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Tipos de Ensino e para quem se destinam

O primeiro de uma série de artigos sobre o Ensino Médio brasileiro é uma reflexão sob o ponto de partida de estudantes e familiares

O primeiro de uma série de artigos sobre o Ensino Médio brasileiro é uma reflexão sob o ponto de partida de estudantes e familiares (Thinkstock/Thinkstock)
Luciana Allan

Colunista

Publicado em 12 de setembro de 2024 às 10h59.

Você acha que o melhor para adolescentes é frequentarem a escola… qualquer que seja?

Como mãe e educadora, sempre preferi minhas filhas na sala de aula ao invés de em frente à TV, do computador, no telefone celular, ou mesmo em “más companhias”. Pensamento natural a pais e responsáveis, sobretudo em comunidades vulneráveis e com alto índice de violência.

As mudanças econômicas, sociais e tecnológicas pelas quais passamos desde a década de 2010 me levam a um raciocínio divergente, sobretudo em relação ao Ensino Médio.

Já não basta ter qualquer escola só para dizer que se tem!

Qualidade, adequação à realidade atual, descoberta e o desenvolvimento de habilidades dos estudantes são elementos imprescindíveis desta equação. Afinal, esta fase da vida é determinante na formação de um ser integral, que vai ingressar no mercado de trabalho e exercer sua cidadania, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que rege o Ensino Básico no Brasil.

Decidi refletir sobre o tema em três fases, a fim de abordar perspectivas distintas envolvendo os principais atores e suas expectativas: pais e estudantes; profissionais de educação; e empregadores.

Tudo mudou… e isso é bom

Mesmo tendo perdido, desde 2021, o posto de principal preocupação da população brasileira para a Saúde – em razão da Covid-19 –, os motivos para continuar a apostar no desenvolvimento da Educação continuam contundentes.

O Banco Mundial destaca que cada ano adicional de escolaridade faz subir em 9% a remuneração por hora. O benefício se traduz ainda em ganhos sociais mais amplos, impulsionando crescimento econômico de longo prazo e quebrando o ciclo da pobreza.

Conclusão semelhante é a do estudo The Impact of Education on Nation-building Efforts, publicado no Sociology Institute: “Ao aprimorar as habilidades e o conhecimento dos indivíduos, a Educação fornece melhores oportunidades de emprego e potencial de renda, o que contribui para o desenvolvimento econômico geral e a mobilidade social”.

Nossos estudantes transformam essas estatísticas no sonho de cursar uma faculdade. Pesquisa realizada pelo Instituto Semesp e a empresa Workalove, divulgada em novembro do ano passado, mostra que 80% dos jovens brasileiros queriam ingressar no Ensino Superior. Quarenta por cento dos entrevistados eram motivados pela possibilidade de conseguir um emprego na área de atuação desejada e 26% buscavam uma mudança de vida.

Contudo, existe também no Brasil o mito de que todo mundo tem de cursar o Ensino Superior, porque esta é a melhor qualificação – o que não é necessário para todas as carreiras – e a que traz maior status social.

O Ensino Técnico Superior também é muito valioso e deveria ser valorizado financeira e socialmente. Em 2023, havia 1,07 milhão de alunos matriculados nesta categoria, frente a 8,7 milhões no Ensino Superior, o equivalente a apenas 17,7% da população entre 18 e 24 anos.

O Censo Escolar 2023 registrou um crescimento de 27,5% desde 2021 na Educação Profissional, que engloba cursos técnicos de nível médio (equivalentes ao Ensino Médio) e profissionalizantes (os equivalentes a uma faculdade). Ainda assim, apenas 2,17% estão nele.

Convenhamos, ter apenas 20% da população jovem brasileira buscando qualificação técnica ou Superior é pouquíssimo!

Para piorar, é bastante comum estudantes se frustrarem porque não consideraram suas habilidades e interesses reais ao escolher a faculdade. Mais da metade – 55,5% deles, segundo o 14º Mapa do Ensino Superior – desistem, o que afeta a autoestima e gera rusgas familiares.

