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Neutralidade de Rede no Brasil: Perspectivas de Carlos Manuel Baigorri

Em entrevista, Carlos Manuel Baigorri, presidente da Anatel, discute aspectos cruciais relacionados à neutralidade de rede no Brasil

Carlos Baigorri, presidente da Anatel (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 23 de janeiro de 2024 às 12h58.

Em uma entrevista concedida ao Instituto Millenium, Carlos Manuel Baigorri, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), discute aspectos cruciais relacionados à neutralidade de rede no Brasil. Com uma sólida formação em economia e uma trajetória extensa no setor de telecomunicações, Baigorri analisa os desafios de regulação da internet em um período marcado por intensos debates e avanços tecnológicos no setor.

Realizada em meio às discussões sobre a proposta de implementar uma "taxa de uso da rede", conhecida como " network fee " no jargão das empresas de internet e " fair share " no contexto das operadoras, a entrevista explora o impacto dessa possível taxa no mercado brasileiro. Baigorri também aborda sua relação com a neutralidade da rede, destacando exemplos como as práticas de zero-rating e a necessidade de equilibrar regulamentação e inovação.

A entrevista oferece uma visão abrangente sobre as políticas de telecomunicações no Brasil, trazendo informações valiosas para entender os desafios e as oportunidades no setor. As considerações de Baigorri fornecem um panorama para compreender as dinâmicas presentes e futuras no mercado de telecomunicações brasileiro.

Instituto Millenium: Quais foram os efeitos mais notáveis da neutralidade da rede no Brasil, tanto para o consumidor comum quanto para o mercado de telecomunicações e tecnologia? Há evidências de que a legislação atingiu seus objetivos pretendidos?

Carlos Manuel Baigorri: Sobre a neutralidade da rede no Brasil, posso afirmar que, na minha visão, essa medida não veio corrigir algo que estivesse errado. A rede de Internet e telecomunicação no Brasil sempre foi neutra, seguindo a legislação de telecomunicações que estabelece as redes como vias de livre circulação. Portanto, nunca enfrentamos problemas de neutralidade de rede no país. Pessoalmente, não percebo efeitos notáveis da neutralidade na rede no Brasil, já que ela não veio para corrigir algo que não funcionava; a rede já operava de maneira eficiente. Quanto aos objetivos da legislação, se eram de manter o status quo, foram alcançados, pois o status quo estava mantido. Em resumo, a neutralidade de rede, do ponto de vista prático, não representou uma inovação ou relevância significativa, uma vez que o conceito já existia e era aplicado no Brasil.

IM: No Brasil, algumas operadoras oferecem planos de zero-rating, permitindo acesso a aplicativos populares sem consumir dados. Como você avalia esta prática em relação ao princípio da neutralidade da rede? Quais podem ser os possíveis benefícios e desafios dessa abordagem para os usuários e para o mercado de internet como um todo?

CMB: Em relação ao zero-rating, após a implementação do Marco Civil da Internet, o Ministério Público Federal expressou preocupações sobre essa prática possivelmente violar a neutralidade da rede e fez uma denúncia ao CADE. Uma investigação foi iniciada, e a Anatel, entre outros órgãos, foi convidada a se manifestar. Após análise, a ANATEL concluiu que não existia conflito entre o zero-rating e a neutralidade da rede. Essa posição foi também adotada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), levando ao arquivamento da questão. Assim, a neutralidade de rede continua preservada. Na realidade, ela nunca esteve em risco no Brasil, nem antes da aprovação do Marco Civil da Internet, nem depois.

Para os usuários, o zero-rating é extremamente benéfico. Ele permite que pacotes de dados, tanto de planos pré-pagos quanto pós-pagos, durem mais, já que o uso de certos aplicativos não consome a franquia de dados. Assim, para o consumidor, essa prática traz apenas vantagens.

