O impacto do ESG no ciclo de vida do negócio hoteleiro
Turistas querem cada vez mais se hospedar em acomodações sustentáveis, mas acreditam que não há suficientes opções disponíveis
Publicado em 9 de novembro de 2021 às, 13h48.
A pandemia da Covid-19 acirrou o interesse das pessoas em temas em como os impactos da mudança climática, reciclagem de resíduos, redução de uso de plásticos e gerou maior sentimento de responsabilidade social.
Essa mudança nos valores e nas expectativas dos consumidores pressiona investidores, credores e proprietários de empresas a priorizarem aqueles investimentos que seguem os princípios ESG -- sigla em inglês para designar as boas práticas ambientais, sociais e de governança. Como consequência, empresas dos mais diversos segmentos estão trabalhando para se adaptar, colocando ESG como um componente fundamental de seus negócios.
Diante desse contexto, a indústria hoteleira tem uma grande responsabilidade e um papel essencial a desempenhar, pois faz parte, ao mesmo tempo, de dois dos maiores setores da economia: o mercado imobiliário e a indústria do turismo.
A hotelaria deve participar ativamente desse processo, considerando o impacto que a construção, a reforma e a operação dos seus ativos têm no meio ambiente, na comunidade local e na vida dos seus funcionários. Para destacar essa relevância, um estudo recente do time europeu da JLL Hotels & Hospitality mostrou que a construção de imóveis comerciais no mundo contribui com 39% da emissão total de CO2 e emprega 13 milhões de pessoas.
Da mesma forma, segundo estimativas da WTTC (World Travel & Tourism Council), antes da pandemia, a indústria do turismo respondia globalmente por cerca de 11% dos empregos (cerca de 334 milhões de pessoas) e pouco mais de 10% do PIB mundial.
Sendo assim, ainda que essa tenha sido a atividade mais afetada durante os últimos 18 meses e a expectativa agora seja de retomada, as discussões e o foco não podem se limitar apenas a “quando”, “quanto” e um “simples” “como”, pois, agora, esse caminho precisa ser trilhado de uma maneira sustentável.
No que tange à construção de novos hotéis, existem diversos certificados -- como LEED, BREEAM e EDGE -- que são conferidos segundo critérios de sustentabilidade. Também é importante ressaltar ainda que as atenções e os esforços não devem estar voltados apenas para os novos empreendimentos, mas também na readequação e para a reforma dos já existentes.
Porém é na operação que os hotéis ganham destaque e seu impacto fica mais evidente, uma vez que esses empreendimentos funcionam normalmente 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Em 2019, um relatório da “Urban Land Institute Hotel Sustainability” mostrou que, entre todos os ativos comerciais, os hotéis são os produtos imobiliários com o maior consumo por metro quadrado de eletricidade e água. Em relação à produção de gás carbônico, os hotéis também estão entre os produtos que apresentam os maiores índices de emissão.
Para reduzir essas taxas, podem ser adotados procedimentos simples e que não requerem grandes investimentos. Um bom exemplo é possibilitar que os hóspedes solicitem que não se troque as toalhas e as roupas de cama todos os dias de sua hospedagem ou desligar a luz e o ar-condicionado das áreas que não estejam em uso.
Investimentos em tecnologia e automação também podem contribuir significativamente, ajudando os hotéis a se tornarem ainda mais sustentáveis. Sensores de presença e movimento nos apartamentos, luzes de LED ou sistemas de gerenciamento e automação dos equipamentos do edifício são saídas tecnológicas em busca de eficiência e sustentabilidade.
Também é possível contar com sistemas de reuso de energia, como reaproveitamento de água e captação de água das chuvas, painéis de captação de energia solar, uso de materiais recicláveis, adequada reciclagem e redução do volume do lixo.
No aspecto social, a indústria hoteleira faz parte do setor de serviços e, como tal, tem a responsabilidade de oferecer a melhor experiência possível, não apenas para seus hóspedes mas também para os seus funcionários. Eles devem ser tratados com o mesmo respeito e dignidade recebidos pelos visitantes.