Fake news

Por vezes, nem famílias nem escolas estão preparadas para entender e explicar que há uma gama de expertises muito diferentes para quem vai cursar uma universidade e quem vai se dedicar à área técnica. E ainda que elas estão atreladas aos desejos pessoais e habilidades de cada um. A depender disso, a melhor escolha pode ser seguir a trajetória técnica.

Cito como exemplo os técnicos mecânicos e os engenheiros mecânicos. Duas profissões distintas, ambas com habilidades e papéis diferentes e igualmente importantes.

Quem quer mexer no carro, numa máquina, equipamento ou robô, tem de ser bom técnico em mecânica – saber abrir o motor, tirar as peças e remontá-las. Os muito bons, só de escutarem o ronco do motor, identificam o problema.

Engenheiros mecânicos desenvolvem uma nova solução ou máquina; têm de saber cálculo 1 e 2, cálculo numérico, resistência dos materiais, desenho. Nem todo mundo que é bom em escutar o ronco do motor vai ser um bom projetista; e nem todo projetista tem habilidade manual para desmontar um motor. Ambos têm de ser bem qualificados nas diferentes competências porque precisamos deles!

A noção de que todo mundo vai ser feliz na faculdade é enganosa. A depender daquilo que se quer ser, não é preciso dela. O Ensino Técnico Superior é, muitas vezes, mais adequado e indicado, como em Tecnologia da Informação.

A falta de técnicos bem-qualificados pode impactar negativamente a economia, atrasar projetos e reduzir a produtividade empresarial. Portanto, o desconhecimento do que é vocação acadêmica e vocação técnica, quem tem perfil intelectual e quem se dá melhor colocando a mão na massa, é um gap que precisa ser reparado. Só assim nossos esforços para melhorar o sistema educacional realmente vão gerar resultados efetivos.

Olhando para o jardim ao lado

Alemanha e Estados Unidos, terceira e primeira economias do mundo, respectivamente, apoiam e valorizam fortemente o Ensino Técnico.

Na Alemanha, quase 50% dos estudantes optam pelo Berufsausbildung (o técnico de nível superior deles), porque as empresas vinculadas a instituições de ensino contratam os profissionais em formação.

Nos Estados Unidos, no nível superior, cerca de 8 milhões de estudantes frequentam a educação profissional e técnica, um crescimento de 16% no ano passado. Isso acontece nas faculdades comunitárias vocacionais e institutos técnicos. Já nas universidades estão matriculadas 15,4 milhões de pessoas.

Assim, não é de surpreender que na América do Norte, cresce o movimento de trabalhadores jovens ingressando em profissões como carpinteiro, encanador, eletricista e soldador à medida que o desencanto com a carreira universitária continua. O aumento dos salários e as novas tecnologias têm dado destaque a essas carreiras.

Um estudo do Burning Glass Institute,intitulado Lightcast Career Histories Database,mostra que cerca de metade dos formados em universidades acabam em empregos em que os diplomas não são necessários.

Por décadas, os norte-americanos ouviram que ir para a faculdade seria sua melhor chance de ganhar um salário sólido. Hoje, isso acabou – cerca de 2,2 milhões de pessoas no TikTok, Instagram e Facebook assistem Lexis Czumak-Abreu fazer seu trabalho como eletricista em Cornwall, Nova York.

Isso levanta uma questão que precisa ser enfrentada – a pressão do vestibular, o querer empurrar todos do Ensino Médio para o Superior. Os últimos três anos da escola são formatados para uma prova específica e não para desenvolver comunicação, fortalecer amizades, criar envolvimento com a comunidade.

Muito menos para incentivar atividades extracurriculares, como esportes, música e dança, que ensinam habilidades valiosas – disciplina, iniciativa, trabalho em equipe – e nos ajuda a descobrir paixões e interesses.

Os esforços deveriam focar menos no conteúdo que vai cair no vestibular, uma vez que 80% das pessoas não vão por esse caminho e valorizar o desenvolvimento das competências e habilidades para toda a vida.