No entanto, existem desafios para o mercado como um todo. O zero-rating pode reforçar a posição dominante de aplicativos já estabelecidos, uma vez que, geralmente, os aplicativos que usufruem dessa prática são os que já possuem relevância no mercado. Do ponto de vista da concorrência, isso pode ser problemático. Quando o Marco Civil foi aprovado com o princípio da neutralidade de rede, havia a expectativa de que isso fomentaria o surgimento de competidores locais para gigantes como Google ou Facebook. No entanto, até agora, nenhum concorrente significativo surgiu. Assim, o zero-rating, ao reforçar as posições de mercado desses aplicativos dominantes, pode ter impactos concorrenciais relevantes.

IM: Como a evolução do mercado digital, com o deslocamento do poder de mercado para grandes plataformas digitais, afetou a relevância e a interpretação da neutralidade da rede no Brasil?​​

CMB: Quanto à evolução do mercado digital e seu impacto na neutralidade de rede, a neutralidade sempre foi, a meu ver, um conceito um tanto ambíguo, usado às vezes para promover competição, outras vezes para acesso à informação. Ele varia entre ser um princípio técnico e um princípio político, sem uma definição clara. Originalmente, a neutralidade de rede surgiu quando a internet era altamente descentralizada, na era da web 1.0, onde cada usuário criava seu próprio site e conteúdo.

Atualmente, com a ascensão de grandes plataformas digitais, a web 2.0 se tornou altamente concentrada nessas plataformas, como Alphabet (Google, YouTube) e Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), concentrando também o conteúdo em locais como o YouTube. Com essa mudança, o conceito de neutralidade de rede perdeu sua relevância, pois foi concebido para uma época que não existe mais, uma era romântica da internet de livre fluxo de comunicação e troca de informações. Agora, a internet é dominada por conglomerados que atuam como gatekeepers, decidindo o que é permitido ou não na rede. Portanto, a natureza descentralizada e democrática da internet cedeu lugar ao poder concentrado dessas grandes empresas, deixando a questão da neutralidade de rede um tanto deslocada nesse novo contexto.

IM: Como você acredita que a neutralidade da rede influencia a inovação e a competitividade no setor de tecnologia? Existe um ponto de equilíbrio ideal entre a regulação para garantir a neutralidade e a liberdade para inovação e competição entre empresas?

CMB: A meu ver, a neutralidade de rede é frequentemente percebida como um pilar fundamental da internet, tecnologia e inovação, mas, na realidade, não é bem assim. A neutralidade de rede é mais um princípio técnico de livre fluxo de informações, com uma influência muito sutil na inovação. Por exemplo, se considerarmos a China, um dos principais polos de inovação e tecnologia no mundo, incluindo hardware, software e inteligência artificial, veremos que lá não existe um conceito de neutralidade de rede. Por exemplo, o Google e o Facebook não são acessíveis na China. Portanto, na minha visão, a neutralidade de rede não tem uma relação direta com inovação ou competitividade. Na verdade, vejo a neutralidade de rede como um princípio fundamental que, paradoxalmente, acaba beneficiando grandes conglomerados de internet. Em resumo, a neutralidade de rede, como a concebo, é mais um privilégio comercial criado para corporações americanas, sem um impacto significativo na inovação ou competitividade.

IM: Olhando para a experiência de outros países, como a revogação e a possível reintrodução da neutralidade da rede nos EUA afetaram seu mercado e liberdade de internet? Quais lições podem ser aplicadas ao contexto brasileiro?

CMB: A situação nos EUA ilustra minha visão sobre a irrelevância da neutralidade de rede. Antes da criação do Open Internet Act, que introduziu a neutralidade de rede, a internet já existia nos Estados Unidos sem problemas significativos. Com a implementação dessa lei, não observamos mudanças concretas na realidade da internet no país ou globalmente. Depois, sob o governo Trump, a neutralidade de rede foi revogada pela FCC, e ainda assim, não houve alterações impactantes. Agora, há discussões sobre reintroduzir a neutralidade de rede. Se uma regulamentação é implementada, removida e potencialmente reintroduzida sem causar alterações substanciais, isso demonstra que é mais uma questão simbólica do que prática. O caso americano mostra claramente que a neutralidade de rede não tem efeito significativo; você pode introduzi-la ou removê-la sem mudar a realidade da internet. Portanto, considero-a irrelevante e sem utilidade prática. Isso sugere que, no contexto brasileiro, devemos questionar a relevância real e o impacto prático dessas políticas.

