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Fundos de Special Situations: modismo da Faria Lima ou avanço do mercado financeiro brasileiro?

Um olhar sobre o crescimento e a sustentabilidade dos investimentos alternativos no Brasil

Um olhar sobre o crescimento e a sustentabilidade dos investimentos alternativos no Brasil  (da-kuk/iStockphoto)
Um olhar sobre o crescimento e a sustentabilidade dos investimentos alternativos no Brasil (da-kuk/iStockphoto)

Por Renan Rego, CIO da G5 Partners 

Nos últimos semestres, observamos o surgimento de várias gestoras, ou áreas em gestoras multiprodutos, dedicadas a Special Situations. Esse fenômeno levantou questionamentos sobre sua sustentabilidade, com comparações a episódios anteriores de sucesso e declínio rápidos, como o das paleterias mexicanas, que ocorreu entre 2014 e 2015. 

Com base nos dados e no histórico do setor, é compreensível que essas dúvidas surjam. Até pouco tempo atrás, durante a primeira década dos anos 2000, os negócios de Special Sits (como são carinhosamente chamados pelos “Faria Limers”) eram restritos a poucos agentes, destacando-se apenas alguns bancos — dois em particular —, além de poucos fundos estrangeiros e, em casos de Legal Claims, um número ligeiramente maior de players. Esse nicho era, de fato, muito pequeno e restrito. A partir de 2015, porém, o cenário começou a mudar, e houve aumento de participantes, especialmente com a criação dos primeiros fundos locais voltados para Special Situations e Legal Claims. Nos últimos três anos, o número de gestoras que operam nesse segmento saltou de poucas para mais de 30, com volume superior a R$ 13 bilhões de capital disponível (dry powder) para investir. 

Para entender o lugar das Special Situations no universo dos investimentos, é importante lembrar que a literatura financeira e os materiais das certificações internacionais as classificam como investimentos alternativos, um leque diversificado de ativos que não se encaixam nas categorias tradicionais, como ações, títulos públicos e dinheiro, que possuem alta liquidez e transparência. Em contraste, os investimentos alternativos buscam explorar ineficiências de mercado, oferecendo menor liquidez e maior risco, mas também maior potencial de retorno, impulsionado pelo alfa (resultado da gestão ativa), em vez do beta (desempenho do mercado). Nesse cenário, os investimentos alternativos mais conhecidos incluem hedge funds (no Brasil, muitas vezes traduzidos como fundos multimercados “macros”), private equity & venture capital, recursos naturais, imóveis e infraestrutura. As Special Situations são vistas por alguns como um subgrupo do private equity, englobando financiamento mezzanino, ativos estressados ou em turnaround, etc. Para outros, são uma categoria do mercado de dívida privada não pública, não distribuída a mercado e com características especiais. 

Embora não haja uma definição única e clara para “Special Situations”, de maneira geral, esse termo se refere a situações que revelam ativos subvalorizados, oferecendo oportunidades de investimento que podem gerar lucros, mesmo em um mercado desfavorável. Ao observarmos as operações de Special Situations, identificamos algumas características comuns: ativos ou empresas que demandam capital rapidamente, com complexidades específicas — regulatórias, jurídicas ou de estrutura de capital, entre outras —, e operações com boas margens de segurança para com o capital investido (downside protection), seja via garantias ou via ativos subavaliados como objeto. Entretanto, essa possibilidade de diversidade de operações em um fundo de Special Situations, que vai desde ativos legais ou judiciais a créditos estruturados até ações em situações específicas, não deve ser um pretexto para os gestores realizarem transações sem critérios rigorosos. A disciplina é essencial para evitar operações com alta correlação com o mercado e sem a proteção adequada de capital. 

