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Não tenha medo de experimentar novas aventuras, afirma Christiane Berlinck

Conheça a história de Christiane Berlinck Chief human resources officer (CHRO) no Grupo OLX

Fabiana Monteiro
Fabiana Monteiro

Publicado em 8 de março de 2024 às, 15h50.

Sou natural do Rio de Janeiro, filha mais velha de uma família de três irmãos. Meu pai era engenheiro de formação, mas não exercia a profissão. Ele era empreendedor e a vida toda atuou por conta própria, em outro nicho; já minha mãe era dentista, não tinha consultório e era professora universitária em tempo integral.  

Ambos trabalhavam muito, e desfrutávamos naquele momento de uma vida confortável, mas sem grandes luxos. Não tínhamos o hábito de viajar nem momentos de lazer. A aspiração para ter acesso a este tipo de vivência motivou-me a ingressar no mercado de trabalho antes da maioridade. Por volta dos 14 anos comecei a trabalhar como mentora no colégio, dando aulas particulares para crianças, buscando aprender e, ao mesmo tempo, compartilhar conhecimentos. Sempre fui a entusiasta dos estudos. Desde jovem, era aluna dedicada, que estudava bastante todas as matérias, sendo matemática a disciplina predileta.  

O tempo passou, e em 1995 ingressei na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com uma afinidade natural para números, escolhi o curso de graduação em Engenharia de Produção. Mas ainda não tinha uma profissão específica em mente.  

E foi nesta época, ainda com muitas incertezas, que passei por um dos momentos mais tempestuosos da minha vida. Meu pai, uma pessoa superativa, sofreu um AVC e ficou em coma por seis meses. Depois desse período, precisou de cuidados médicos para se movimentar, alimentar e fazer as atividades básicas do dia a dia. Ele acabou perdendo o que tinha financeiramente e essa experiência impactante moldou a minha visão sobre família e união. Mesmo com as dificuldades financeiras resultantes dessa situação, conseguimos superar os obstáculos que surgiram pelo caminho, com trabalho extra e vendendo itens em casa para ajudar na recuperação de meu pai. Foi nessa época que aprendi sobre economia circular. Nossa família se fortaleceu como nunca e este acontecimento contribuiu para a minha formação como pessoa. 

Oportunidades podem surgir de onde você menos espera 

Entrei como estagiária na IBM, e após concluir a graduação, em 2000, iniciei a carreira profissional como analista financeira na mesma empresa. Três anos depois do início da minha jornada profissional, surgiu uma oportunidade única para o primeiro assignment internacional, no México. Estava com 26 anos na época e iria liderar toda a área de crédito na IBM México. Aceitei sem hesitar 

Entretanto, sabia que, em meio a toda essa transição, havia muitos pontos a serem trabalhados. Estava deixando a casa onde nasci enfrentando uma delicada situação familiar, o que tornou esse período ainda mais complexo. No entanto, esse movimento representou o primeiro passo em direção à independência que, até então, não havia experimentado. Além disso, o convite para morar no México surpreendeu também o relacionamento com Luiz, hoje meu esposo. Na época, estávamos juntos há apenas alguns meses, mas ele resolveu embarcar comigo e encarar essa mudança juntos, me apoiando nesta nova etapa repleta de desafios. 

A princípio, o planejado era ficar no México por seis meses, período que se estendeu para três anos. Fui incumbida de lidar com fraudes, implementar processos e ferramentas, formar uma nova equipe e treinar um substituto. Após essa oportunidade enriquecedora, retornei ao Brasil. Nesta ocasião, acabei optando por migrar para uma área que gostava muito: Operações de negócio. Essa transição proporcionou uma ampla visão sistêmica, indo muito além do que a faculdade ou o cotidiano de uma função tradicional poderia oferecer. 

Paralelamente a essas experiências, eu e o Luiz ponderamos sobre a hora certa de ter um filho. Sempre fui planejada, priorizando metas profissionais antes de iniciar uma família, garantindo uma base sólida e uma rede de apoio. Ao mesmo tempo, almejava uma posição de destaque na IBM, mais precisamente para o cargo de chief operating officer (COO) da IBM Brasil. Fiz todo o processo seletivo, e recebi a notícia de que fui aprovada. Mas não iria assumir imediatamente, porque havia outra pessoa ainda ocupando a função. Portanto, deveria esperar que houvesse o movimento necessário de apropriar-me da tão sonhada cadeira 

Porém, o destino me reservava algo maior. Digo isso porque, durante este tempo, engravidei e entrei em licença-maternidade. E justamente nesta época o posto que almejava ficou vago. Como não seria possível a empresa aguardar o meu retorno, a vaga acabou sendo ocupada por outra pessoa. Surgiram preocupações, inseguranças, mas não havia nada que eu pudesse fazer para mudar o quadro. Assim, aproveitei para vivenciar plenamente a maternidade.  