Reconhecimento, condições de trabalho adequadas e treinamentos para qualificar o time devem sempre estar no foco das atenções para todas as posições e níveis hierárquicos. Nesse sentido, um tema central é Diversidade e Inclusão.
Uma pesquisa recente da The Castell Project -- uma organização sem fins lucrativos americana, que estudou os conselhos e as lideranças executivas das principais empresas de capital aberto do setor de hospitalidade nos Estados Unidos -- mostrou que, dos 31 CEOs, apenas uma era mulher, um era negro e um asiático.
Esse dado chama a atenção porque, embora essas empresas defendam a diversidade e ofereçam oportunidades na maioria das suas áreas e posições, as iniciativas não chegaram ainda ao topo da hierarquia corporativa.
Além disso, são justamente essas lideranças as responsáveis pela cultura organizacional, por implementar políticas de contratação e promoções. Com isso, essas companhias podem não enxergar oportunidades que somente um grupo mais heterogêneo e inclusivo conseguiria identificar.
Para ilustrar esse ponto, um relatório de 2020 da consultoria McKinsey, que estudou mais de 1.000 grandes empresas em 15 países, descobriu que as companhias do quartil superior em relação à diversidade de gênero apresentam um desempenho financeiro 25% acima quando comparadas às do quartil inferior. E essa diferença chega a 36% quando é considerada a diversidade étnica.
Essa é uma das razões pelas quais a governança é um tema-chave para qualquer corporação que se propõe a ser realmente uma empresa sustentável. É aqui que se determina o código de ética e conduta da administração da empresa, o fomento da cultura organizacional, as políticas de recursos humanos e a relação com órgãos regulatórios e governo, além de estabelecerem-se as metas a serem atingidas e os mecanismos para mensurá-las, ao mesmo tempo em que se criam os incentivos para garantir que o investimento seja rentável.
Outro ponto importante sob o tema da governança diz respeito ao gerenciamento de riscos e o que fazer para se adequar. Seja do ponto de vista de alguma mudança regulatória -- como a nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) -- ou, então, de danos à sua reputação, ou ainda riscos físicos devido às mudanças climáticas, com eventos como tornados, furacões, aumento no nível dos oceanos, inundações ou incêndios.
Fica claro, portanto, que para uma indústria que está lutando para superar os desafios impostos pela pandemia, a adoção dos conceitos ESG em sua plenitude não se resume apenas a uma melhor conduta socioambiental, pois essas medidas trazem importantes resultados econômicos, podendo representar a sobrevivência do próprio negócio.
Um hotel que realmente aplica as melhores práticas ambientais e é transparente na sua divulgação, obtendo certificações reconhecidas, possui cada vez mais um importante argumento de venda e um diferencial competitivo na captação dos seus hóspedes.
Uma pesquisa de junho de 2021 do Booking.com, com 29.000 viajantes de 30 países, mostrou que 64% desejam se hospedar em acomodações sustentáveis. Porém 55% acreditam que não há suficientes opções desses meios de hospedagem disponíveis. Para ajudar a dar luz às iniciativas hoteleiras, o Booking.com mostra em sua página os certificados de sustentabilidade obtidos pelos hotéis e divulga as boas práticas adotadas.
Hotéis que trabalham bem com a comunidade em que estão inseridos, com funcionários capacitados, dentro de times diversos e inclusivos, e que estão atentos ao uso racional dos recursos naturais em suas operações orientam seu negócio para a eficiência.
Essas práticas têm aumentando sua relevância na própria liquidez do ativo, já que, durante os processos de transação, cada vez mais investidores têm feito perguntas focadas em sustentabilidade e exigindo cumprimento de critérios socioambientais. Por isso, mais que uma tendência, o ciclo de vida saudável do negócio hoteleiro depende da consolidação dos pilares ESG.
*Pedro Freire é diretor de Valuation And Advisory Services da JLL.