Descarbonização global: um grande desafio que pode ser viável
A redução do aquecimento global só será atingida se houver descarbonização da indústria de base e do transporte, grandes emissores de gases de efeito estufa
Da Redação
Publicado em 19 de outubro de 2022 às 08h00.
Por Andrea M. A. F. Minardi*
Acreditava-se que era tecnicamente inviável ou proibitivamente caro cortar essas emissões, mas a evolução econômica e os avanços tecnológicos mostram que pode ser possível. A introdução de metas mais claras de emissões, como já começa a acontecer na Europa, o aumento do preço de carbono e a maior disponibilidade dos consumidores a pagar mais por produtos verdes reduzem a desvantagem de custo dos novos processos produtivos com baixa emissão de carbono. Já existem inúmeros projetos que comercializam tecnologia de redução de emissão de carbono na indústria de base e começa a ser possível vislumbrar os caminhos que permitirão às empresas atingir a meta de carbono neutro em 2050.
A indústria de aço é uma das que está mais avançada nessa agenda, com um mix de alternativas de tecnologias apropriadas a diferentes geografias. A h2Green Stell (h2gs), uma startup europeia, está implementando um projeto de€4 bilhões em Boden, na Suécia, que combina tecnologias comprovadas em larga escala [i]. Está construindo uma das maiores unidades mundiais de eletrólise para produção de hidrogênio verde, que será bombeado num reator para alimentar um processo chamado de redução direta, que dispensa o uso de coque de carvão na produção de aço. Existem vários outros projetos para descarbonizar a produção primária de aço [ii], como reformas de alto fornos para uso de energia limpa com eficiência energética ou conversão para unidades de redução direta, ambas soluções envolvendo captura seguida de estocagem de dióxido de carbono ou sequestro das emissões residuais por abatedouros como florestas. A produção secundária a partir de sucata de aço também avança e pode responder por 40% da produção total de aço até 2050.
A indústria cimenteira aposta em tecnologias como substituição de combustível fóssil por biomassa ou outras formas de eletricidade verde no aquecimento de calcário para produção de cimento, captura e estocagem de gás carbônico e desenvolvimento de novos tipos de cimento de baixo carbono, alguns a partir de economia circular. A indústria química enfrenta maiores dificuldades, pois uma boa parte de seus produtos é derivada de hidrocarboneto. Mesmo assim, há projetos e soluções em andamento. Em 2021, a Dow Química anunciou um plano de transformar o complexo de etileno de Alberta, Canadá, em carbono zero [iii]. Esse projeto envolve eletrólise dos gases emitidos no craqueamento para geração de hidrogênio, que servirá de energia para toda a unidade, e a captura e estocagem do gás carbônico. Essa transição reduzirá em 20% as emissões de carbono escopos 1 e 2 da Dow até 2030. Existem vários projetos semelhantes feitos por concorrentes, muitos deles em colaboração. Há também investimentos em reciclagem de plástico para produção secundária e desenvolvimento de plástico verde, feito de subprodutos agrícolas ao invés de petróleo. Em outros setores, existem inúmeros projetos também nesse sentido, como iniciativas para desenvolvimento de combustível de baixo carbono para aviação, transformação de poços inativos de petróleo em unidades de armazenagem do carbono capturado e conversão de plataformas de produção de petróleo em operações de turbinas eólicas marítimas.
Entretanto, ainda existe grande dificuldade em gerar projetos de descarbonização em larga escala. Será necessário um investimento volumoso no desenvolvimento de infraestrutura. A geração e distribuição de energia limpa precisa ganhar escala. O custo da produção verde atualmente é muito alto se comparado com a tradicional – por exemplo, no caso do aço verde, duas ou três vezes mais caro. Por isso, é essencial orquestrar a colaboração de vários elos. Cadeias de valor inteiras terão que ser transformadas. A colaboração entre empresas, universidades e unidades de fomento são essenciais para desenvolvimento de tecnologia. Governos precisam fomentar e regular a construção da infraestrutura, de limites de emissões e comércio dos créditos de carbono. Consumidores precisam valorizar soluções mais verdes e penalizar grandes emissores que não estão fazendo a transição, assim como bancos e investidores institucionais aumentar o volume de financiamento de modelos sustentáveis. Soluções blended, que combinam capital concessional e privado, são necessárias para financiar vários projetos. Já existem algumas iniciativas que orquestram essas parcerias e esforços como, por exemplo, o fundo de venture capital Breakthrough Energy [iv] e a Mission Possible Partnership, o que dá esperança de que os desafios e obstáculos para viabilizar essa transição sejam superados.
* Andrea Minardi é professora do Insper. Leciona e pesquisa ativos alternativos e finanças sustentáveis. Em 2018, seu nome foi incluído no “Women to Watch: Beyond the Deal” pelo WSJ por sua contribuição com a indústria de Private Equity no Brasil.
