O ecossistema corporativo além do hype
A visão de ecossistema explica também como a indústria de pagamentos virou um dos setores com mais atratividade a nível global
Janaína Ribeiro
Publicado em 24 de janeiro de 2020 às 18h13.
Hoje em dia falar de ecossistema se tornou a pedra angular de muitas apresentações a investidores e de todo o discurso corporativo moderno. Ele é o Santo Graal do mundo B2C que todos perseguem. Envolver o consumidor numa teia de consumo, aumentando a recorrência da relação e consequentemente o “wallet share” junto do cliente é o grande objetivo.
Tencent e Apple são talvez o expoente máximo dessa abordagem. O primeiro criado a partir do WeChat, o WhatsApp chinês, e o outro a partir de um produto de excelência, o iPhone. Esta visão de ecossistema explica também como a indústria de pagamentos virou um dos setores com mais atratividade a nível global. Mas se a expressão tem o hype da modernidade, será o conceito tão novo assim? Não será esta busca por vezes quimérica para algumas empresas? E quais os desafios principais para a sua execução? Vamos por partes.
A primeira resposta é não. O conceito é bem antigo embora só agora verbalizado em grande escala. Talvez o exemplo mais clássico de ecossistema venha do próprio sistema financeiro. Os Bancos Universais. A partir da conta corrente, tudo era do Banco. O cartão de crédito, o seguro, o investimento e por aí vai. O que mudou foi que o consumidor passou a exigir escolha. Na verdade, se há conceito intrínseco na nossa vida moderna é a noção da multiplicidade de escolha em todas as dimensões da vida. A fidelização é conquistada todos os dias e não encarada como adquirida e inevitável. E isso implicou a abertura da chamada arquitetura dos antigos ecossistemas e a criação de novos com base em dar ao consumidor a capacidade de escolher de diferentes produtos e marcas. A chamada arquitetura aberta.
Para os antigos ecossistemas, ficou então um grande desafio de gestão. O clássico conflito canal versus produto que está na base, por exemplo, da dificuldade de muitos bancos se adaptarem à nova realidade de consumo de produtos financeiros. A resolução desta questão enfrenta problemas de herança pesada do passado, política e lobby interno e afasta muitas vezes os quadros de maior talento que poderiam liderar uma mudança na instituição. Para agravar o cenário, a arbitragem deste conflito tem muito mais de arte que de ciência o que torna difícil a replicação das mesmas soluções em diferentes empresas. Contudo, para os aspirantes a novos ecossistemas, a situação também não é mais fácil. As dificuldades são é outras.
Como fazer o cross selling essencial para ganhar dinheiro quando os consumidores podem escolher livremente e na verdade têm a capacidade entrar e sair do ecossistema sem custo e com poucas barreiras? Resumindo, para os antigos ecossistemas fica, então, uma diminuição inexorável de quota de mercado e para os novos, muitas vezes, uma perda financeira significativa ano após ano de atividade. Tencent e Apple resolveram com relativo sucesso esta equação porque detém um canal de distribuição de muito difícil substituição, respetivamente o WeChat e o iPhone. E para os outros? É aqui que entra o setor de pagamentos.
O Show de Truman foi um filme de 1998 estrelado por Jim Carrey. Truman Burbank, o personagem do ator, era um homem que não sabia que vivia num mundo de realidade simulada e, um dia, desconfiado do que se passa ao seu redor, começa a explorar os limites do seu mundo acabando por descobrir que este não passava de um gigante cenário. As empresas que procuram criar novos ecossistemas olham para os pagamentos como uma cerca invisível que garanta que a profecia do Show de Truman nunca se realize. Afinal, em qualquer relação de consumo se existe uma coisa certa é que um pagamento vai ser realizado.
Como consequência, para garantir a superioridade da minha “prateleira" de produto tenho de assegurar que o máximo de compras se realize na minha moeda. Os limites desta estratégia estão contudo visíveis para todos nós. Basta olha para multiplicidade de moedas virtuais que rodeiam a nossa vida. Praticamente cada aplicativo de consumo propõe a sua moeda. Os seus créditos. O seu QR Code. Para todos o modelo perseguido é o da Tencent e do seu WePay que de fato conseguiu tornar a sua moeda em algo central na vida do consumidor chinês. Mas replicar este sucesso se arrisca a ser um objetivo ilusório e fugidio para muitas empresas, pois o êxito do WePay se deve em muito a condições muito específicas daquele mercado asiático.
Caro investidor, da próxima vez, pois, que ouvir falar em ecossistema é importante questionar e ser cético. Não existem nem soluções mágicas nem únicas para resolver os desafios contemporâneos do mundo B2C. Não existirá ecossistema de sucesso sem garantir a diferenciação da experiência de consumo ou produto face à concorrência bem como quão central é ela na vida do consumidor entre tantos outros desafios de gestão que são na verdade constantes faz muito tempo.
