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Caso Israel vença, o que virá depois?

Nesta segunda, completamos um ano do terrível ataque do grupo Hamas em solo israelense

Nesta terça, completamos um ano do terrível ataque do grupo Hamas em solo israelense (AFP/AFP Photo)
Nesta terça, completamos um ano do terrível ataque do grupo Hamas em solo israelense (AFP/AFP Photo)
Colunistas EXAME
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Publicado em 8 de outubro de 2024 às, 11h32.

Última atualização em 8 de outubro de 2024 às, 16h29.

Por Adelson Vidal Alves

Nesta segunda, completamos um ano do terrível ataque do grupo Hamas em solo israelense. O covarde atentado deixou centenas de vítimas, mortas com requintes de crueldade, e também reféns, ainda hoje nas mãos da organização extremista. Israel respondeu atacando a Faixa de Gaza, onde ficam os combatentes do Hamas, e hoje tem pelo menos mais uma frente de guerra, contra o Hezbollah. 

Na Europa, uma outra guerra. Diferente dos conflitos no Oriente Médio, há aqui dois exércitos regulares em batalha. Em fevereiro de 2022, a Rússia do autocrata Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, e desde então luta para anexar territórios ucranianos. Tanto o conflito europeu quanto os que envolvem Israel tem uma motivação que vai além da simples ambição por territórios. 

Thomas Friedman escreveu recentemente um belíssimo artigo sobre esta questão, publicado no Brasil pelo jornal Estado de São Paulo. Penso exatamente como ele no texto, com uma diferença. Tenho dito que o grande conflito contemporâneo é entre as forças que valorizam a universalidade da democracia e defendem a Ordem internacional baseada em regras (que chamo de "eixo democrático") contra os países e organizações que relativizam a democracia e querem implodir pela força o atual sistema mundial (que chamo de "eixo autocrático). 

Friedman vai em uma linha mais ampla. Ele fala em uma "coalizão da inclusão", que inclui não só democracias, mas também ditaduras, como a Arábia saudita. Este grupo estaria unido pelo interesse na integração econômica. Fala também de uma "coalizão da resistência", onde estariam autocracias como Irã, China, Rússia e Coreia do Norte. O campo de batalha envolveria objetivos materiais, mas também visões geopolíticas distintas, versões civilizacionais incompatíveis. 

No Leste Europeu, a Rússia se sentia ameaçada com a aproximação da Ucrânia e o Ocidente. Os ucranianos optaram pela coalizão da inclusão, querendo ingresso na UE e na OTAN. Isso significaria o isolamento da Rússia, que partiu para uma guerra imperial bárbara e ilegal. Desde então o combate está entre um agressor imperialista que sonha restaurar suas fronteiras dos séculos passados contra uma nação independente que luta por sua soberania, apoiada pelas forças ocidentais da coalizão da inclusão. A Rússia tem ajuda das autocracias da China e da Coreia do Norte, inclusive para se livrar das sanções econômicas ocidentais. 

Voltemos ao Oriente Médio. A ofensiva de Israel contra o terror passou por vários momentos. O Estado judeu se viu envolvido em denúncias de genocídio, boicotes e protestos no mundo todo, e até mesmo dentro do próprio país. O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi acusado de ser incapaz de garantir a segurança de Israel e também de não conseguir recuperar os reféns que estão nas mãos do Hamas. Impopular e à beira de uma queda, o político de extrema-direita dobrou a aposta e expandiu a guerra a fim de construir um mínimo de unidade nacional e se manter no cargo. 

Aos poucos, a impopularidade devastadora parecia estar amenizada, depois de algumas consideráveis vitórias militares (ainda que perigosas, já que inevitavelmente produziriam uma resposta, como de fato aconteceu). As Forças de defesa de Israel conseguiram matar Ismail Haniyeh, lider do Hamas, assassinado no Irã. Depois foi a vez da liderança do Hezbollah, Hassan Nasrallah, que morreu no Líbano. Enquanto escrevia este artigo tropas israelenses ocupavam o sul libanês por terra, e tentavam garantir o retorno de 1 milhão de pessoas para o norte israelense, desalojadas por ameaças terroristas do Hezbollah. Porém, um ataque de foguetes contra Tel Aviv por parte do Irã intensificou a tensão na região, trazendo imprevisibilidade sobre os rumos do conflito. 

As vitórias militares de Israel podem desenhar uma sorte maior para o país em relação ao que aconteceu entre 1982 e 2000, quando Israel foi derrotado pelo Hezbollah. Hoje as condições são outras. Sobre Gaza, alguns atores internacionais falam em um novo governo, costurado politicamente com a Autoridade Palestina. Mas aqui mora um problema. Netanyahu, como já dissemos, precisa da guerra para sobreviver politicamente. 

A saída inteligente e óbvia para os conflitos seria a abertura de diálogo para a criação de um Estado Palestino controlado por forças moderadas. Só que o atual governo israelense tem bases extremistas que parecem não querer conversa. São adeptos da tese da Grande Israel, ou seja, imaginam um cenário onde predominará um Estado judeu do Mar mediterrâneo ao Rio Jordão. Semelhante pensamento está entre os fundamentalistas do lado palestino, que também querem um grande Estado do Rio ao Mar, ou seja, sem a existência de Israel. 

A criação do Estado palestino, com uma aproximação com a Arábia Saudita e outros países árabes, somando-se ao desgaste militar dos grupos terroristas inimigos, serviria para reaproximar a região da coalizão de inclusão. Acontece que esse tipo de política está longe do radar de Netanyahu e seus aliados messiânicos. Querem permanecer com o objetivo inalcançável de destruir o Hamas e o Hezbollah. Cometem crimes de guerra, ocupam território ilegal na Cisjordânia, e assim ganham o olhar de condenação internacional, quando tem hoje grande oportunidade de implementar uma rodada histórica de negociação de paz. 

Tudo bem que tudo isso não depende só de Israel. Os palestinos já recusaram vários acordos muito mais benéficos do que as condições atuais oferecem. Além disso, a ação do Irã ajuda a sabotar qualquer iniciativa diplomática por parte de Tel Aviv. 

Mas é preciso tentar. Nesse momento o Estado Judeu pode acenar a todos um novo acordo de paz com o estabelecimento de dois Estados, contornando as alternativas bélicas que oferecem ao mundo o medo de um conflito planetário. Resta saber se Netanyahu e sua coalizão extremista estão dispostos a fazer concessões e recuar para mesas de negociação ou se preferem antecipar o Armagedon. 

Adelson Vidal Alves é historiador, especialista em história contemporânea, colaborador da revista Política Democrática