A era das tretas intermináveis
O antagonismo sempre criou discussões quase que eternas
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2021 às 14h24.
Aluizio Falcão Filho
Ontem, falei sobre uma quizumba séria em um grupo de WhastApp que tinha a política brasileira como tema principal. Mas um amigo, ao ler o texto, me alertou: “Você pensa que esse tipo de confusão existe apenas quando o assunto é político? Veja o que acontece entre Marvel e DC, Nikon e Canon, IOS e Android. Há batalhas igualmente sangrentas. Já vi tretas até entre usuários de diferentes simuladores de voo. Dá desgosto observar isso”.
Realmente, o antagonismo sempre criou discussões quase que eternas. Desde que me entendo por gente, por exemplo, há uma rixa entre torcedores dos grandes times de São Paulo e do Rio de Janeiro. É como se o desfile de argumentos – ainda que irrefutáveis – fosse trazer a luz sobre um torcedor de forma que ele virasse casaca. Como se sabe, isso dificilmente acontece – mas, para os fanáticos por futebol, a esperança é a última que morre. O resultado disso é que todos os torcedores do mundo tentam convencer os amigos de que o seu time é melhor que os demais.
Essa rivalidade entre tribos é muito chata. Mas fica ainda pior quando topamos com um catequista – estou falando daquele sujeito que acredita estar em uma espécie de missão catequizadora e que vai convencer os outros a adotar seu ponto de vista. O catequista é paciente no começo e perseverante. É aquele tipo de sujeito que gosta de viver pelo cansaço e pela insistência.
Quando vivíamos apenas em um mundo físico e analógico, o evangelizador contava apenas com sua presença física ou com um telefone para chegar a alguém que seria convertido. A vida de hoje, porém, se desenvolve também em telinhas de smartphones e de notebooks. Esse meio de comunicação deu um impulso novo aos debates por conta da grande capacidade de interação na internet.
Em primeiro lugar, dialogar através da escrita é algo que destrói a empatia que surge naturalmente em alguma conversa física ou pelo telefone. Tome-se como exemplo o Clubhouse, rede social que funciona apenas através de áudios. Há uma moderação evidente em todos os posts. Ninguém quer usar a própria voz para proferir insultos e cutucar os adversários. Mas, se essas pessoas estivessem escrevendo no ambiente antisséptico gerado pela tela de computador seriam bem mais agressivas.
A primeira vez que me deparei com uma discussão dessas foi há vinte anos, quando um conhecido gastou mais de uma hora tentando me convencer a trocar meu PC por um Mac. Eu dizia que só usava o computador para escrever e que me atrapalhava com os controles existentes na máquina da Apple para colocar o cedilha e os acentos. O sujeito não se deu por vencido e falava a interface gráfica, dos recursos de multimídia e outras coisas maravilhosas. Eu repetia: eu apenas escrevo no computador. Não preciso desses recursos. Veio mais uma onda de argumentos. Eu perguntei: quanto custa um Mac? Resposta: era três ou quatro vezes mais caro que um PC. Encerrei a discussão dizendo que não tinha dinheiro para isso. O rapaz pediu o meu endereço de e-mail, que forneci. Três dias depois, ele me mandou uma lista de lojas que vendiam aparelhos da Apple de segunda mão, a preços módicos.
Nem respondi, mas fiquei impressionado com a persistência desse sujeito. Hoje, imagino que ele tenha aberto uma revenda da Apple ou sido banido de vinte grupos de WhastApp, tamanha a insistência dele em bater na mesma tecla.
A defesa de um ponto de vista não me incomoda. Pelo contrário. Admiro quem argumenta em prol de suas convicções. O problema é a insistência e o descontrole. Esses são gatilhos que esgotam a paciência das pessoas. Entre ser importunadas e cometer um harakiri digital, o auto banimento passa a ser uma alternativa natural. Neste caso, o objetivo é um só: fazer quem o importuna sumir. É como um ditado que já ouvi de amigos americanos: “Algumas pessoas são como nuvens. Quando elas desaparecem, o dia fica ensolarado”.