Como podemos fazer isso? No próximo texto, mostrarei como foi importante o estabelecimento do Novo Ensino Médio e como as últimas mudanças se articulam com a necessidade de diferenciar os caminhos possíveis – Ensino Técnico ou Superior.

* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação

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Você acha que o melhor para adolescentes é frequentarem a escola… qualquer que seja?

Como mãe e educadora, sempre preferi minhas filhas na sala de aula ao invés de em frente à TV, do computador, no telefone celular, ou mesmo em “más companhias”. Pensamento natural a pais e responsáveis, sobretudo em comunidades vulneráveis e com alto índice de violência.

As mudanças econômicas, sociais e tecnológicas pelas quais passamos desde a década de 2010 me levam a um raciocínio divergente, sobretudo em relação ao Ensino Médio.

Já não basta ter qualquer escola só para dizer que se tem!

Qualidade, adequação à realidade atual, descoberta e o desenvolvimento de habilidades dos estudantes são elementos imprescindíveis desta equação. Afinal, esta fase da vida é determinante na formação de um ser integral, que vai ingressar no mercado de trabalho e exercer sua cidadania, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que rege o Ensino Básico no Brasil.

Decidi refletir sobre o tema em três fases, a fim de abordar perspectivas distintas envolvendo os principais atores e suas expectativas: pais e estudantes; profissionais de educação; e empregadores.

Tudo mudou… e isso é bom

Mesmo tendo perdido, desde 2021, o posto de principal preocupação da população brasileira para a Saúde – em razão da Covid-19 –, os motivos para continuar a apostar no desenvolvimento da Educação continuam contundentes.

O Banco Mundial destaca que cada ano adicional de escolaridade faz subir em 9% a remuneração por hora. O benefício se traduz ainda em ganhos sociais mais amplos, impulsionando crescimento econômico de longo prazo e quebrando o ciclo da pobreza.

Conclusão semelhante é a do estudo The Impact of Education on Nation-building Efforts, publicado no Sociology Institute: “Ao aprimorar as habilidades e o conhecimento dos indivíduos, a Educação fornece melhores oportunidades de emprego e potencial de renda, o que contribui para o desenvolvimento econômico geral e a mobilidade social”.

Nossos estudantes transformam essas estatísticas no sonho de cursar uma faculdade. Pesquisa realizada pelo Instituto Semesp e a empresa Workalove, divulgada em novembro do ano passado, mostra que 80% dos jovens brasileiros queriam ingressar no Ensino Superior. Quarenta por cento dos entrevistados eram motivados pela possibilidade de conseguir um emprego na área de atuação desejada e 26% buscavam uma mudança de vida.

Contudo, existe também no Brasil o mito de que todo mundo tem de cursar o Ensino Superior, porque esta é a melhor qualificação – o que não é necessário para todas as carreiras – e a que traz maior status social.

O Ensino Técnico Superior também é muito valioso e deveria ser valorizado financeira e socialmente. Em 2023, havia 1,07 milhão de alunos matriculados nesta categoria, frente a 8,7 milhões no Ensino Superior, o equivalente a apenas 17,7% da população entre 18 e 24 anos.

O Censo Escolar 2023 registrou um crescimento de 27,5% desde 2021 na Educação Profissional, que engloba cursos técnicos de nível médio (equivalentes ao Ensino Médio) e profissionalizantes (os equivalentes a uma faculdade). Ainda assim, apenas 2,17% estão nele.

Convenhamos, ter apenas 20% da população jovem brasileira buscando qualificação técnica ou Superior é pouquíssimo!

Para piorar, é bastante comum estudantes se frustrarem porque não consideraram suas habilidades e interesses reais ao escolher a faculdade. Mais da metade – 55,5% deles, segundo o 14º Mapa do Ensino Superior – desistem, o que afeta a autoestima e gera rusgas familiares.

Fake news

Por vezes, nem famílias nem escolas estão preparadas para entender e explicar que há uma gama de expertises muito diferentes para quem vai cursar uma universidade e quem vai se dedicar à área técnica. E ainda que elas estão atreladas aos desejos pessoais e habilidades de cada um. A depender disso, a melhor escolha pode ser seguir a trajetória técnica.

