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The Network Society: A Revolução das Cidades Startups e a Inovação Governamental em Próspera

Entrevistamos Jean Hansen, produtor da série de documentários sobre cidades inovadoras, que estreia nesta quinta

Jean Hansen, produtor da série de documentários sobre cidades inovadoras (Luis Gomes/Divulgação)
Jean Hansen, produtor da série de documentários sobre cidades inovadoras (Luis Gomes/Divulgação)
Instituto Millenium
Instituto Millenium

Publicado em 21 de outubro de 2024 às, 16h40.

Última atualização em 21 de outubro de 2024 às, 16h41.

Uma parceria público-privada na administração de um município. Assim é Próspera, a primeira cidade startup do mundo, que é tema de um documentário que será lançado nesta quinta, em Jurerê Internacional, Florianópolis. Em São Paulo, o lançamento será no dia 29. Depois disso, o filme ficará disponível no Youtube.

Desenvolvida dentro da comunidade Ipê City, a série documental The Network Society explora o surgimento de sociedades startups, analisando o futuro da governança e inovações sociais possibilitadas pela adoção global de tecnologias descentralizadas. Próspera foi o território escolhido para o primeiro episódio.

Funciona assim: a organização privada - de mesmo nome - negocia um pequeno território em Honduras e pode construir sua cidade e definir suas próprias leis e frameworks regulatórios. Próspera foi o primeiro projeto aprovado e criou uma plataforma de governança moderna para atrair empresas inovadoras. “Nós acreditamos que a experimentação em pequena escala é o melhor modelo para descobrirmos as melhores práticas.”, disse Jean Hansen, fundador Ipê City e produtor da série de documentários.

A poucos dias da estreia, o Instituto Millenium conversou com Hansen. Confira abaixo.

Instituto Millenium - Fala um pouco de como sua jornada pessoal influenciou a iniciativa de produzir essa série de documentários.

Jean Hansen - Eu sou tecnólogo por formação e sempre fui fascinado pelo fenômeno das criptomoedas, principalmente o Bitcoin e o Ethereum. O que sempre me chamou a atenção foi a estrutura social descentralizada que permitiu a criação de uma moeda independente de agentes políticos ou entidades centralizadas passíveis de corrupção. Esse foi o embrião que me levou a estudar mais a fundo sobre tecnologias descentralizadas (incluindo a própria internet), aprender sobre as estruturas de governança dessas redes, e então conhecer as startup societies, que utilizam essas estruturas e conceitos para criar novas cidades e formas de gestão de bens públicos.

IM - Como foi o processo de escolha de Próspera como o foco do primeiro episódio? Que lições de governança e inovação você acha que esse projeto pode oferecer ao mundo?

JH - Próspera é a primeira startup city do mundo e o projeto mais impactante desse ecossistema. A ideia foi viabilizada após o governo de Honduras criar a lei das ZEDES (zonas de emprego e desenvolvimento econômico) que visa replicar o sucesso das zonas autônomas da Ásia (Dubai, Hong Kong, Shenzhen e outras) aqui no ocidente. Essa lei permite a parceria público-privada na criação e administração de municípios. A organização negocia um pequeno território em Honduras e pode construir sua cidade e definir suas próprias leis e frameworks regulatórios. Prospera foi o primeiro projeto aprovado e criou uma plataforma de governança super moderna para atrair empresas inovadoras.

A principal lição de Próspera está justamente na lei das ZEDEs. Esta é uma maneira muito eficaz de testar novos modelos de governança no país, sem precisar enfrentar o sistema imunológico da estrutura política atual com mudanças drásticas na constituição, evitando também impactos negativos em toda a população. Hoje em Honduras, além de Próspera, há outras 2 diferentes ZEDEs com abordagens totalmente diferentes. Por exemplo, Ciudad Morazan oferece residências de baixo custo e alta segurança para a base da pirâmide.

Essa estrutura de multi-jurisdições é uma excelente ferramenta de desenvolvimento econômico, e dá poder de escolha e liberdade para os cidadãos hondurenhos mudarem-se e trabalharem nessas regiões sob novas leis, ou simplesmente permanecerem em suas cidades atuais, no regime convencional de Honduras.

IM - Em sua opinião, como as "sociedades em rede" podem contribuir para resolver problemas globais como a pobreza crônica e as mudanças climáticas, conforme mencionado na série?