IM: Como você vê o atual debate sobre neutralidade de rede, especialmente considerando as discussões recentes na Europa sobre o zero-rating e cobranças de tráfego por grandes empresas de tecnologia, e como isso se reflete nas políticas e percepções no Brasil, especialmente no contexto da ANATEL e da evolução do mercado de telecomunicações em relação aos grandes conglomerados de internet?

CMB: Na Europa, há um debate sobre a possibilidade das empresas de telecomunicações cobrarem pelo tráfego gerado por empresas que representam uma grande parte dele. A discussão gira em torno de se grandes geradores de tráfego, como algumas empresas norte-americanas, deveriam contribuir para os custos de expansão e melhoria das redes. Essas empresas usam o argumento da neutralidade de rede para se opor a essa cobrança. No Brasil, a ANATEL está conduzindo discussões para avaliar diferentes obrigações para diferentes tipos de usuários, como usuários comuns e grandes geradores de tráfego como o Facebook ou o Google, que atualmente não pagam pelo uso da rede. Há um debate sobre se isso é justo ou não, e essas grandes empresas de internet frequentemente se apoiam no princípio da neutralidade de rede para defender seus interesses.

O ponto crucial é que a neutralidade de rede foi concebida em um contexto diferente, onde havia preocupação com o monopólio ou oligopólio das empresas de telecomunicações e a necessidade de proteger um ambiente de startups e unicórnios na internet. No entanto, a realidade hoje é outra. No Brasil, por exemplo, temos milhares de empresas de banda larga, mostrando um mercado de telecomunicações diversificado, enquanto o mercado de internet é dominado por poucos grandes conglomerados internacionais. Assim, quem se tornou o 'gatekeeper' da internet não são as empresas de telecomunicações, mas sim essas grandes empresas de internet. Elas agora têm o poder de decidir o que é permitido em suas plataformas, com base em termos de uso bastante flexíveis. Então, a realidade é que o debate sobre neutralidade de rede evoluiu para uma discussão sobre quem, de fato, controla o acesso e o conteúdo na internet.

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Em uma entrevista concedida ao Instituto Millenium, Carlos Manuel Baigorri, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), discute aspectos cruciais relacionados à neutralidade de rede no Brasil. Com uma sólida formação em economia e uma trajetória extensa no setor de telecomunicações, Baigorri analisa os desafios de regulação da internet em um período marcado por intensos debates e avanços tecnológicos no setor.

Realizada em meio às discussões sobre a proposta de implementar uma "taxa de uso da rede", conhecida como " network fee " no jargão das empresas de internet e " fair share " no contexto das operadoras, a entrevista explora o impacto dessa possível taxa no mercado brasileiro. Baigorri também aborda sua relação com a neutralidade da rede, destacando exemplos como as práticas de zero-rating e a necessidade de equilibrar regulamentação e inovação.

A entrevista oferece uma visão abrangente sobre as políticas de telecomunicações no Brasil, trazendo informações valiosas para entender os desafios e as oportunidades no setor. As considerações de Baigorri fornecem um panorama para compreender as dinâmicas presentes e futuras no mercado de telecomunicações brasileiro.

Instituto Millenium: Quais foram os efeitos mais notáveis da neutralidade da rede no Brasil, tanto para o consumidor comum quanto para o mercado de telecomunicações e tecnologia? Há evidências de que a legislação atingiu seus objetivos pretendidos?

Carlos Manuel Baigorri: Sobre a neutralidade da rede no Brasil, posso afirmar que, na minha visão, essa medida não veio corrigir algo que estivesse errado. A rede de Internet e telecomunicação no Brasil sempre foi neutra, seguindo a legislação de telecomunicações que estabelece as redes como vias de livre circulação. Portanto, nunca enfrentamos problemas de neutralidade de rede no país. Pessoalmente, não percebo efeitos notáveis da neutralidade na rede no Brasil, já que ela não veio para corrigir algo que não funcionava; a rede já operava de maneira eficiente. Quanto aos objetivos da legislação, se eram de manter o status quo, foram alcançados, pois o status quo estava mantido. Em resumo, a neutralidade de rede, do ponto de vista prático, não representou uma inovação ou relevância significativa, uma vez que o conceito já existia e era aplicado no Brasil.

