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O Brasil dos Entraves versus o Brasil da Liberdade Econômica

A exemplo da pandemia, bons gestores públicos combatem o desemprego desburocratizando as condições para que trabalhadores possam retomar suas vidas

(Leandro Fonseca/Exame)
Claudio D. Shikida

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 17 de abril de 2024 às 13h32.

Não há nada mais triste para mim e, creio, para você, leitor, do que ver portas cerradas e moradores de rua onde antes havia um comércio cheio de vida. Os dois anos de pandemia foram cruéis neste aspecto e é difícil computar quantas doenças e mortes derivaram do lockdown prolongado adotado no período. Em situações como esta, bons gestores públicos combatem o desemprego desburocratizando as condições para que trabalhadores e empreendedores possam retomar suas vidas.

Só que nem sempre é assim. No estudo da história econômica é comum verificar-se a existência de um fenômeno chamado de efeito deslocamento (no original: crowding out ). Este ocorre quando o governo disputa recursos produtivos com o setor privado ao invés de complementar seu potencial de geração de prosperidade. De forma resumida: a relação entre eles é de substituição e não de complementaridade - e a história brasileira pode ser analisada sob esta ótica.

Por exemplo, pense na informação, insumo básico para o sucesso de qualquer empreendimento. Como exposto, por exemplo, em História da Riqueza do Brasil , de Jorge Caldeira, a circulação de informações em Lisboa era muito mais restrita, ao contrário, por exemplo, do que ocorria na rival Londres. A vinda da Coroa para o Brasil, por exemplo, embora tenha trazido a imprensa, trouxe também a censura. O objetivo era que a Coroa, e somente ela, tivesse acesso à informação e pudesse gerenciar os recursos da colônia seguindo sua estratégia de obtenção de riqueza. Uma estratégia, aliás, compatível com sua visão de mundo na qual os homens de negócios eram vistos como inferiores na hierarquia social.

A independência teria significado a vitória do empreendedorismo brasileiro contra as restrições? Não exatamente. Como nos mostrou o professor William Summerhill, em seu - ainda não traduzido - Inglorious Revolution , o governo de Dom Pedro II empenhou-se na criação de instituições fiscais que lhe dessem a credibilidade necessária para tomar emprestado dentro e fora do país, mas não se preocupou em estimular o empreendedorismo privado. Aliás, uma de suas inovações institucionais ficou conhecida como “Lei dos Entraves”, de 1860, já que exigia a autorização do governo imperial para a abertura de qualquer sociedade anônima.

A história econômica brasileira, obviamente, passou por muitas mudanças ao longo dos séculos, mas permanece válido, a meu ver, o fato de que a relação entre governo e empreendedorismo é mais de desconfiança do que qualquer outra coisa. É verdade que a propaganda oficial não cansa de anunciar, sem modéstia alguma, de que o governo ‘promove’ o empreendedorismo, seja por meio de subsídios ou políticas públicas que, aliás, favorecem muito mais práticas ‘rent-seeking’ do que ‘profit-seeking’ ou, em bom português, incentiva muito mais os empresários a buscarem privilégios junto ao governo do que lhes dar um ambiente de negócios desburocratizado para que possam, de fato, empreender.

As evidências corroboram esta descrição pessimista da realidade brasileira? É notória a má colocação do país nos dois Índices de Liberdade Econômica (o da Heritage Foundation e o do Fraser Institute ). Também é de amplo conhecimento que os indicadores de ambiente de negócios do Brasil não são dos melhores. Você pode me dizer que estamos corrigindo isto nas escolas. Bem, os exames oficiais que, supostamente, medem o conhecimento transmitido às crianças e adolescentes (muitos deles filhos de empreendedores pequenos ou grandes), fornecem informações bastante contestáveis, para dizer o mínimo, sobre, por exemplo, o agronegócio. A visão do empreendedor é muito mais a de um peão - “que deve servir ao governo” (como recentemente afirmou o presidente da república) - do que a de um agente autônomo que pode e deve ganhar a vida servindo aos consumidores.

O leitor deve ter em mente que um ambiente de negócios mais livre significa que o Estado trabalha em prol do cidadão, o que é exatamente o oposto dos exemplos vistos. Um caso tristemente famoso foi noticiado em 2016, quando João Machado, um pequeno fabricante de queijos de Edealina-GO se matou diante da apreensão de toda sua produção feita por fiscais por alegada ‘falta de documentação’.

Cento e cinquenta e nove anos após a famigerada Lei dos Entraves, entrou em vigor, em 2019, a Lei de Liberdade Econômica que promove a desburocratização na abertura de pequenos negócios. Na prática, seus impactos dependem da aprovação, pelos entes subnacionais, de versões próprias da lei. Até recentemente (20 de março deste ano), os dados do liberdadeparatrabalhar.com.br, indicam que apenas 15 estados e 1305 municípios cumpriram esta etapa e as evidências preliminares, contudo, apontam para um impacto positivo da lei sobre a geração de empregos. Espero não só que a lei seja conhecida e implementada, mas também que mais estudos sejam feitos.

