Se Lincoln fosse vivo, não usaria o WhatsApp
Neste mundo digital, Lincoln não teria tempo de contar até dez antes de apertar o botão “enviar”
Da Redação
Publicado em 18 de agosto de 2021 às 09h27.
Aluizio Falcão Filho
O advogado americano Edwis McMasters Stanton tem seu nome gravado nos fatos da história política dos Estados Unidos . Foi por causa dele que Andrew Johnson tornou-se o primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment e ser removido da Casa Branca (Johnson quis demitir Stanton da Secretaria da Guerra sem obter a aprovação do Congresso). Mas, antes disso, o advogado foi um dos principais assessores de Abraham Lincoln, sendo uma figura importantíssima durante a Guerra de Secessão.
No meio deste conflito, um general insultou o secretário, acusando de favorecer outro militar na escolha dos postos de comando. Possesso, Stanton escreveu uma carta raivosa e a leu para Lincoln. O presidente elogiou o conteúdo e iniciou o seguinte diálogo:
– O que você vai fazer com essa carta?
– Colocá-la no correio, ora…
– Não, não… Isso iria estragar tudo. Arquive-a. No arquivo ela se manterá perfeita e não magoará o destinatário.
Lincoln, em sua imensa sabedoria, permitiu que Stanton desabafasse – mas, ao mesmo tempo, em meio a uma guerra dificílima, não queria provocar cizânias nas tropas do Norte. Por isso, pediu que a carta fosse arquivada. Se os personagens dessa história estivessem vivos nos dias de hoje, o presidente diria a seu secretário para deletar a mensagem no WhatsApp antes que ela fosse usada.
Aliás, uma figura ponderada e racional como “Honest Abe” provavelmente não usaria um instrumento de comunicação instantânea. Esses sistemas de mensagens, antes de mais nada, são convites quase irresistíveis para mandar mensagens desaforadas a quem nos irritou por razões diversas (hoje, praticamente tudo é motivo para se iniciar uma discussão).
Neste mundo digital, Lincoln não teria tempo de contar até dez antes de apertar o botão “enviar” – ou ouviria o relato de seu assessor depois que ele tivesse enviado seu recado desaforado ao general, sem chances de volta. Aliás, hoje em dia, a coisa poderia ser pior: a missiva insolente poderia ser postada em ambientes públicos, como um grupo de mensageria ou plataformas de redes sociais. Por ser um secretário de Estado, Stanton teria um público alto e desancaria o tal general publicamente, criando uma instabilidade de proporções épicas.
Não temos o sangue frio deste legendário presidente americano. Mas podemos nos esforçar para contar até dez antes de enviar mensagens capciosas. Faço isso todos os dias – e confesso que, vez por outra, não resisto à tentação de desopilar o fígado através de uma cutucada digital. Mas, ao mesmo tempo, vejo com frequência desentendimentos que ocorrem porque as pessoas não pararam para pensar alguns segundos antes de repartir suas ideias com a rede social.
Se contarmos até dez antes de enviar as mensagens vamos retirar a espontaneidade na comunicação entre as pessoas? Sem dúvida. Mas essa é uma reflexão que devemos fazer: o que é melhor, manter nossas relações em um nível de civilidade ou partir para as pauladas virtuais? Cada um, evidentemente, deve julgar o que é melhor para si e agir de acordo com suas convicções e conveniências.
De minha parte, aprendi a duras penas encontrar (em boa parte do tempo, não em todas as ocasiões, reforço) o equilíbrio nesses momentos de frequentes embates digitais. Não foi fácil e levou um certo tempo para que eu conseguisse manter a linha mesmo sendo insistentemente provocado.
Uma das formas de se obter este estado zen nos meios digitais é tentar se distanciar da discussão. Como se você fosse um narrador de uma história e não um dos personagens principais. Algo que me ajuda muito nessas horas é o espírito jornalístico, polido por muitos anos de profissão. Quando percebo que estou prestes a perder as estribeiras, desando a fazer perguntas para mapear o raciocínio do, digamos, oponente.
Isso tem dois efeitos. O primeiro: faz o interlocutor pensar e elaborar sua linha de argumentação, retirando um pouco da carga emocional do debate. Além disso, o outro lado passa a dar mais pistas sobre como sua opinião foi construída e, assim, é possível rebatê-la com maior desenvoltura.
Qualquer que seja o método para refrear a agressividade que brota nas redes sociais, há apenas uma forma de enveredar por esse caminho: mexer a primeira peça do tabuleiro. Entretanto, a chance de acertarmos logo no início é pequena e com certeza daremos alguns passos em falso. Mas, sem esse movimento inicial, nunca iremos encontrar uma convivência pacífica com aqueles que discordam de nós.
