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Uma breve reflexão sobre “O Dilema das Redes”

Filme da Netflix apresenta críticas ao que chamam de uma capacidade ilimitada de manipulação do cérebro dos usuários, através de algoritmos

Mídias-sociais: as redes geram sentimento de ansiedade e vício incorrigível em checar os novos posts que são publicados em tempo real (MR.Cole_Photographer/Getty Images)
Mídias-sociais: as redes geram sentimento de ansiedade e vício incorrigível em checar os novos posts que são publicados em tempo real (MR.Cole_Photographer/Getty Images)
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Money Report – Aluizio Falcão Filho

Publicado em 21 de setembro de 2020 às, 16h49.

Última atualização em 21 de setembro de 2020 às, 17h37.

Já faz duas semanas que vários amigos me recomendam o documentário “O Dilema das Redes”, da Netflix. Ontem, finalmente, consegui um tempinho para conferir. Tecnicamente bem feito, o filme apresenta inúmeros ex-executivos de empresas do mundo digital que fazem críticas contundentes ao que chamam de uma capacidade ilimitada de manipulação do cérebro dos usuários, através de algoritmos que provocam uma ansiedade gigantesca e um vício incorrigível em checar os novos posts que são publicados nessas mídias sociais.

Ao ver a veemência destes depoimentos, lembrei de um amigo que largara o cigarro e me disse o seguinte: ex-fumantes eram muito mais xiitas com a fumaça alheia do que os não-fumantes. O arrependimento destes antigos diretores de redes sociais, pelo jeito, sugere que eles se tornaram os maiores críticos deste mercado porque talvez conheçam suas entranhas como poucos e, assim, possam discorrer profundamente sobre o seu lado sombrio. O tom do documentário lembra vagamente o ativismo do cineasta Michael Moore, mas opta por uma abordagem mais sutil.

Nenhum tipo de vício é desejável – e isso inclui também o uso exagerado das redes. O que torna essa discussão interessante é o seu ponto de partida: algoritmos projetados para viciar as pessoas em buscar incessantemente novidades nos feeds de Instagram, Facebook e Twitter. Além disso, a mesma programação cria todas as sugestões de vídeos e fotos aos usuários para propiciar uma navegação sem fim e maximizar a monetização dessas redes.

Logo no início do filme, muitos dos entrevistados dizem que não existe um grande vilão a culpar por conta do lado ruim das redes, especialmente porque muitos mecanismos foram criados com as melhores intenções e nunca se pensou em efeitos colaterais perniciosos. Alguns deles: adolescentes que ficam mais inseguros em relação a seus corpos e mentes por conta de sua relação com os demais internautas; a ansiedade que se instala entre aqueles que desejam ver seus posts endossados por outros; e a depressão que surge com as frustrações geradas pelas expectativas não realizadas neste universo digital.

Talvez esse seja o principal desafio: quando lidamos com um inimigo invisível como um conjunto de algoritmos, é difícil protestarmos. A sofisticação dessa programação, inclusive, é criticada até na maneira pela qual os resultados são apresentados a partir de uma prosaica busca no Google. Os algoritmos ajustam e customizam as respostas para cada um de nós, filtrando o que iremos ver de acordo com nossa localização, buscas anteriores e outros tipos de parâmetros.

Os analistas ouvidos criticam essa metodologia porque, em tese, o sistema está escolhendo aquilo que você vê, o que não deixa de ser verdade. Mas, neste caso, vamos imaginar o contrário. Enquanto estou escrevendo, farei uma busca ao mesmo tempo. Abrirei o Google e escreverei: “Google manipula buscas” para ver o que acontece. Pronto. O sistema gerou 14 milhões de respostas em 0,72 segundo – e a primeira página tem dez links de reportagens que afirmam a mesma coisa que o documentário. Ou seja, a ferramenta pode ser manipuladora, mas não a ponto de esconder, em tese, a própria manipulação. Para finalizar este tópico, fica a questão: se não houvesse nenhum algoritmo, como essas 14 milhões de respostas seriam classificadas? Por ordem alfabética? Números absolutos de audiência? Convenhamos: alguma programação para criar uma hierarquia de respostas seria necessária. Neste caso específico, o sistema funciona bem. Não vejo problema em mantê-lo do jeito que está.

A narrativa do documentário intercala entrevistas e depoimentos com uma história ficcional que acompanha o dia a dia de uma família. Entre estes personagens, há dois adolescentes que acabam sofrendo os efeitos do uso exagerado das redes. Mas, aqui, há um grande escorregão. Ao dramatizar o funcionamento do algoritmo, apresenta-se um ator desempenhando três papéis simultâneos (Vincent Kartheiser, conhecido pela série Mad Men), que faz de tudo para engajar um dos jovens em uma determinada rede, levando-o a participar de um ato público de extremistas e ser preso pela polícia. Aqui está um tremendo exagero. Nenhuma programação tem como prioridade levar alguém para um caminho indesejável – mas essa é a mensagem subliminar que se passa na parte final da película.

Discute-se Fake News também ao longo do roteiro. E é apresentado um dado que já tinha ouvido em outras ocasiões: uma notícia falsa se propaga seis vezes mais rápido do que uma verdadeira. Coloca-se a culpa disso na possibilidade de se encontrar facilmente pessoas com um perfil crédulo na rede e, assim, criar a tração necessária para espalhar os fakes.

Embora isso seja realmente verdade, o verdadeiro impulso para as Fake News é a vontade de os propagadores de acreditar naquilo que leem. Não é exatamente uma questão de ignorância, mas de engajamento prévio. Um determinado fake simplesmente traduz as ideias, conceitos e pensamentos de quem o dissemina. Aí está a raiz deste problema.

O senador democrata Marco Rubio, que tentou postular a candidatura de seu partido à presidência, faz uma participação no documentário e deixa um recado que vale a pena ser anotado. “Não fazemos mais amigos por causa das escolhas políticas das últimas eleições”, diz Rubio. “E só acessamos canais de informação que dizem o quanto nós estamos certos”.

O caminho apontado pelo senador americano é o de uma intolerância que se propaga agressivamente e dificilmente será mitigada sem que a população dê um passo atrás para entender melhor o que está acontecendo com o comportamento da sociedade.
Para encerrar, percebo que há dois grandes grupos de heavy users e que acabam sendo mais afetados pela ação viciante dos algoritmos. Um é o de quem é ansioso por natureza e se sente inquieto o tempo todo. São pessoas multifacetadas que estão sempre ligadíssimas em tudo. A vida era um tanto monótona antes das redes e, agora, essa pessoa vive intensamente os dois universos diante si: o real e o virtual.

Outro grupo é aquele que não tem exatamente uma vida real palpitante, tanto do lado pessoal como do profissional. São indivíduos que se sentem valorizados no ambiente online e, por isso, dedicam longas horas a posts e comentários. Se isso por si só já seria um problema, ficou ainda pior com a pandemia – especialmente em relação aos adolescentes que foram privados de sua vida social e reduziram sensivelmente o número diário de interlocutores. Com suas vidas reais prejudicadas, esses jovens se dedicam com maior afinco ao mundo virtual. E é aqui que mora o perigo. É por esta razão que, mesmo que não se concorde integralmente com as conclusões do documentário (meu caso), é preciso assisti-lo e refletir sobre o tema. Especialmente se você tem filhos adolescentes ou na pré-adolescência.