O cancelamento do WhatsApp e a crise de credibilidade que campeia por aí
Este tipo de desconfiança e paranoia vem crescendo avassaladoramente no Brasil desde 2018
isabelarovaroto
Publicado em 19 de janeiro de 2021 às 08h23.
Ontem, às 4 da manhã, recebi uma mensagem de um amigo que não vejo há quase quinze anos e com quem falo eventualmente pelas redes sociais. O texto, claramente copiado de alguém e parte de uma corrente digital, tecia impropérios contra o WhatsApp, falava em “criminosa e inaceitável vigilância” sobre as pessoas e afirmava que seu remetente iria baixar o Telegram e o Signal. O final da mensagem (enviada por WhatsApp, diga-se) era apoteótico: “Não se iludam ou sejam ingênuos: estamos em guerra”.
A tal da vigilância seria a intenção do aplicativo em compartilhar dados da ferramenta com o Facebook, sua empresa mãe. Não me parece nada demais – só que isso foi interpretado erroneamente como um compartilhamento de conteúdo, o que seria claramente um desrespeito à Lei Geral de Proteção de Dados (isso nada tem a ver com a falha de privacidade que foi divulgada também ontem, através da qual números de celulares podem ser rastreados quando a ferramenta WhatsApp Web está em funcionamento).
Este tipo de desconfiança e paranoia vem crescendo avassaladoramente no Brasil desde 2018. Trata-se do momento em que Jair Bolsonaro ganha a liderança nas pesquisas e é eleito presidente. Durante a campanha, tivemos todo o tipo de fake news, vindos de todos os lados. Mas testemunhamos a evolução inexorável das teorias conspiratórias, muitas delas propagadas pelo próprio Bolsonaro.
Essa proliferação de delírios me fez lembrar de uma figura que circulava no Rio de Janeiro nos idos das décadas de 1970 e 1980. Conhecido como Profeta Gentileza, José Datrino pintava versos em locais marcados pelo cinza, como o Viaduto do Gasômetro e tinha um mantra que ficou famoso com a internet e uma canção de Marisa Monte: “Gentileza gera gentileza”.
Quando olhamos para o Brasil de hoje, é possível lembrar deste mote, trocando uma palavra: “Paranoia gera paranoia”. Em conversa com um amigo ao final da tarde de sábado, ele contava que havia assistido um vídeo de um líder negacionista há pouco tempo. E que, ao final, tinha comprado a tese do sujeito. Mas, uma hora depois, continuou a pensar sobre os argumentos apresentados e os foi demolindo, um a um. É compreensível a sua conversão aos negacionistas, mesmo que fugaz. Essas pessoas são extremamente carismáticas, seguem uma lógica aparentemente infalível usando sofismas e misturam fatos verdadeiros com fake news.
Esse tipo de liderança, infelizmente, tende a crescer, pois há um vácuo de credibilidade em relação às instituições mais tradicionais na propagação de notícias: a imprensa e o governo. Segundo o 2021 Trust Barometrer, da Edelman, uma das maiores consultorias de relações públicas do mundo, a confiabilidade dessas duas entidades diminui ano após ano.
A pesquisa, realizada em 28 países, junto a mais de 33 000 pessoas, mostra que o governo, de maio de 2020 a janeiro de 2021, perdeu 8 pontos no índice de credulidade. E 59 % dos entrevistados concordaram com a frase: “Jornalistas e repórteres estão tentando enganar as pessoas de propósito, dizendo coisas que são falsas ou exageros descarados”. Além disso, 61 % se identificaram com o seguinte: “A mídia não está fazendo bem o trabalho de ser objetiva e apartidária”.
Qual é a fonte de informação mais confiável, de acordo com o estudo?
O empregador, com 61 pontos percentuais (contra 58 do governo e 57 da imprensa).
Além disso, 69 % dos respondentes acreditam que os CEOS devem agir quando os governos não resolvem os problemas da sociedade e 65 % dizem que CEOs deveriam liderar as mudanças necessárias do que esperar que o governo faça isso. Por fim, 86 % dos ouvidos pela pesquisa da Edelman acreditam que os CEOS devem falar publicamente a respeito dos desafios sociais.
Se isso for uma tendência, as empresas deverão entrar fortemente em discussões que, até agora, foram conduzidas por autoridades e jornalistas. Se, por um lado, representa uma oportunidade de criar maior empatia com os consumidores, trata-se de um risco considerável, o de perder a própria credibilidade por conta de uma declaração que desagrade a sociedade.
Uma coisa, porém, é clara. Acabou mesmo a fase do “empresário moita” – expressão criada por Flávio Rocha, da Riachuelo, para definir aquele homem de negócios que não quer se comprometer com a política ou a economia. Os novos tempos indicam um caminho de transparência e de maior aproximação entre clientes e empresas, dentro de um cenário em que todas as reputações são questionadas, de uma plataforma de comunicação como o WhatsApp a jornais com cem anos de história ou mais. Do jeito que as coisas andam, talvez seja uma questão de tempo para que CEOs também sofram os efeitos destrutivos do questionamento e do descrédito. Por isso, empregadores do mundo todo, uni-vos e preparai-vos.
