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A pandemia trouxe o ocaso do chefe autoritário

Após o choque inicial da primeira fase de isolamento, as relações de trabalho estão passando por uma segunda onda de transformação

Chefe autoritário (sorbetto/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2021 às 08h30.

Aluizio Falcão Filho

Quem nunca se atrasou para o trabalho e experimentou a sensação de terror ao imaginar que levaria uma bronca astronômica do chefe ? Esse tipo de coisa, com a pandemia e a proliferação do Home Office , diminuiu bastante – especialmente nos escritórios das grandes empresas, com ênfase nas multinacionais.

Nesta semana, ouvi de dois executivos de grande destaque no mercado que, após o choque inicial da primeira fase de isolamento, as relações de trabalho estão passando por uma segunda onda de transformação. É que pensam Cléber Moraes, da AWS, e Stephane Engelhard, do Carrefour.

Para Moraes, o desafio é duplo: metade de sua equipe tem menos de um ano e meio de casa – e vários foram contratados através do sistema de videoconferência. O que é preciso perceber, neste tipo de entrevista à distância, para contratar alguém? “Antes de mais nada, se aquela pessoa se encaixa na cultura da empresa ”, disse Cléber em uma das mesas virtuais de discussão realizadas por MONEY REPORT nesta semana. E o que é isso para a AWS?

É a combinação de estruturas de trabalho pequenas e ágeis com a aceitação de que é possível cometer falhas nos processos de inovação. A AWS está permeada daquilo que se chama internamente de “two-pizza team” – ou seja, o grupo tem de ser formado por um número de pessoas que possam comer duas pizzas. Mas esses colaboradores precisa estar comprometidos com a inovação contínua de ferramentas e resultados. “A falha é inseparável da invenção”, diz Moraes. “Essa cultura precisa estar constantemente difundida”.

E como saber que se pode contratar alguém com o perfil adequado através de uma tela de computador? Em todo o processo de contratação, existe o teste final: trata-se de uma entrevista final com o bar raiser, um indivíduo que tem o poder de vetar qualquer admissão. O bar raiser deve zelar pela cultura da companhia e vai fazer a última checagem do processo, com autonomia para barrar qualquer um no baile, mesmo que indicado, por exemplo, pelo CEO da Amazon, Jeff Bezos. O resultado dessa prática? Com uma cultura que abraça a todos os colaboradores, a relação entre líderes e comandados passa a ter menos fricção e maior colaboração.

Ontem explorei esse tema com Stephane Engelhard e falamos sobre a nova ordem que impera nos escritórios. Com o Home Office, a relação entre funcionários e chefias mudou e pode-se perceber uma espécie de suavização da hierarquia. Portanto, aquele terror que alguém sentia quando se atrasava é algo raro nos dias de hoje. Primeiro porque a maioria das reuniões se concentra agora no ambiente online. Sem enfrentar o trânsito, os atrasos diminuíram fortemente. Mas, ainda assim, aqueles executivos que gostavam de exibir seu crachá e escrachar um subordinado estão com os dias contados.

“Não se pode confundir poder com autoridade”, diz Engelhard. Quem fazia isso na época em que o relacionamento entre colaboradores era físico acabou se recolhendo um pouco neste momento em que as reuniões passaram a ser realizadas no ambiente online. “Mas esses são executivos vistos como um problema em potencial”, analisa.

O mundo digital, de certa forma, desnuda competências e incompetências de forma transparente. Não se consegue enrolar muita gente nos mecanismos de videoconferência e isso mudou severamente os processos de avaliação. Na prática, houve uma aceleração tecnológica no ano passado. Agora, passamos por uma nova aceleração – a cultural. As empresas estão se reciclando rapidamente enquanto medem comprometimento e engajamento com as pessoas se relacionando através do computador.

Qual será o legado dessas mudanças quando a maior parte das pessoas estiver de volta aos escritórios? Os chefes vão continuar a vigiar os horários de entrada e saída de seus comandados? Para Engelhard, isso não deve mais acontecer e a mudança é definitiva. “As empresas estão funcionando desse jeito novo”, diz ele. “Duvido que exista um retrocesso neste jeito de trabalhar”.