Hoje em dia falar de ecossistema se tornou a pedra angular de muitas apresentações a investidores e de todo o discurso corporativo moderno. Ele é o Santo Graal do mundo B2C que todos perseguem. Envolver o consumidor numa teia de consumo, aumentando a recorrência da relação e consequentemente o “wallet share” junto do cliente é o grande objetivo.
Tencent e Apple são talvez o expoente máximo dessa abordagem. O primeiro criado a partir do WeChat, o WhatsApp chinês, e o outro a partir de um produto de excelência, o iPhone. Esta visão de ecossistema explica também como a indústria de pagamentos virou um dos setores com mais atratividade a nível global. Mas se a expressão tem o hype da modernidade, será o conceito tão novo assim? Não será esta busca por vezes quimérica para algumas empresas? E quais os desafios principais para a sua execução? Vamos por partes.
A primeira resposta é não. O conceito é bem antigo embora só agora verbalizado em grande escala. Talvez o exemplo mais clássico de ecossistema venha do próprio sistema financeiro. Os Bancos Universais. A partir da conta corrente, tudo era do Banco. O cartão de crédito, o seguro, o investimento e por aí vai. O que mudou foi que o consumidor passou a exigir escolha. Na verdade, se há conceito intrínseco na nossa vida moderna é a noção da multiplicidade de escolha em todas as dimensões da vida. A fidelização é conquistada todos os dias e não encarada como adquirida e inevitável. E isso implicou a abertura da chamada arquitetura dos antigos ecossistemas e a criação de novos com base em dar ao consumidor a capacidade de escolher de diferentes produtos e marcas. A chamada arquitetura aberta.
Para os antigos ecossistemas, ficou então um grande desafio de gestão. O clássico conflito canal versus produto que está na base, por exemplo, da dificuldade de muitos bancos se adaptarem à nova realidade de consumo de produtos financeiros. A resolução desta questão enfrenta problemas de herança pesada do passado, política e lobby interno e afasta muitas vezes os quadros de maior talento que poderiam liderar uma mudança na instituição. Para agravar o cenário, a arbitragem deste conflito tem muito mais de arte que de ciência o que torna difícil a replicação das mesmas soluções em diferentes empresas. Contudo, para os aspirantes a novos ecossistemas, a situação também não é mais fácil. As dificuldades são é outras.
Como fazer o cross selling essencial para ganhar dinheiro quando os consumidores podem escolher livremente e na verdade têm a capacidade entrar e sair do ecossistema sem custo e com poucas barreiras? Resumindo, para os antigos ecossistemas fica, então, uma diminuição inexorável de quota de mercado e para os novos, muitas vezes, uma perda financeira significativa ano após ano de atividade. Tencent e Apple resolveram com relativo sucesso esta equação porque detém um canal de distribuição de muito difícil substituição, respetivamente o WeChat e o iPhone. E para os outros? É aqui que entra o setor de pagamentos.
O Show de Truman foi um filme de 1998 estrelado por Jim Carrey. Truman Burbank, o personagem do ator, era um homem que não sabia que vivia num mundo de realidade simulada e, um dia, desconfiado do que se passa ao seu redor, começa a explorar os limites do seu mundo acabando por descobrir que este não passava de um gigante cenário. As empresas que procuram criar novos ecossistemas olham para os pagamentos como uma cerca invisível que garanta que a profecia do Show de Truman nunca se realize. Afinal, em qualquer relação de consumo se existe uma coisa certa é que um pagamento vai ser realizado.
Como consequência, para garantir a superioridade da minha “prateleira" de produto tenho de assegurar que o máximo de compras se realize na minha moeda. Os limites desta estratégia estão contudo visíveis para todos nós. Basta olha para multiplicidade de moedas virtuais que rodeiam a nossa vida. Praticamente cada aplicativo de consumo propõe a sua moeda. Os seus créditos. O seu QR Code. Para todos o modelo perseguido é o da Tencent e do seu WePay que de fato conseguiu tornar a sua moeda em algo central na vida do consumidor chinês. Mas replicar este sucesso se arrisca a ser um objetivo ilusório e fugidio para muitas empresas, pois o êxito do WePay se deve em muito a condições muito específicas daquele mercado asiático.
Caro investidor, da próxima vez, pois, que ouvir falar em ecossistema é importante questionar e ser cético. Não existem nem soluções mágicas nem únicas para resolver os desafios contemporâneos do mundo B2C. Não existirá ecossistema de sucesso sem garantir a diferenciação da experiência de consumo ou produto face à concorrência bem como quão central é ela na vida do consumidor entre tantos outros desafios de gestão que são na verdade constantes faz muito tempo.