Crônica de uma briga anunciada no WhastApp
Eu pergunto: qual foi a última vez que você conseguiu convencer alguém, via WhastApp ou Telegram, a mudar de ideia?
Publicado em 21 de junho de 2021 às, 13h59.
Aluizio Falcão Filho
Participo de um grupo no WhatsApp com ex-colegas do antigo primário. Pessoas queridas, com as quais compartilho memórias deliciosas da infância. Mantive o contato com alguns, mas não vejo a maioria há décadas. Mesmo assim, tenho um carinho enorme por todos, especialmente porque eles são a minha ligação direta com uma época em que tínhamos inocência nos corações e nenhuma iniquidade em nossas cabeças. Com eles, nos últimos anos, consegui recuperar fotos desconhecidas e resgatar recordações que estavam hibernando na memória.
O propósito original dessa rede era justamente nos conectar através de nosso passado em comum. E isso foi exercido durante um bom tempo. Mas havia um número bem econômico de interações. Até que veio a pandemia. Com aquele isolamento dos primeiros dias, a atividade digital se multiplicou e se manteve em alta até agora.
Mas, de uns tempos para cá, como ocorre em todas as redes sociais, temas políticos começaram a dominar as conversas (confesso aqui que devo ser corresponsável por esse fenômeno, pois posto minhas colunas diariamente por lá). E aí começaram a surgir desavenças.
Já tivemos inúmeras discussões. Esse microcosmos representa boa parte da sociedade brasileira: temos pessoas com orientações políticas diferentes, que apoiam lados opostos, e descontentes com as principais opções eleitorais da atualidade. Algumas semanas atrás, a temperatura subiu e houve um movimento interno para que parássemos de falar de política como uma forma de evitar discórdias. Essa proposta, entretanto, não vingou. Mas tentamos encontrar uma fórmula de respeitar as diferenças para não entrar em discussões intermináveis e acaloradas.
Porém, neste final de semana, os ânimos se acirraram novamente e três membros saíram. Um querido amigo, o Reynaldo Smith de Vasconcellos, extremamente chateado com o que estava acontecendo, publicou a seguinte mensagem (antes que os entusiastas da LGPD me condenem, pedi autorização prévia para reproduzir a frase): “É impossível convencer alguém a trocar de time, de religião e de posição política. Eu estou no limite aqui também, pois isso não para. Vamos resolver essas diferenças no voto e aceitar o vencedor”.
As palavras de Reynaldo carregam uma grande sabedoria. Na idade adulta, só convenceremos a quem quiser ser convencido. E as pessoas, cada vez mais, estão encasteladas em seus pontos de vista. Uma discussão, na maioria dos casos, serve apenas para a postagem de cotoveladas digitais – a famosa lacração. Aquela velha expressão, “trocar ideias”, ficou no passado. A impressão que se tem é que não existe mais intercâmbio – apenas uma espécie de duelo de monólogos.
Eu pergunto: qual foi a última vez que você conseguiu convencer alguém, via WhastApp ou Telegram, a mudar de ideia? Se a resposta for “sim”, considere-se a exceção das exceções. O fato é que estamos não estamos mais nos entendendo. Pelo contrário. Nos irritamos com frequência e, dependendo do dia, temos uma explosão e exercemos o cancelamento ou o auto cancelamento: deixamos um grupo, riscamos alguém de nossa lista de amizades no Facebook ou bloqueamos o celular do nosso oponente de ideias.
Esse mesmo clima que reinou ultimamente em meu grupo de colegas de escola também pode ser visto em outras comunidades virtuais. Só encontramos grupos pacificados quando houve algum tipo de depuração e os remanescentes comungam de uma visão parecida – ou aqueles que discordam preferem uma espécie de voyerismo digital.
Como jornalista, sou um observador do comportamento humano e movido pela curiosidade. Luto contra meus preconceitos e contra meus pontos de vista para tentar entender quem tem opiniões diferentes das minhas. Trata-se de um exercício difícil, pois para exercê-lo é preciso minimizar a vaidade o tempo todo e questionar suas convicções com frequência.
Mas percebo que muitos de meus colegas de profissão preferem se engajar em discussões ao defender com afinco um lado do cenário político. É possível enxergar isso em revistas, jornais, emissoras de rádio e de televisão.
Esse, porém, não é um fenômeno recente. Quando adolescente, era fã do programa Canal Livre (ainda no ar pela Band, embora com uma fórmula diferente da original), que trazia muitos profissionais de imprensa para debater o cenário político daqueles momentos finais do governo militar. Lembro de uma intervenção de Fausto Wolff, um dos debatedores convidados daquela edição em particular, que começava assim: “Eu sou jornalista de oposição…”.
Até aí, tudo bem, Colunistas, comentaristas e articulistas são pagos para dar a sua opinião. Mas, quando estes jornalistas atuam como militantes – não importa o lado –, correm o risco de se tornarem previsíveis. E acabar perdendo credibilidade. Neste cenário, quem opta por defender uma única posição acaba pregando apenas para os convertidos.
O que motiva essa polarização e esse arrefecimento de ânimos no ambiente digital? Trata-se de um fenômeno mundial, um tipo de comportamento que atinge boa parte da população do globo. Também neste caso, é um tipo antigo de manifestação, pois não se pode dizer que antes tínhamos discussões menos acaloradas. Pelo contrário. Já vi amigos saindo no braço depois de um desentendimento sobre eleições nos botequins da vida. O que ocorreria, por exemplo, em 1989 – na época do segundo turno entre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva – se tivéssemos grupos de WhastApp? Teríamos uma discussão de alto nível das redes? Dificilmente.
A pergunta que fica é: algum dia conseguiremos encontrar uma forma de debater ideias diferentes sem nos descontrolarmos por causa de nossas emoções? Isso é possível em um país de sangue latino como o Brasil? Enquanto não encontrarmos uma fórmula eficaz de autocontrole, veremos, impotentes, amizades antigas sendo desfeitas e discussões que teriam tudo para ser frutíferas acabarem precocemente por conta de uma frase atravessada.
E, finalmente, aqui vai uma mensagem aos amigos que deixaram o nosso grupo de escola: voltem, meus queridos. Vocês fazem falta.
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