O caminho opcional é mantermos o clima irritadiço e estimularmos o cancelamento alheio. A escolha é toda sua.
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Aluizio Falcão Filho
O advogado americano Edwis McMasters Stanton tem seu nome gravado nos fatos da história política dos Estados Unidos . Foi por causa dele que Andrew Johnson tornou-se o primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment e ser removido da Casa Branca (Johnson quis demitir Stanton da Secretaria da Guerra sem obter a aprovação do Congresso). Mas, antes disso, o advogado foi um dos principais assessores de Abraham Lincoln, sendo uma figura importantíssima durante a Guerra de Secessão.
No meio deste conflito, um general insultou o secretário, acusando de favorecer outro militar na escolha dos postos de comando. Possesso, Stanton escreveu uma carta raivosa e a leu para Lincoln. O presidente elogiou o conteúdo e iniciou o seguinte diálogo:
– O que você vai fazer com essa carta?
– Colocá-la no correio, ora…
– Não, não… Isso iria estragar tudo. Arquive-a. No arquivo ela se manterá perfeita e não magoará o destinatário.
Lincoln, em sua imensa sabedoria, permitiu que Stanton desabafasse – mas, ao mesmo tempo, em meio a uma guerra dificílima, não queria provocar cizânias nas tropas do Norte. Por isso, pediu que a carta fosse arquivada. Se os personagens dessa história estivessem vivos nos dias de hoje, o presidente diria a seu secretário para deletar a mensagem no WhatsApp antes que ela fosse usada.
Aliás, uma figura ponderada e racional como “Honest Abe” provavelmente não usaria um instrumento de comunicação instantânea. Esses sistemas de mensagens, antes de mais nada, são convites quase irresistíveis para mandar mensagens desaforadas a quem nos irritou por razões diversas (hoje, praticamente tudo é motivo para se iniciar uma discussão).
Neste mundo digital, Lincoln não teria tempo de contar até dez antes de apertar o botão “enviar” – ou ouviria o relato de seu assessor depois que ele tivesse enviado seu recado desaforado ao general, sem chances de volta. Aliás, hoje em dia, a coisa poderia ser pior: a missiva insolente poderia ser postada em ambientes públicos, como um grupo de mensageria ou plataformas de redes sociais. Por ser um secretário de Estado, Stanton teria um público alto e desancaria o tal general publicamente, criando uma instabilidade de proporções épicas.
Não temos o sangue frio deste legendário presidente americano. Mas podemos nos esforçar para contar até dez antes de enviar mensagens capciosas. Faço isso todos os dias – e confesso que, vez por outra, não resisto à tentação de desopilar o fígado através de uma cutucada digital. Mas, ao mesmo tempo, vejo com frequência desentendimentos que ocorrem porque as pessoas não pararam para pensar alguns segundos antes de repartir suas ideias com a rede social.
Se contarmos até dez antes de enviar as mensagens vamos retirar a espontaneidade na comunicação entre as pessoas? Sem dúvida. Mas essa é uma reflexão que devemos fazer: o que é melhor, manter nossas relações em um nível de civilidade ou partir para as pauladas virtuais? Cada um, evidentemente, deve julgar o que é melhor para si e agir de acordo com suas convicções e conveniências.
De minha parte, aprendi a duras penas encontrar (em boa parte do tempo, não em todas as ocasiões, reforço) o equilíbrio nesses momentos de frequentes embates digitais. Não foi fácil e levou um certo tempo para que eu conseguisse manter a linha mesmo sendo insistentemente provocado.
Uma das formas de se obter este estado zen nos meios digitais é tentar se distanciar da discussão. Como se você fosse um narrador de uma história e não um dos personagens principais. Algo que me ajuda muito nessas horas é o espírito jornalístico, polido por muitos anos de profissão. Quando percebo que estou prestes a perder as estribeiras, desando a fazer perguntas para mapear o raciocínio do, digamos, oponente.
Isso tem dois efeitos. O primeiro: faz o interlocutor pensar e elaborar sua linha de argumentação, retirando um pouco da carga emocional do debate. Além disso, o outro lado passa a dar mais pistas sobre como sua opinião foi construída e, assim, é possível rebatê-la com maior desenvoltura.
Qualquer que seja o método para refrear a agressividade que brota nas redes sociais, há apenas uma forma de enveredar por esse caminho: mexer a primeira peça do tabuleiro. Entretanto, a chance de acertarmos logo no início é pequena e com certeza daremos alguns passos em falso. Mas, sem esse movimento inicial, nunca iremos encontrar uma convivência pacífica com aqueles que discordam de nós.
O caminho opcional é mantermos o clima irritadiço e estimularmos o cancelamento alheio. A escolha é toda sua.
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