JH – Hoje, nossos sistemas de governança operam sob um ‘sistema operacional’ de mais de 150 anos. A capacidade de inovação dos governos é praticamente inexistente. A estrutura é muito grande, analógica, fechada, monopolista e burocrática. Quando vemos como as startups funcionam, sejam empresas, projetos opensource, protocolos em Blockchain, etc, elas são mais ágeis, abertas, interoperáveis entre si (APIs), transparentes e qualquer pessoa pode fundar uma, mesmo com ideias improváveis. Consequentemente, elas têm uma capacidade de inovação sem precedentes.

Se trouxermos essa mesma dinâmica para o sistema de governança, onde empreendedores possam criar novos modelos inovadores em regiões autônomas, veremos uma explosão de inovação para solucionar problemas. Desenvolvimento econômico é o mais óbvio, pois já vimos acontecer isso na Ásia repetidamente. Shenzhen, Singapura, Hong Kong e outras zonas autônomas, simplesmente por adotarem sistemas legais e regulatórios mais modernos e livres, foram capazes de superar a pobreza em poucas gerações, enquanto as outras cidades da região, sob mesmo clima, cultura, história, porém uma governança obsoleta, permaneceram na pobreza.

Quanto a mudanças climáticas, a lógica é a mesma, porém na direção de inovação. Com áreas autônomas e com a dinâmica ágil de startups, teremos maior capacidade de inovar e experimentar com novas tecnologias de redução de CO2 na atmosfera. Por exemplo, a The Ocean Cleanup é uma startup que está limpando os plásticos do oceano com robôs autônomos. Com mais liberdade poderemos multiplicar esses projetos no mundo.

IM - Como o documentário aborda a questão do equilíbrio entre liberdade individual e regulamentação estatal nos modelos de governança alternativos que vocês investigam?

JH - Nosso objetivo é mostrar as diferentes abordagens de governança que estão surgindo. Nós acreditamos que a experimentação em pequena escala é o melhor modelo para descobrirmos as melhores práticas. Quando um pequeno território, vazio, cria algo de valor, as pessoas vão querer se mudar para lá. Se aquela região não tiver um processo transparente e participativo de governança, abusando de seu poder, as pessoas serão motivadas a sair. Por isso, modelos de governança descentralizado, como vemos nas redes blockchains, são potenciais formas de gerir as cidades do futuro, pois alinha os interesses da gestão e dos residentes no longo prazo, criando um sistema de democracia em tempo real muito diferente das votações a cada 4 anos que vemos hoje, com baixíssimo engajamento e uma caixa preta na gestão dos recursos públicos.

IM - Acredita que o exemplo de Próspera será replicado? O que você aperfeiçoaria nessa cidade startup?

JH - A ideia de Próspera já está sendo replicada em outras regiões, como na região autônoma da Tanzânia, Zanzibar, na África. Há também iniciativas nos Emirados Árabes, Argentina e diversos outros países.

O projeto de Próspera tem um desafio político local muito grande. Países como Honduras, sem estabilidade legal e institucional, criam um ambiente incerto para as organizações que estão criando essas novas jurisdições. Por exemplo, após a posse do novo governo de extrema-esquerda, a presidente iniciou uma batalha para frear e até mesmo revogar o direito das ZEDEs no país. Próspera está numa disputa legal em tribunais internacionais para proteger os milhões investidos na região. Portanto, um aprendizado para qualquer projeto de zona especial, é otimizar as garantias legais de longo prazo, e criar um relacionamento forte com as comunidades e governos locais (prefeituras, estado etc).

IM - Já sabe onde será o próximo episódio?

JH - O próximo episódio será ainda em Próspera, mas sobre o projeto Vitalia, que está criando uma rede de distritos autônomos focados em pesquisa e desenvolvimento de biotecnologia para longevidade e rejuvenescimento. O primeiro distrito foi criado em próspera pela flexibilidade do sistema regulatório local. O terceiro episódio ainda em aberto, mas será ou na Argentina, para cobrir as regiões autônomas sendo criadas lá, no projeto Crecimiento e a pop-up city Aleph, ou em Singapura, para cobrir o projeto Network School liderado por Balaji Srinivasan, o autor do livro que mais influenciou a indústria recentemente, The Network State.