiologistas criticaram o modelo por considerá-lo simplista. Porém, foi sua simplicidade que permitiu a ele oferecer previsões para cada Estado que outros modelos não conseguiram. E a Casa Branca gostou dele – ou, ao menos, gostou mais do que vários outros modelos, porque em linhas gerais ele previa uma contagem de corpos menor que a de outros modelos concorrentes.

Mas a Casa Branca provavelmente gosta menos do modelo do IHME do que gostava até recentemente: O instituto vem revisando drasticamente sua projeção total de mortes para cima, de 72 mil para 134 mil. Documentos obtidos pelo New York Times sugerem que os modelistas do governo americano também têm revisado fortemente as projeções de óbitos para cima.

São péssimas notícias, e que fazem a tentativa de Trump e muitos outros à direita de aliviar o distanciamento social parecer ainda mais irresponsável do que já se imaginava. Mas também nos diz algo sobre o campo da epidemiologia. Ao que tudo indica, os epidemiologistas em geral discordam, e em alguns casos, bastante. As previsões deles costumam estar erradas, e de fato muito erradas. Eles são, na verdade, as piores pessoas para se confiar em uma crise – com exceção de todas as outras pessoas.

Em outras palavras, eles lembram bastante os economistas.

Em um grande artigo publicado no início da Grande Depressão, o economista britânico John Maynard Keynes lamentou que a economia é um tema técnico e difícil, mas que “ninguém vai acreditar nisso”. Ele não quis dizer que os economistas são uma irmandade religiosa dotada de conhecimento único e arcano, e muito menos que eles estão sempre certos, mas sim que o simples ato de fazer previsões informadas sobre a economia requer pensamento crítico e uma fartura de conhecimento sobre o que as pessoas espertas descobriram nas décadas anteriores.

Conselho profissional: Se você ou alguém que você escuta afirma ter algum conhecimento profundo que todos aqueles professores de economia metidos a besta deixaram passar, é tremendamente provável que este conhecimento seja a)algo que os economistas já sabem há décadas ou talvez até gerações, ou b)uma falácia bastante conhecida.

E, acima de tudo, ninguém deveria confiar em afirmações econômicas de pessoas que misturam ignorância sobre o assunto com desejos com motivações políticas para acreditar em certas coisas.

Pois bem, aqui estamos nós em uma pandemia, um fenômeno complexo que depende tanto de comportamentos humanos quanto da biologia. Assim como as crises financeiras, pandemias distintas compartilham vários traços em comum mas se diferenciam nos detalhes, em maneiras que podem criar grandes incertezas. Ninguém pode prever particularmente bem sua trajetória, mas é muito melhor ouvir os epidemiologistas profissionais do que os professores de direito, os políticos ou, exatamente, os economistas que dizem entender algo do assunto.

E vocês deviam confiar mais, e não menos, nos epidemiologistas, porque a previsão e resposta a pandemias está se tornando um tema politicamente espinhoso. A racionalização enviesada – acreditar em algo porque você quer que aquilo seja verdade, e não porque é mesmo verdade – é uma tentação para qualquer um. Mas os pesquisadores que têm uma reputação profissional a zelar são menos sujeitos a isso que a maioria das pessoas.

Portanto, permitam-me aplaudir os epidemiologistas, que trabalham muito e de quem os críticos fazem pouco, e que vêm tentando acertar nesta pandemia. Vocês podem sofrer muitos abusos quando erram, o que inevitavelmente vai acontecer com vocês em algum momento. Mas vocês estão fazendo o que tem de ser feito. E outra coisa: bem-vindos ao meu mundo.