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Aluizio Falcão Filho
Ontem, falei sobre uma quizumba séria em um grupo de WhastApp que tinha a política brasileira como tema principal. Mas um amigo, ao ler o texto, me alertou: “Você pensa que esse tipo de confusão existe apenas quando o assunto é político? Veja o que acontece entre Marvel e DC, Nikon e Canon, IOS e Android. Há batalhas igualmente sangrentas. Já vi tretas até entre usuários de diferentes simuladores de voo. Dá desgosto observar isso”.
Realmente, o antagonismo sempre criou discussões quase que eternas. Desde que me entendo por gente, por exemplo, há uma rixa entre torcedores dos grandes times de São Paulo e do Rio de Janeiro. É como se o desfile de argumentos – ainda que irrefutáveis – fosse trazer a luz sobre um torcedor de forma que ele virasse casaca. Como se sabe, isso dificilmente acontece – mas, para os fanáticos por futebol, a esperança é a última que morre. O resultado disso é que todos os torcedores do mundo tentam convencer os amigos de que o seu time é melhor que os demais.
Essa rivalidade entre tribos é muito chata. Mas fica ainda pior quando topamos com um catequista – estou falando daquele sujeito que acredita estar em uma espécie de missão catequizadora e que vai convencer os outros a adotar seu ponto de vista. O catequista é paciente no começo e perseverante. É aquele tipo de sujeito que gosta de viver pelo cansaço e pela insistência.
Quando vivíamos apenas em um mundo físico e analógico, o evangelizador contava apenas com sua presença física ou com um telefone para chegar a alguém que seria convertido. A vida de hoje, porém, se desenvolve também em telinhas de smartphones e de notebooks. Esse meio de comunicação deu um impulso novo aos debates por conta da grande capacidade de interação na internet.
Em primeiro lugar, dialogar através da escrita é algo que destrói a empatia que surge naturalmente em alguma conversa física ou pelo telefone. Tome-se como exemplo o Clubhouse, rede social que funciona apenas através de áudios. Há uma moderação evidente em todos os posts. Ninguém quer usar a própria voz para proferir insultos e cutucar os adversários. Mas, se essas pessoas estivessem escrevendo no ambiente antisséptico gerado pela tela de computador seriam bem mais agressivas.
A primeira vez que me deparei com uma discussão dessas foi há vinte anos, quando um conhecido gastou mais de uma hora tentando me convencer a trocar meu PC por um Mac. Eu dizia que só usava o computador para escrever e que me atrapalhava com os controles existentes na máquina da Apple para colocar o cedilha e os acentos. O sujeito não se deu por vencido e falava a interface gráfica, dos recursos de multimídia e outras coisas maravilhosas. Eu repetia: eu apenas escrevo no computador. Não preciso desses recursos. Veio mais uma onda de argumentos. Eu perguntei: quanto custa um Mac? Resposta: era três ou quatro vezes mais caro que um PC. Encerrei a discussão dizendo que não tinha dinheiro para isso. O rapaz pediu o meu endereço de e-mail, que forneci. Três dias depois, ele me mandou uma lista de lojas que vendiam aparelhos da Apple de segunda mão, a preços módicos.
Nem respondi, mas fiquei impressionado com a persistência desse sujeito. Hoje, imagino que ele tenha aberto uma revenda da Apple ou sido banido de vinte grupos de WhastApp, tamanha a insistência dele em bater na mesma tecla.
A defesa de um ponto de vista não me incomoda. Pelo contrário. Admiro quem argumenta em prol de suas convicções. O problema é a insistência e o descontrole. Esses são gatilhos que esgotam a paciência das pessoas. Entre ser importunadas e cometer um harakiri digital, o auto banimento passa a ser uma alternativa natural. Neste caso, o objetivo é um só: fazer quem o importuna sumir. É como um ditado que já ouvi de amigos americanos: “Algumas pessoas são como nuvens. Quando elas desaparecem, o dia fica ensolarado”.
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