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O que afasta as mulheres da liderança?

Há um argumento senso comum muito utilizado dentro e fora das empresas: o dilema trabalho vs família

Segundo pesquisa desenvolvida por Padavic, Ely e Reid (2020), a narrativa trabalho vs família é falaciosa (Ponomariova_Maria/Getty Images)
Segundo pesquisa desenvolvida por Padavic, Ely e Reid (2020), a narrativa trabalho vs família é falaciosa (Ponomariova_Maria/Getty Images)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

*Mariana Palandi M. Pacheco

A pergunta “por que há tão poucas mulheres na liderança?” é feita pelas empresas e por seus stakeholders a todo momento, especialmente na proximidade de datas importantes, como o Dia Internacional das Mulheres. Apesar de diversas pesquisas procurarem explicar tal fenômeno, há um argumento senso comum muito utilizado em rodas de conversa dentro e fora das empresas: o dilema trabalho vs família. De acordo com essa narrativa, como o trabalho e as obrigações familiares das mulheres (mas não dos homens) demandam muitas horas, as mulheres desistiriam da carreira (ou esta deixaria de ser tão importante).

Ocorre, no entanto, que, segundo pesquisa desenvolvida por Padavic, Ely e Reid (2020), a narrativa trabalho vs família é falaciosa e não se aplica aos casos concretos em que há poucas mulheres na liderança. Para desenvolvimento do estudo, os autores realizaram pesquisa envolvendo uma empresa global de consultoria de médio porte que buscava entender como a sua cultura poderia estar prejudicando o sucesso profissional das mulheres. Como outras consultorias, seu quadro de funcionários era dominado por homens, especialmente nos cargos de liderança, com homens representado 70% dos associados, 77% dos associados seniores e 90% dos sócios. A hipótese dos sócios da consultoria era a de que o dilema trabalho vs família afastava as mulheres dos cargos de liderança.

O artigo baseia-se em dados coletados ao longo de 18 meses por meio de entrevistas realizadas com consultores envolvendo uma série de perguntas abertas cobrindo alguns tópicos como: (i) percepções sobre o que é preciso para ter sucesso na empresa e desafios específicos que as mulheres podem enfrentar; (ii) explicações de porque a taxa de avanço das mulheres na carreira são mais lentas do que a dos homens; e (iii) relatos pessoais de como os consultores enfrentam seus desafios profissionais.

A partir das análises realizadas, os dados indicaram que, ao contrário do que a hipótese principal sugeria, o que estava afastando as mulheres da liderança era a cultura da empresa, que incentivava o dispêndio de muitas horas de trabalho, incluindo horas nos finais de semana, em trabalhos considerados pelos consultores como desnecessários. Essa cultura, descobriram os pesquisadores, impactava tanto as mulheres quanto os homens. No entanto, no caso das mulheres, algumas acomodações e push backs geravam efeitos negativos e custavam o desenvolvimento na carreira.

Entre as acomodações, era incentivado que as mulheres trabalhassem meio período, o que as estigmatizava, reforçando a concepção equivocada de que é difícil equilibrar a dedicação entre família e trabalho. O estudo demonstra que as mulheres que aceitaram tais acomodações saíram do plano de carreira dos sócios, enquanto as que não aceitaram continuaram na trilha de liderança. Outro aspecto diz respeito à reputação das mães que eram sócias. Enquanto o esperado pelos autores era de que as mães sócias seriam exemplos a serem seguidos, pois conseguiram sucesso profissional a despeito do mito trabalho vs família, o que se observou é que elas eram rotuladas entre os entrevistados como uma mãe ruim. Com isso, para as consultoras mais juniores, ser uma boa mãe e ser uma excelente profissional parecia uma ideia utópica, fazendo com que questionassem se o comprometimento com o trabalho realmente valeria a pena.

Resultados como esses trazem algumas indagações, como, por exemplo, “por que, mesmo as pesquisas indicando que trabalhar mais horas não aumenta a produtividade, as empresas insistem em adotar tais culturas?”. É possível que os incentivos que as empresas acham que dão às funcionárias como benefício podem não gerar os resultados esperados. Daí a importância de procurar por evidências através de pesquisas e análises críticas.

 A autora

Mariana Palandi M. Pacheco é mestre em Administração de Empresas pelo Insper e Bacharel em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui experiência em estratégia de negócios e finanças corporativas, além de estudar e pesquisar temas relacionados à agenda ESG. Atualmente, atua como consultora na Tendências Consultoria.