[i] Link: https://www.economist.com/business/2022/09/19/can-europe-decarbonise-its-heavy-industry
[ii] Link: https://missionpossiblepartnership.org/wp-content/uploads/2022/09/Making-Net-Zero-Steel-possible.pdf
[iii] Link: https://www.prnewswire.com/news-releases/dow-announces-plan-to-build-worlds-first-net-zero-carbon-emissions-ethylene-and-derivatives-complex-301393405.html
[iv] Link: https://www.breakthroughenergy.org/
Por Andrea M. A. F. Minardi*
Acreditava-se que era tecnicamente inviável ou proibitivamente caro cortar essas emissões, mas a evolução econômica e os avanços tecnológicos mostram que pode ser possível. A introdução de metas mais claras de emissões, como já começa a acontecer na Europa, o aumento do preço de carbono e a maior disponibilidade dos consumidores a pagar mais por produtos verdes reduzem a desvantagem de custo dos novos processos produtivos com baixa emissão de carbono. Já existem inúmeros projetos que comercializam tecnologia de redução de emissão de carbono na indústria de base e começa a ser possível vislumbrar os caminhos que permitirão às empresas atingir a meta de carbono neutro em 2050.
A indústria de aço é uma das que está mais avançada nessa agenda, com um mix de alternativas de tecnologias apropriadas a diferentes geografias. A h2Green Stell (h2gs), uma startup europeia, está implementando um projeto de€4 bilhões em Boden, na Suécia, que combina tecnologias comprovadas em larga escala [i]. Está construindo uma das maiores unidades mundiais de eletrólise para produção de hidrogênio verde, que será bombeado num reator para alimentar um processo chamado de redução direta, que dispensa o uso de coque de carvão na produção de aço. Existem vários outros projetos para descarbonizar a produção primária de aço [ii], como reformas de alto fornos para uso de energia limpa com eficiência energética ou conversão para unidades de redução direta, ambas soluções envolvendo captura seguida de estocagem de dióxido de carbono ou sequestro das emissões residuais por abatedouros como florestas. A produção secundária a partir de sucata de aço também avança e pode responder por 40% da produção total de aço até 2050.
A indústria cimenteira aposta em tecnologias como substituição de combustível fóssil por biomassa ou outras formas de eletricidade verde no aquecimento de calcário para produção de cimento, captura e estocagem de gás carbônico e desenvolvimento de novos tipos de cimento de baixo carbono, alguns a partir de economia circular. A indústria química enfrenta maiores dificuldades, pois uma boa parte de seus produtos é derivada de hidrocarboneto. Mesmo assim, há projetos e soluções em andamento. Em 2021, a Dow Química anunciou um plano de transformar o complexo de etileno de Alberta, Canadá, em carbono zero [iii]. Esse projeto envolve eletrólise dos gases emitidos no craqueamento para geração de hidrogênio, que servirá de energia para toda a unidade, e a captura e estocagem do gás carbônico. Essa transição reduzirá em 20% as emissões de carbono escopos 1 e 2 da Dow até 2030. Existem vários projetos semelhantes feitos por concorrentes, muitos deles em colaboração. Há também investimentos em reciclagem de plástico para produção secundária e desenvolvimento de plástico verde, feito de subprodutos agrícolas ao invés de petróleo. Em outros setores, existem inúmeros projetos também nesse sentido, como iniciativas para desenvolvimento de combustível de baixo carbono para aviação, transformação de poços inativos de petróleo em unidades de armazenagem do carbono capturado e conversão de plataformas de produção de petróleo em operações de turbinas eólicas marítimas.
Entretanto, ainda existe grande dificuldade em gerar projetos de descarbonização em larga escala. Será necessário um investimento volumoso no desenvolvimento de infraestrutura. A geração e distribuição de energia limpa precisa ganhar escala. O custo da produção verde atualmente é muito alto se comparado com a tradicional – por exemplo, no caso do aço verde, duas ou três vezes mais caro. Por isso, é essencial orquestrar a colaboração de vários elos. Cadeias de valor inteiras terão que ser transformadas. A colaboração entre empresas, universidades e unidades de fomento são essenciais para desenvolvimento de tecnologia. Governos precisam fomentar e regular a construção da infraestrutura, de limites de emissões e comércio dos créditos de carbono. Consumidores precisam valorizar soluções mais verdes e penalizar grandes emissores que não estão fazendo a transição, assim como bancos e investidores institucionais aumentar o volume de financiamento de modelos sustentáveis. Soluções blended, que combinam capital concessional e privado, são necessárias para financiar vários projetos. Já existem algumas iniciativas que orquestram essas parcerias e esforços como, por exemplo, o fundo de venture capital Breakthrough Energy [iv] e a Mission Possible Partnership, o que dá esperança de que os desafios e obstáculos para viabilizar essa transição sejam superados.
* Andrea Minardi é professora do Insper. Leciona e pesquisa ativos alternativos e finanças sustentáveis. Em 2018, seu nome foi incluído no “Women to Watch: Beyond the Deal” pelo WSJ por sua contribuição com a indústria de Private Equity no Brasil.
[i] Link: https://www.economist.com/business/2022/09/19/can-europe-decarbonise-its-heavy-industry
[ii] Link: https://missionpossiblepartnership.org/wp-content/uploads/2022/09/Making-Net-Zero-Steel-possible.pdf
[iii] Link: https://www.prnewswire.com/news-releases/dow-announces-plan-to-build-worlds-first-net-zero-carbon-emissions-ethylene-and-derivatives-complex-301393405.html