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Uma geração ansiosa enfraquece a democracia e a economia de mercado

O psicólogo Jonathan Haidt mostra dados preocupantes acerca do aumento da ansiedade e depressão entre os jovens desde 2010

Ansiedade e coronavírus (Justin Paget/Getty Images)
Ansiedade e coronavírus (Justin Paget/Getty Images)
Claudio D. Shikida
Claudio D. Shikida

Publicado em 9 de setembro de 2024 às, 13h28.

Em seu último livro, A Geração Ansiosa, o psicólogo Jonathan Haidt mostra dados preocupantes acerca do aumento da ansiedade e depressão entre os jovens desde 2010. Sua explicação para o fenômeno tem dois pilares: (1) a progressiva restrição da liberdade das crianças desde os anos 90 e; (2) a introdução dos smartphones em 2010.  

A restrição à liberdade das crianças traduz-se em restrições para que as mesmas, por exemplo, brinquem juntas criando suas próprias regras. Também diz respeito ao desestímulo para que uma criança possa ir à padaria ou mercearia do quarteirão fazer compras por si só. No caso dos EUA o fenômeno é mais intrigante, já que, ao longo dos anos, a criminalidade vem caindo no país. O problema desta restrição é que ela tolhe o desenvolvimento de habilidades que os seres humanos usam para (con)viver em sociedade.  

Os smartphones, por sua vez, são deixados nas mãos de crianças e adolescentes sem qualquer supervisão - e qualquer um sabe como é fácil, para um menor de 18 anos, ter acesso a sites de bebidas alcoolicas ou pornográficos. Seu uso não estimula a concentração (há muitos relatos de jovens que não conseguem ler mais de 4 páginas de um livro sem se desconcentrar) e, a despeito dos jogos online entre desconhecidos, não há a criação de conexões tão fortes quanto as que desenvolvemos presencialmente.  

Concentração e conexões fortes com outros seres humanos são elementos básicos para a vida e para o trabalho em uma sociedade e as evidências que Haidt nos apresenta são, no mínimo, preocupantes. Embora a maior parte dos dados apresentados por ele digam respeito ao mundo anglo-saxão, suspeito que o fenômeno seja mundial e, portanto, suas consequências podem ser mais graves em países menos desenvolvidos - ou ‘emergentes’ que, aliás, nunca emergem totalmente (e haja oxigênio para suportar esta emergência sem fim). 

Recentemente, repercutiu o índice de criatividade aplicado no exame PISA de 2022 (PISA 2022 creativity thinking). O Brasil ficou em 44o, em uma amostra de 81 países. Obviamente, o otimista nos dirá que temos a chance de subirmos 37 posições. O problema é se nossas crianças e adolescentes têm o estoque de habilidades necessárias para fazê-lo rapidamente, pois de nada adianta chegarmos ao 1o lugar após um milhão de anos. A prosperidade do país é assunto mais que urgente e para isto é necessário que a produtividade aumente, o que significa que precisamos de inovações. Entretanto, sem concentração temos menos criatividade e, portanto, a inovação desacelera.  

O outro problema da epidemia de ansiedade apontada por Haidt é o precário desenvolvimento das relações humanas. Para vários jovens, é mais difícil viver em sociedade do que viver sozinho, em seu apartamento, dentro de sua bolha, sem muito contato com outros seres de sua espécie. Perde-se com isto a capacidade de usar eficientemente as informações dispersas que existem na sociedade. Embora a capacidade computacional tenha aumentado, o que faz com que o uso das informações seja eficiente não é a tecnologia em si, mas as trocas que realizamos em nosso dia-a-dia e estas dependem, em última instância, das interações humanas.  

Quando Hayek nos fala que preços sinalizam diferentes níveis de escassez, ele se refere às milhares de interações entre pessoas gerando ora mais oferta, ora mais demanda.  

Em uma sociedade na qual as pessoas não conseguem se comunicar bem - seja por analfabetismo funcional, seja por falta de traquejo social - é uma sociedade que não consegue usar os mercados de forma eficiente. Como consequências, temos uma sociedade menos ágil, menos tolerante (mais desconfiança do que confiança), presa fácil de intervenções governamentais igualmente precárias ou mesmo mal intencionadas (lembre-se que o burocrata, o político e o juiz são iguais a você, com os mesmos problemas apontados acima. A única diferença é a escolha profissional). 

Apelos à censura, ao cancelamento são mais facilmente aceitas em sociedades menos tolerantes e, como Haidt mostra, mudanças em como educamos as crianças podem criar um ambiente mais ou menos propício à intolerância. É uma outra forma de caminharmos voluntariamente para o que Hayek chamou de o caminho da servidão. Claro que é possível desviar para o caminho da prosperidade, mas, como o leitor deve ter percebido, não é uma tarefa fácil.