O crescimento do setor provavelmente se deve, em parte, ao sucesso histórico dos primeiros players, que apresentaram rentabilidades elevadas e trouxeram notoriedade à área. Esse crescimento também foi impulsionado pela fraca performance de várias classes de ativos tradicionais nos últimos 30 a 36 meses — como o rendimento de ações, renda fixa (pré-fixada e inflação) e fundos multimercados —, além de um cenário econômico desafiador, no qual as empresas têm encontrado dificuldades para levantar capital via IPOs (sem novas ofertas primárias na B3 desde 2021) e para lidar com os juros elevados (acima de 10% a.a.), em vigor desde o início de 2022, após um período histórico de taxas baixas (2% entre 2020 e 2021). Esse cenário tem levado a recordes mensais de pedidos de recuperação judicial, agravados por incertezas jurídicas e regulatórias, características de países em desenvolvimento, como a PEC dos Precatórios. Também há a hipótese de que a proliferação dos fundos de Special Situations no Brasil esteja relacionada à falta de maturidade do mercado de investimentos alternativos ilíquidos e à limitada profundidade das estratégias adotadas, dificultando o surgimento de um mercado secundário para esses ativos alternativos. 

Embora o Brasil ofereça um vasto campo de oportunidades para esses fundos, o aumento no número de players pode mudar o cenário. Muitos questionam se a “lei dos rendimentos decrescentes”, proposta pelo economista David Ricardo, pode ser aplicada aqui, onde mais fundos resultariam em retornos medianos menores para os cotistas. Essa preocupação parece pertinente. No entanto, vale lembrar as palavras de Warren Buffett: “Seja ganancioso quando os outros estão com medo, e tenha medo quando os outros estão gananciosos”. Essa máxima cabe bem no ambiente de Special Situations, onde a cautela na avaliação de riscos e a busca por oportunidades únicas são fundamentais para diferenciar os vencedores dos perdedores. 

Boas oportunidades continuarão disponíveis para os melhores gestores. Isso não significa, contudo, que todas as operações serão bem-sucedidas — a concorrência acirrada pode levar a precificações inadequadas e a um desempenho fraco de alguns fundos. Por isso, é fundamental entender o perfil dos gestores e de suas equipes, a capacidade de originação, além de reconhecer que nem todos os fundos de Special Situations têm o mesmo foco de atuação e, por consequência, de retorno. Existem gestores que priorizam ativos estressados, aqueles que atuam com situações especiais de equities e outros com dívidas estruturadas, alguns com várias estratégias no mesmo fundo. Portanto, avaliar apenas o retorno não basta; é necessário compreender o risco assumido por cada gestor. Em uma classe de ativos tão diversa, é crucial identificar as nuances para fazer uma alocação de capital eficiente, alinhada ao perfil de risco desejado. Em um cenário de maior competição, como o que estamos vivendo, a disciplina na alocação de capital e a capacidade de encontrar boas oportunidades serão fatores determinantes para o sucesso. 

Dessa forma, acredito que os fundos de Special Situations desempenham um papel importante na crescente indústria de investimentos e contribuem positivamente para uma maior eficiência da economia. Quando bem geridos, podem oferecer ao investidor uma experiência superior à de fundos com metas de retorno mais altas, visto que suas curvas J* tendem a ser mais suaves e o período investido por ativo costuma ser mais curto, culminando em um prazo total de investimento menor e uma melhor distribuição de capital ao longo de todo o período do fundo. Contudo, assim como em qualquer classe de ativos, existem períodos ruins e fundos malsucedidos. A prudência ao procurar ajuda profissional na seleção desses gestores pode ser a diferença entre uma boa ou má experiência, especialmente em um momento de tantas opções e com gestores sem track records longos. Por isso, análise, due diligence e um relacionamento próximo com os gestores são cruciais para entender as diferenças. 

*A curva J é o formato do valor da cota de um fundo/investimento, usualmente no mercado privado, que cobra o compromisso total sobre o fundo. No começo do investimento, a cota é impactada pelos custos do fundo, e os investimentos ficam marcados ao preço de aquisição, resultando em uma cota negativa nos primeiros anos. Essa dinâmica começa a mudar à medida que ocorrem eventos que reprecificam os ativos. Como consequência, o valor da cota vai se recuperando, e o investidor começa a ter a rentabilidade esperada.