Ontem, às 4 da manhã, recebi uma mensagem de um amigo que não vejo há quase quinze anos e com quem falo eventualmente pelas redes sociais. O texto, claramente copiado de alguém e parte de uma corrente digital, tecia impropérios contra o WhatsApp, falava em “criminosa e inaceitável vigilância” sobre as pessoas e afirmava que seu remetente iria baixar o Telegram e o Signal. O final da mensagem (enviada por WhatsApp, diga-se) era apoteótico: “Não se iludam ou sejam ingênuos: estamos em guerra”.
A tal da vigilância seria a intenção do aplicativo em compartilhar dados da ferramenta com o Facebook, sua empresa mãe. Não me parece nada demais – só que isso foi interpretado erroneamente como um compartilhamento de conteúdo, o que seria claramente um desrespeito à Lei Geral de Proteção de Dados (isso nada tem a ver com a falha de privacidade que foi divulgada também ontem, através da qual números de celulares podem ser rastreados quando a ferramenta WhatsApp Web está em funcionamento).
Este tipo de desconfiança e paranoia vem crescendo avassaladoramente no Brasil desde 2018. Trata-se do momento em que Jair Bolsonaro ganha a liderança nas pesquisas e é eleito presidente. Durante a campanha, tivemos todo o tipo de fake news, vindos de todos os lados. Mas testemunhamos a evolução inexorável das teorias conspiratórias, muitas delas propagadas pelo próprio Bolsonaro.
Essa proliferação de delírios me fez lembrar de uma figura que circulava no Rio de Janeiro nos idos das décadas de 1970 e 1980. Conhecido como Profeta Gentileza, José Datrino pintava versos em locais marcados pelo cinza, como o Viaduto do Gasômetro e tinha um mantra que ficou famoso com a internet e uma canção de Marisa Monte: “Gentileza gera gentileza”.
Quando olhamos para o Brasil de hoje, é possível lembrar deste mote, trocando uma palavra: “Paranoia gera paranoia”. Em conversa com um amigo ao final da tarde de sábado, ele contava que havia assistido um vídeo de um líder negacionista há pouco tempo. E que, ao final, tinha comprado a tese do sujeito. Mas, uma hora depois, continuou a pensar sobre os argumentos apresentados e os foi demolindo, um a um. É compreensível a sua conversão aos negacionistas, mesmo que fugaz. Essas pessoas são extremamente carismáticas, seguem uma lógica aparentemente infalível usando sofismas e misturam fatos verdadeiros com fake news.
Esse tipo de liderança, infelizmente, tende a crescer, pois há um vácuo de credibilidade em relação às instituições mais tradicionais na propagação de notícias: a imprensa e o governo. Segundo o 2021 Trust Barometrer, da Edelman, uma das maiores consultorias de relações públicas do mundo, a confiabilidade dessas duas entidades diminui ano após ano.
A pesquisa, realizada em 28 países, junto a mais de 33 000 pessoas, mostra que o governo, de maio de 2020 a janeiro de 2021, perdeu 8 pontos no índice de credulidade. E 59 % dos entrevistados concordaram com a frase: “Jornalistas e repórteres estão tentando enganar as pessoas de propósito, dizendo coisas que são falsas ou exageros descarados”. Além disso, 61 % se identificaram com o seguinte: “A mídia não está fazendo bem o trabalho de ser objetiva e apartidária”.
Qual é a fonte de informação mais confiável, de acordo com o estudo?
O empregador, com 61 pontos percentuais (contra 58 do governo e 57 da imprensa).
Além disso, 69 % dos respondentes acreditam que os CEOS devem agir quando os governos não resolvem os problemas da sociedade e 65 % dizem que CEOs deveriam liderar as mudanças necessárias do que esperar que o governo faça isso. Por fim, 86 % dos ouvidos pela pesquisa da Edelman acreditam que os CEOS devem falar publicamente a respeito dos desafios sociais.
Se isso for uma tendência, as empresas deverão entrar fortemente em discussões que, até agora, foram conduzidas por autoridades e jornalistas. Se, por um lado, representa uma oportunidade de criar maior empatia com os consumidores, trata-se de um risco considerável, o de perder a própria credibilidade por conta de uma declaração que desagrade a sociedade.
Uma coisa, porém, é clara. Acabou mesmo a fase do “empresário moita” – expressão criada por Flávio Rocha, da Riachuelo, para definir aquele homem de negócios que não quer se comprometer com a política ou a economia. Os novos tempos indicam um caminho de transparência e de maior aproximação entre clientes e empresas, dentro de um cenário em que todas as reputações são questionadas, de uma plataforma de comunicação como o WhatsApp a jornais com cem anos de história ou mais. Do jeito que as coisas andam, talvez seja uma questão de tempo para que CEOs também sofram os efeitos destrutivos do questionamento e do descrédito. Por isso, empregadores do mundo todo, uni-vos e preparai-vos.