Cito como exemplo os técnicos mecânicos e os engenheiros mecânicos. Duas profissões distintas, ambas com habilidades e papéis diferentes e igualmente importantes.

Quem quer mexer no carro, numa máquina, equipamento ou robô, tem de ser bom técnico em mecânica – saber abrir o motor, tirar as peças e remontá-las. Os muito bons, só de escutarem o ronco do motor, identificam o problema.

Engenheiros mecânicos desenvolvem uma nova solução ou máquina; têm de saber cálculo 1 e 2, cálculo numérico, resistência dos materiais, desenho. Nem todo mundo que é bom em escutar o ronco do motor vai ser um bom projetista; e nem todo projetista tem habilidade manual para desmontar um motor. Ambos têm de ser bem qualificados nas diferentes competências porque precisamos deles!

A noção de que todo mundo vai ser feliz na faculdade é enganosa. A depender daquilo que se quer ser, não é preciso dela. O Ensino Técnico Superior é, muitas vezes, mais adequado e indicado, como em Tecnologia da Informação.

A falta de técnicos bem-qualificados pode impactar negativamente a economia, atrasar projetos e reduzir a produtividade empresarial. Portanto, o desconhecimento do que é vocação acadêmica e vocação técnica, quem tem perfil intelectual e quem se dá melhor colocando a mão na massa, é um gap que precisa ser reparado. Só assim nossos esforços para melhorar o sistema educacional realmente vão gerar resultados efetivos.

Olhando para o jardim ao lado

Alemanha e Estados Unidos, terceira e primeira economias do mundo, respectivamente, apoiam e valorizam fortemente o Ensino Técnico.

Na Alemanha, quase 50% dos estudantes optam pelo Berufsausbildung (o técnico de nível superior deles), porque as empresas vinculadas a instituições de ensino contratam os profissionais em formação.

Nos Estados Unidos, no nível superior, cerca de 8 milhões de estudantes frequentam a educação profissional e técnica, um crescimento de 16% no ano passado. Isso acontece nas faculdades comunitárias vocacionais e institutos técnicos. Já nas universidades estão matriculadas 15,4 milhões de pessoas.

Assim, não é de surpreender que na América do Norte, cresce o movimento de trabalhadores jovens ingressando em profissões como carpinteiro, encanador, eletricista e soldador à medida que o desencanto com a carreira universitária continua. O aumento dos salários e as novas tecnologias têm dado destaque a essas carreiras.

Um estudo do Burning Glass Institute,intitulado Lightcast Career Histories Database,mostra que cerca de metade dos formados em universidades acabam em empregos em que os diplomas não são necessários.

Por décadas, os norte-americanos ouviram que ir para a faculdade seria sua melhor chance de ganhar um salário sólido. Hoje, isso acabou – cerca de 2,2 milhões de pessoas no TikTok, Instagram e Facebook assistem Lexis Czumak-Abreu fazer seu trabalho como eletricista em Cornwall, Nova York.

Isso levanta uma questão que precisa ser enfrentada – a pressão do vestibular, o querer empurrar todos do Ensino Médio para o Superior. Os últimos três anos da escola são formatados para uma prova específica e não para desenvolver comunicação, fortalecer amizades, criar envolvimento com a comunidade.

Muito menos para incentivar atividades extracurriculares, como esportes, música e dança, que ensinam habilidades valiosas – disciplina, iniciativa, trabalho em equipe – e nos ajuda a descobrir paixões e interesses.

Os esforços deveriam focar menos no conteúdo que vai cair no vestibular, uma vez que 80% das pessoas não vão por esse caminho e valorizar o desenvolvimento das competências e habilidades para toda a vida.

Como podemos fazer isso? No próximo texto, mostrarei como foi importante o estabelecimento do Novo Ensino Médio e como as últimas mudanças se articulam com a necessidade de diferenciar os caminhos possíveis – Ensino Técnico ou Superior.

* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação

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