Se isso de fato ocorrer, a figura do chefe chato pode não desaparecer do mapa – mas, de agora em diante, será muito mais difícil falar mal da chefia, assunto favorito nos cafezinhos do escritório. Êpa! E o espaço do cafezinho? Vai continuar a existir?

Esse é o nosso novo mundo: uma pergunta diferente a cada dia.

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Nesta semana, ouvi de dois executivos de grande destaque no mercado que, após o choque inicial da primeira fase de isolamento, as relações de trabalho estão passando por uma segunda onda de transformação. É que pensam Cléber Moraes, da AWS, e Stephane Engelhard, do Carrefour.

Para Moraes, o desafio é duplo: metade de sua equipe tem menos de um ano e meio de casa – e vários foram contratados através do sistema de videoconferência. O que é preciso perceber, neste tipo de entrevista à distância, para contratar alguém? “Antes de mais nada, se aquela pessoa se encaixa na cultura da empresa ”, disse Cléber em uma das mesas virtuais de discussão realizadas por MONEY REPORT nesta semana. E o que é isso para a AWS?

É a combinação de estruturas de trabalho pequenas e ágeis com a aceitação de que é possível cometer falhas nos processos de inovação. A AWS está permeada daquilo que se chama internamente de “two-pizza team” – ou seja, o grupo tem de ser formado por um número de pessoas que possam comer duas pizzas. Mas esses colaboradores precisa estar comprometidos com a inovação contínua de ferramentas e resultados. “A falha é inseparável da invenção”, diz Moraes. “Essa cultura precisa estar constantemente difundida”.

E como saber que se pode contratar alguém com o perfil adequado através de uma tela de computador? Em todo o processo de contratação, existe o teste final: trata-se de uma entrevista final com o bar raiser, um indivíduo que tem o poder de vetar qualquer admissão. O bar raiser deve zelar pela cultura da companhia e vai fazer a última checagem do processo, com autonomia para barrar qualquer um no baile, mesmo que indicado, por exemplo, pelo CEO da Amazon, Jeff Bezos. O resultado dessa prática? Com uma cultura que abraça a todos os colaboradores, a relação entre líderes e comandados passa a ter menos fricção e maior colaboração.

Ontem explorei esse tema com Stephane Engelhard e falamos sobre a nova ordem que impera nos escritórios. Com o Home Office, a relação entre funcionários e chefias mudou e pode-se perceber uma espécie de suavização da hierarquia. Portanto, aquele terror que alguém sentia quando se atrasava é algo raro nos dias de hoje. Primeiro porque a maioria das reuniões se concentra agora no ambiente online. Sem enfrentar o trânsito, os atrasos diminuíram fortemente. Mas, ainda assim, aqueles executivos que gostavam de exibir seu crachá e escrachar um subordinado estão com os dias contados.

“Não se pode confundir poder com autoridade”, diz Engelhard. Quem fazia isso na época em que o relacionamento entre colaboradores era físico acabou se recolhendo um pouco neste momento em que as reuniões passaram a ser realizadas no ambiente online. “Mas esses são executivos vistos como um problema em potencial”, analisa.

O mundo digital, de certa forma, desnuda competências e incompetências de forma transparente. Não se consegue enrolar muita gente nos mecanismos de videoconferência e isso mudou severamente os processos de avaliação. Na prática, houve uma aceleração tecnológica no ano passado. Agora, passamos por uma nova aceleração – a cultural. As empresas estão se reciclando rapidamente enquanto medem comprometimento e engajamento com as pessoas se relacionando através do computador.

Qual será o legado dessas mudanças quando a maior parte das pessoas estiver de volta aos escritórios? Os chefes vão continuar a vigiar os horários de entrada e saída de seus comandados? Para Engelhard, isso não deve mais acontecer e a mudança é definitiva. “As empresas estão funcionando desse jeito novo”, diz ele. “Duvido que exista um retrocesso neste jeito de trabalhar”.

Se isso de fato ocorrer, a figura do chefe chato pode não desaparecer do mapa – mas, de agora em diante, será muito mais difícil falar mal da chefia, assunto favorito nos cafezinhos do escritório. Êpa! E o espaço do cafezinho? Vai continuar a existir?

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