E foi o que eu fiz. Vivenciei os seis meses de licença com muita felicidade, e pouco antes de retornar fui surpreendida com uma notícia inusitada: a oportunidade para ingressar na área de Recursos Humanos da IBM, algo que nunca imaginei nem planejei. A proposta, vinda do líder global de recrutamento e seleção, abria portas para uma posição executiva. Percebi o potencial dessa oportunidade, e ao ingressar na área de pessoas, deparei-me com uma fascinante interseção entre aspectos técnicos e comportamentais. Estudei intensivamente sobre liderança, neurociência, cultura e comunicação, e descobri um mundo que não conhecia. 

Foram 22 anos de carreira na IBM. Não foi linear nem monótona! Cada fase foi repleta de movimento, aprendizado, conquistas e satisfação. Transicionar de carreiras algumas vezes me deu a possibilidade de ter um olhar mais sistêmico, executivo e mais complementar.  

Gravidez e ambiente corporativo: falta de políticas públicas que demanda planejamento  

Depois que passei pela maternidade, pude perceber que ainda estamos longe de alcançar uma compreensão plena sobre o papel da mulher na sociedade, não apenas no âmbito empresarial, mas em todos os setores. Devido a essa falta de entendimento, ainda não vemos políticas públicas eficazes, programas adequados ou uma cultura que apoie verdadeiramente as mulheres, ajudando-as a conciliar maternidade e carreira, sem sofrerem prejuízos.  

Na maioria das famílias, a responsabilidade pelo cuidado ainda recai majoritariamente sobre as mulheres, seja em relação aos filhos, aos irmãos ou aos pais. Será difícil avançar enquanto esse cenário não mudar. Países mais desenvolvidos, com políticas públicas mais igualitárias entre homens e mulheres, incluindo licenças parentais compartilhadas, tendem a ter uma igualdade de gênero mais forte no ambiente corporativo e econômico. No entanto, essa é uma questão complexa e que ainda precisa ser enfrentada de forma mais inclusiva e eficaz. 

Por isso é tão importante planejar a carreira e ao mesmo tempo estar aberta às oportunidades. Afinal, estar tão concentrada em seguir o plano, pode acabar deixando passar o que está ao seu alcance naquele momento. É importante termos consciência de que não estaremos totalmente preparadas para tudo. O verdadeiro aprendizado vem de se jogar nas oportunidades. É claro que capacitações ajudam e são necessárias, mas a bagagem válida vem da experiência vivida, ou seja, é importante ponderar sobre o conhecimento teórico versus a prática. É dessa maneira que se constrói a verdadeira experiência. No final das contas, só podemos dizer que fizemos algo, se realmente o tivermos feito e vivido.  

Treine o olhar e aprenda a visualizar o que não é dito 

O maior desafio quando iniciei no RH foi compreender que nem tudo o que é importante, é explícito. Muitas decisões são tomadas por razões que vão além da lógica, e são influenciadas por personalidades, medos, desejos e contextos. Descobrir isso foi como abrir os olhos para uma realidade submersa, cheia de nuances e complexidades que são cruciais para o sucesso de qualquer organização. 

A parte que mais me marcou, dentro deste contexto, foi perceber a importância da cultura e do comportamento dentro das organizações. Era algo que subestimava, mas que, na verdade, impulsiona o funcionamento perfeito de uma empresa, ou o contrário. São esses elementos que direcionam o curso das coisas. Lembro-me vividamente de uma experiência marcante durante minha primeira reunião do conselho como diretora de RH na IBM Brasil. 

A maioria das pautas discutidas tinha uma lógica clara e era facilmente aprovada. No entanto, quando tentei introduzir o assunto de um novo código de vestimenta, a reunião terminou abruptamente. Foi um choque perceber que, apesar do discurso, ainda não estávamos prontos para liderar certas mudanças. Foi nesse momento que entendi que precisaria focar mais no que não é dito, em trabalhar mais cultura e liderança do que questões mais tangíveis, como processos e regulamentos. 

Tive que repensar meu modelo mental e abordagens. E se não fosse capaz de lidar com esses aspectos mais sutis da liderança, não conseguiria alcançar resultados significativos. Aprendi que, embora sejam chamados de soft, esses parâmetros são, na verdade, os mais profundos e fundamentais, que moldam a verdadeira essência de uma organização.  

Aprendizado contínuo e adaptabilidade de mãos dadas 

Quando falamos em líder e liderado, considero algumas particularidades essenciais para ambos os lados. E a primeira que posso citar, seria sobre ter a capacidade de se adaptar, ter flexibilidade cognitiva e estar aberto à mudança. Para exemplificar melhor, penso nos 4 Qs existentes, que são: QI (quociente de inteligência), QE (quociente emocional), QA (quociente de adaptabilidade) e QP (quociente de positividade).  

Aprender continuamente também é extremamente importante, porque tudo está se atualizando com rapidez. Portanto, adaptar-se às transformações do tempo e do contexto é fundamental. Caso contrário, fica difícil evoluir e continuar sendo relevante. A inteligência artificial, por exemplo, era discutida há cinco anos, e hoje está integrada à nossa realidade. Daqui a dez anos, esta ferramenta será ainda mais presente no contexto das organizações, e quem não acompanhar essa evolução se tornará obsoleto. 