IM: No Brasil, algumas operadoras oferecem planos de zero-rating, permitindo acesso a aplicativos populares sem consumir dados. Como você avalia esta prática em relação ao princípio da neutralidade da rede? Quais podem ser os possíveis benefícios e desafios dessa abordagem para os usuários e para o mercado de internet como um todo?

CMB: Em relação ao zero-rating, após a implementação do Marco Civil da Internet, o Ministério Público Federal expressou preocupações sobre essa prática possivelmente violar a neutralidade da rede e fez uma denúncia ao CADE. Uma investigação foi iniciada, e a Anatel, entre outros órgãos, foi convidada a se manifestar. Após análise, a ANATEL concluiu que não existia conflito entre o zero-rating e a neutralidade da rede. Essa posição foi também adotada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), levando ao arquivamento da questão. Assim, a neutralidade de rede continua preservada. Na realidade, ela nunca esteve em risco no Brasil, nem antes da aprovação do Marco Civil da Internet, nem depois.

Para os usuários, o zero-rating é extremamente benéfico. Ele permite que pacotes de dados, tanto de planos pré-pagos quanto pós-pagos, durem mais, já que o uso de certos aplicativos não consome a franquia de dados. Assim, para o consumidor, essa prática traz apenas vantagens.

No entanto, existem desafios para o mercado como um todo. O zero-rating pode reforçar a posição dominante de aplicativos já estabelecidos, uma vez que, geralmente, os aplicativos que usufruem dessa prática são os que já possuem relevância no mercado. Do ponto de vista da concorrência, isso pode ser problemático. Quando o Marco Civil foi aprovado com o princípio da neutralidade de rede, havia a expectativa de que isso fomentaria o surgimento de competidores locais para gigantes como Google ou Facebook. No entanto, até agora, nenhum concorrente significativo surgiu. Assim, o zero-rating, ao reforçar as posições de mercado desses aplicativos dominantes, pode ter impactos concorrenciais relevantes.

IM: Como a evolução do mercado digital, com o deslocamento do poder de mercado para grandes plataformas digitais, afetou a relevância e a interpretação da neutralidade da rede no Brasil?​​

CMB: Quanto à evolução do mercado digital e seu impacto na neutralidade de rede, a neutralidade sempre foi, a meu ver, um conceito um tanto ambíguo, usado às vezes para promover competição, outras vezes para acesso à informação. Ele varia entre ser um princípio técnico e um princípio político, sem uma definição clara. Originalmente, a neutralidade de rede surgiu quando a internet era altamente descentralizada, na era da web 1.0, onde cada usuário criava seu próprio site e conteúdo.

Atualmente, com a ascensão de grandes plataformas digitais, a web 2.0 se tornou altamente concentrada nessas plataformas, como Alphabet (Google, YouTube) e Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), concentrando também o conteúdo em locais como o YouTube. Com essa mudança, o conceito de neutralidade de rede perdeu sua relevância, pois foi concebido para uma época que não existe mais, uma era romântica da internet de livre fluxo de comunicação e troca de informações. Agora, a internet é dominada por conglomerados que atuam como gatekeepers, decidindo o que é permitido ou não na rede. Portanto, a natureza descentralizada e democrática da internet cedeu lugar ao poder concentrado dessas grandes empresas, deixando a questão da neutralidade de rede um tanto deslocada nesse novo contexto.

IM: Como você acredita que a neutralidade da rede influencia a inovação e a competitividade no setor de tecnologia? Existe um ponto de equilíbrio ideal entre a regulação para garantir a neutralidade e a liberdade para inovação e competição entre empresas?