João Machado poderia estar vivo, se o Brasil da liberdade econômica fosse mais forte do que o dos entraves? Não tenho como responder a esta pergunta, mas imagino que se os gestores públicos tiverem a percepção correta sobre a importância da Lei de Liberdade Econômica, entenderão que é possível evitar casos tristes como este.

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Não há nada mais triste para mim e, creio, para você, leitor, do que ver portas cerradas e moradores de rua onde antes havia um comércio cheio de vida. Os dois anos de pandemia foram cruéis neste aspecto e é difícil computar quantas doenças e mortes derivaram do lockdown prolongado adotado no período. Em situações como esta, bons gestores públicos combatem o desemprego desburocratizando as condições para que trabalhadores e empreendedores possam retomar suas vidas.

Só que nem sempre é assim. No estudo da história econômica é comum verificar-se a existência de um fenômeno chamado de efeito deslocamento (no original: crowding out ). Este ocorre quando o governo disputa recursos produtivos com o setor privado ao invés de complementar seu potencial de geração de prosperidade. De forma resumida: a relação entre eles é de substituição e não de complementaridade - e a história brasileira pode ser analisada sob esta ótica.

Por exemplo, pense na informação, insumo básico para o sucesso de qualquer empreendimento. Como exposto, por exemplo, em História da Riqueza do Brasil , de Jorge Caldeira, a circulação de informações em Lisboa era muito mais restrita, ao contrário, por exemplo, do que ocorria na rival Londres. A vinda da Coroa para o Brasil, por exemplo, embora tenha trazido a imprensa, trouxe também a censura. O objetivo era que a Coroa, e somente ela, tivesse acesso à informação e pudesse gerenciar os recursos da colônia seguindo sua estratégia de obtenção de riqueza. Uma estratégia, aliás, compatível com sua visão de mundo na qual os homens de negócios eram vistos como inferiores na hierarquia social.

A independência teria significado a vitória do empreendedorismo brasileiro contra as restrições? Não exatamente. Como nos mostrou o professor William Summerhill, em seu - ainda não traduzido - Inglorious Revolution , o governo de Dom Pedro II empenhou-se na criação de instituições fiscais que lhe dessem a credibilidade necessária para tomar emprestado dentro e fora do país, mas não se preocupou em estimular o empreendedorismo privado. Aliás, uma de suas inovações institucionais ficou conhecida como “Lei dos Entraves”, de 1860, já que exigia a autorização do governo imperial para a abertura de qualquer sociedade anônima.

A história econômica brasileira, obviamente, passou por muitas mudanças ao longo dos séculos, mas permanece válido, a meu ver, o fato de que a relação entre governo e empreendedorismo é mais de desconfiança do que qualquer outra coisa. É verdade que a propaganda oficial não cansa de anunciar, sem modéstia alguma, de que o governo ‘promove’ o empreendedorismo, seja por meio de subsídios ou políticas públicas que, aliás, favorecem muito mais práticas ‘rent-seeking’ do que ‘profit-seeking’ ou, em bom português, incentiva muito mais os empresários a buscarem privilégios junto ao governo do que lhes dar um ambiente de negócios desburocratizado para que possam, de fato, empreender.

As evidências corroboram esta descrição pessimista da realidade brasileira? É notória a má colocação do país nos dois Índices de Liberdade Econômica (o da Heritage Foundation e o do Fraser Institute ). Também é de amplo conhecimento que os indicadores de ambiente de negócios do Brasil não são dos melhores. Você pode me dizer que estamos corrigindo isto nas escolas. Bem, os exames oficiais que, supostamente, medem o conhecimento transmitido às crianças e adolescentes (muitos deles filhos de empreendedores pequenos ou grandes), fornecem informações bastante contestáveis, para dizer o mínimo, sobre, por exemplo, o agronegócio. A visão do empreendedor é muito mais a de um peão - “que deve servir ao governo” (como recentemente afirmou o presidente da república) - do que a de um agente autônomo que pode e deve ganhar a vida servindo aos consumidores.

O leitor deve ter em mente que um ambiente de negócios mais livre significa que o Estado trabalha em prol do cidadão, o que é exatamente o oposto dos exemplos vistos. Um caso tristemente famoso foi noticiado em 2016, quando João Machado, um pequeno fabricante de queijos de Edealina-GO se matou diante da apreensão de toda sua produção feita por fiscais por alegada ‘falta de documentação’.

Cento e cinquenta e nove anos após a famigerada Lei dos Entraves, entrou em vigor, em 2019, a Lei de Liberdade Econômica que promove a desburocratização na abertura de pequenos negócios. Na prática, seus impactos dependem da aprovação, pelos entes subnacionais, de versões próprias da lei. Até recentemente (20 de março deste ano), os dados do liberdadeparatrabalhar.com.br, indicam que apenas 15 estados e 1305 municípios cumpriram esta etapa e as evidências preliminares, contudo, apontam para um impacto positivo da lei sobre a geração de empregos. Espero não só que a lei seja conhecida e implementada, mas também que mais estudos sejam feitos.

João Machado poderia estar vivo, se o Brasil da liberdade econômica fosse mais forte do que o dos entraves? Não tenho como responder a esta pergunta, mas imagino que se os gestores públicos tiverem a percepção correta sobre a importância da Lei de Liberdade Econômica, entenderão que é possível evitar casos tristes como este.

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