Cada pessoa da organização importa  

voz aos diferentes setores da empresa e mantenha o engajamento para que a equipe trabalhe unida e dedicada. Isso é benéfico para todos. Uma abordagem eficaz consiste em ouvir todos e trabalhar com o uso de tecnologia e dados. Esse é o lado engenheira falando. Ao selecionar apenas alguns grupos, não estamos ampliando nossa escuta para todos os tipos de profissionais, perfis e níveis. E, ao fazermos isso, podemos entender o que é estratégico para todos.  

A integração entre aspectos humanos e tecnológicos permite acompanhar a evolução e verificar se estamos realmente promovendo as mudanças necessárias. Muitas vezes, trabalhar apenas com base em intuições pode resultar em ações que não trarão benefícios reais, resultando em desperdício de tempo e energia. Portanto, ser capaz de identificar as principais necessidades e concentrar nossos esforços em ações que podem realmente fazer a diferença terá um impacto significativo e positivo. 

Encarando as mudanças na chegada ao Grupo OLX 

Minha entrada no Grupo OLX foi realmente fascinante. Eu buscava a oportunidade de trabalhar em uma empresa digital, mais jovem e sem tantos vínculos com o passado. Foi como um sopro de energia poder entrar em uma indústria que não conhecia, com pessoas completamente diferentes. Aprendi muito sobre a cultura da organização, experimentando uma nova forma de trabalho em uma empresa com uma dimensão oposta ao que estava acostumada.  

Posso mencionar outros exemplos dessas mudanças como os estilos de liderança e governança, os processos, a linguagem, a comunicação e até mesmo a forma de buscar informações. As estruturas de poder e as negociações também tinham suas peculiaridades, bem como a forma de apresentar o trabalho e o tipo de feedback que os líderes adotavam. Tudo era completamente distinto dos padrões que conhecia.  

E todas estas novidades têm sido extremamente gratificantes, pois aprendi novas habilidades e me vi questionando sobre os próprios hábitos e vícios de pensamento e comportamento. Percebi que soluções que funcionavam antes, talvez não se aplicassem aqui, e precisaria repensar abordagens para resolver problemas similares. Meu principal desafio, atualmente, é estabelecer uma cultura de alto desempenho.  

Economia circular: o caminho do futuro em prol da sustentabilidade  

A economia circular foi muito importante para nossa família quando precisamos de apoio financeiro na doença de meu pai. Acredito também que todos acabamos dando várias chances a objetos que ainda têm vida e são úteis. Por este motivo, minha conexão com a economia circular é profunda. Em um momento no qual a preservação ambiental se torna cada vez mais evidente, é importante repensarmos o que e como consumimos. 

No entanto, percebo que no Brasil e até mesmo em outras partes das Américas essa mentalidade ainda não está tão difundida quanto na Europa. Muitas vezes, o foco é apenas no consumo, sem considerar a sustentabilidade. Com os desafios ambientais que enfrentamos hoje, incluindo as mudanças climáticas que já impactam nossas vidas, percebo que a economia circular se torna uma solução vantajosa para todos. É um ganha-ganha, pois beneficia o planeta, quem vende e quem compra. 

Sou grande fã dessa abordagem, uso a OLX há muito tempo como plataforma de compra e venda de usados. A plataforma oferece uma maneira eficaz de evitar o descarte desnecessário de itens que continuam em boas condições. Além disso, permite que pessoas que talvez não tenham recursos para comprar algo novo, adquirirem itens usados de qualidade.  

Invista no network ativo  

Nutra sua rede de contatos. Não se trata apenas de ter conexões influentes, mas sim de se conectar com pessoas engajadas em projetos que possam contribuir para o crescimento. Seja na comunidade em que está inserido ou na organização em que trabalha, identifique aqueles que possam ajudá-lo a expandir horizontes e a aprender coisas novas. Você não precisa estar em posições de poder para fazer essas conexões. Na verdade, a maioria dos laços que se constrói ao longo da vida, se forma nos estágios iniciais da jornada. Normalmente, elas permanecem, e podem fazer toda a diferença no desenvolvimento profissional. Já dizia o sábio: “Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado, com certeza, vai mais longe”  

Conecte-se com o que faz sentido e seja resiliente 

Para quem está iniciando em sua jornada, costumo dizer, que: “Se nada muda, nada muda”. Isso significa reconhecer que o mundo está em constante evolução e que, se nos acomodarmos, ficaremos para trás. Com frequência vejo muitos jovens que se sentem paralisados, pois desejam ter todas as respostas de imediato. Mas é fato que nada é definitivo. Atualmente, as carreiras estão sendo moldadas com base no aprendizado contínuo, o que torna a transição entre carreiras, indústrias e funções mais fluida e flexível. Portanto, conecte-se com algo que realmente faça sentido e te dê prazer em aprender. Ganhe experiência e continue nesse ciclo – com o tempo, as oportunidades surgirão. Não tenha medo de experimentar novas aventuras.  

Livro recomendado por Christiane Berlinck: 

Clear Thinking, de Shane Parrish. Editora Portfolio, 2023.