CMB: A meu ver, a neutralidade de rede é frequentemente percebida como um pilar fundamental da internet, tecnologia e inovação, mas, na realidade, não é bem assim. A neutralidade de rede é mais um princípio técnico de livre fluxo de informações, com uma influência muito sutil na inovação. Por exemplo, se considerarmos a China, um dos principais polos de inovação e tecnologia no mundo, incluindo hardware, software e inteligência artificial, veremos que lá não existe um conceito de neutralidade de rede. Por exemplo, o Google e o Facebook não são acessíveis na China. Portanto, na minha visão, a neutralidade de rede não tem uma relação direta com inovação ou competitividade. Na verdade, vejo a neutralidade de rede como um princípio fundamental que, paradoxalmente, acaba beneficiando grandes conglomerados de internet. Em resumo, a neutralidade de rede, como a concebo, é mais um privilégio comercial criado para corporações americanas, sem um impacto significativo na inovação ou competitividade.

IM: Olhando para a experiência de outros países, como a revogação e a possível reintrodução da neutralidade da rede nos EUA afetaram seu mercado e liberdade de internet? Quais lições podem ser aplicadas ao contexto brasileiro?

CMB: A situação nos EUA ilustra minha visão sobre a irrelevância da neutralidade de rede. Antes da criação do Open Internet Act, que introduziu a neutralidade de rede, a internet já existia nos Estados Unidos sem problemas significativos. Com a implementação dessa lei, não observamos mudanças concretas na realidade da internet no país ou globalmente. Depois, sob o governo Trump, a neutralidade de rede foi revogada pela FCC, e ainda assim, não houve alterações impactantes. Agora, há discussões sobre reintroduzir a neutralidade de rede. Se uma regulamentação é implementada, removida e potencialmente reintroduzida sem causar alterações substanciais, isso demonstra que é mais uma questão simbólica do que prática. O caso americano mostra claramente que a neutralidade de rede não tem efeito significativo; você pode introduzi-la ou removê-la sem mudar a realidade da internet. Portanto, considero-a irrelevante e sem utilidade prática. Isso sugere que, no contexto brasileiro, devemos questionar a relevância real e o impacto prático dessas políticas.

IM: Como você vê o atual debate sobre neutralidade de rede, especialmente considerando as discussões recentes na Europa sobre o zero-rating e cobranças de tráfego por grandes empresas de tecnologia, e como isso se reflete nas políticas e percepções no Brasil, especialmente no contexto da ANATEL e da evolução do mercado de telecomunicações em relação aos grandes conglomerados de internet?

CMB: Na Europa, há um debate sobre a possibilidade das empresas de telecomunicações cobrarem pelo tráfego gerado por empresas que representam uma grande parte dele. A discussão gira em torno de se grandes geradores de tráfego, como algumas empresas norte-americanas, deveriam contribuir para os custos de expansão e melhoria das redes. Essas empresas usam o argumento da neutralidade de rede para se opor a essa cobrança. No Brasil, a ANATEL está conduzindo discussões para avaliar diferentes obrigações para diferentes tipos de usuários, como usuários comuns e grandes geradores de tráfego como o Facebook ou o Google, que atualmente não pagam pelo uso da rede. Há um debate sobre se isso é justo ou não, e essas grandes empresas de internet frequentemente se apoiam no princípio da neutralidade de rede para defender seus interesses.

O ponto crucial é que a neutralidade de rede foi concebida em um contexto diferente, onde havia preocupação com o monopólio ou oligopólio das empresas de telecomunicações e a necessidade de proteger um ambiente de startups e unicórnios na internet. No entanto, a realidade hoje é outra. No Brasil, por exemplo, temos milhares de empresas de banda larga, mostrando um mercado de telecomunicações diversificado, enquanto o mercado de internet é dominado por poucos grandes conglomerados internacionais. Assim, quem se tornou o 'gatekeeper' da internet não são as empresas de telecomunicações, mas sim essas grandes empresas de internet. Elas agora têm o poder de decidir o que é permitido em suas plataformas, com base em termos de uso bastante flexíveis. Então, a realidade é que o debate sobre neutralidade de rede evoluiu para uma discussão sobre quem, de fato, controla o acesso e o conteúdo na internet.

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