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Por que os juros vão subir. Deus não joga dados, ensinou Einstein

Muitos economistas acreditam que a partir de abril a inflação tenderá a subir o que obrigará o BC a promover ligeiras elevações na taxa para evitar um dólar alto, o que provocará inflação e pressionará o preço das commodities

(DNY59/Getty Images)
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isabelarovaroto

Publicado em 9 de fevereiro de 2021 às 13h43.

Há uma vasta literatura sobre taxas de juros e as suas visões antagônicas. Com o tempo e as grandes crises internacionais, houve uma enorme evolução sobre o tema. Monetaristas clássicos apregoavam juros elevados para combater a  espiral inflacionária dos anos 1980, o que demonstrou tanta eficácia quanto usar uma baioneta enferrujada para matar um leão faminto a dois metros de distância. Sarney deixa para o seu sucessor uma inflação de 5.000% ao ano. Da mesma forma, os heterodoxos subestimaram os gastos públicos a ponto de editarem o famoso Livro Branco, em meados de julho de 1986. Decretaram o fim do déficit público. Mais recentemente, alguns economistas puseram em xeque a eficácia dos juros, usando como exemplo a economia  americana. Ano passado, o Federal Reserve (o banco central americano) derrubou a taxa dos Fed funds para 0,25% ao ano e comprou mais de US$ 2,5 trilhões de títulos, cifra muito maior do aquela verificada na crise global de 2008 (perto de US$ 1 trilhão). A despeito disso, não houve inflação, embora  o juro permanecesse negativo  em boa parte do planeta, diante de uma grande estagnação.

Ocorre que o Brasil está longe de ter a capacidade de adaptação e da dinâmica da economia americana, em que há uma forte presença do setor privado – dos pequenos aos grandes negócios. A atual taxa de juros do Brasil, de 2% ao ano, resiste ao primeiro trimestre, quando a economia apresentará sinais de retração, ainda que o governo mantenha parte do auxílio emergencial e de outras medidas distributivas. Muitos economistas acreditam que a partir de abril a inflação tenderá a subir o que obrigará o BC — conduzido de forma competente por Roberto Campos Neto — a promover ligeiras elevações na taxa para evitar um dólar alto, o que provoca inflação e pressionará o preço dos “tradables”, tais como trigo, soja, milho, commodities em geral.

O dólar alto traz benefícios óbvios às exportações e ajuda a impulsionar vendas externas de minério de ferro e de petróleo. O Brasil se beneficiou  do ciclo de commodities no período 2005-2011, com  a apreciação do real, e inflação muito baixa.  Agora, o cenário é o inverso, apesar da alta das commodities. Permanece o dólar nas alturas, que causa inflação, e, por essa razão, levará o BC a subir os juros na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de abril ou de maio.

No excelente livro “As leis secretas da economia”, de Gustavo Franco (Zahar, 2012), há um belo apanhado de ensinamentos de Roberto Campos e de Alexandre Kafka. É dito que “ a todo aumento de juro corresponderá a uma notícia  de jornal sobre o descontentamento presidencial e eventual demissão dos responsáveis”. Ou seja, o BC, segundo Franco, faz o chamado trabalho sujo, que o presidente da República sabe ser necessário.

Roberto Campos Neto talvez seja obrigado a fazer esse trabalho de desentupidor de bueiros, dada a fragilidade do real e da expansão fiscal devido aos efeitos perversos da Covid-19. Mais uma vez, entra em cena Gustavo Franco que menciona o professor  Nouriel Roubine, o “Senhor Catástrofe” (Mister Doom), que ficou popular ao prever a crise global de 2008. É melhor voltar aos mestres, como Paul Samuelson, um dos mais brilhantes economistas do século XX, e polemista contumaz. O Prêmio Nobel de Economia de 1970 disse que “o mercado de ações previu nove das últimas cinco recessões”. É saudável desconfiar de previsões audaciosas. Não se tem notícia de que Roubini tenha acertado outras catástrofes. Ele é como a famosa Mãe Dináh, uma vidente brasileira que tinha na sua clientela  o então presidente Fernando Collor de Mello. Ela não previu o impeachment do seu notório cliente.

A elevação dos juros é tão inevitável quanto a certeza de que o sol nascerá amanhã às 5h36 – o grande filósofo inglês Karl Popper, dentro de um exercício de epistemologia, duvidava dessa certeza absoluta. Popper entra para a galeria dos grandes pensadores do século passado em que pese ser diminuído, por uma esquerda míope, a um antimarxista.

O competente Rodrigo Azevedo, ex-diretor do Banco Central, acredita que ainda teremos um juro próximo de zero – a Selic atingirá  4% no fim do ano e uma inflação acima de 4%. É evidente que todo esse cenário dependerá da velocidade da vacinação, que vai trazer normalidade à atividade econômica.

O notável economista Affonso Celso Pastore, que enfrentou crises cambiais e bancárias, no início dos anos 1980,  no comando do Banco Central, ensina que os juros baixos causam euforia no mercado de ações, mas a inevitável estagnação global deprime os seus preços. “Na guerra entre liquidez e fundamentos, a vitória está com a liquidez”.

Nesse mundo de incertezas, vale uma lição, esta de Neném Prancha, dono de frases memoráveis sobre o futebol. “Quem pede tem preferência”. Da mesma forma que é previsível  a elevação dos juros, ainda que em doses homeopáticas, faz-se necessário que o ministro Paulo Guedes, flamenguista doente, siga o ditado de Neném, assim como o presidente do BC. “E quem desloca, recebe”, complementa o filósofo do futebol.

A propósito: Paulo Guedes foi mais uma vez demitido pela imprensa com a suposta recriação do Ministério do Planejamento, tendo como titular o ex-deputado Rogerio Marinho, dono de uma carreira impoluta, longe de qualquer escândalo. Marinho, como se sabe, é desafeto de Guedes.

Como na economia, na política não existe acaso, a lógica cartesiana  na coordenação da política econômica em um país da complexidade do Brasil. Da mesma forma, inexiste uma mão invisível.

Albert Einstein, em uma famosa carta ao físico Max Born, disse:
“Você acredita em um Deus que joga dados e eu, na completa lei e ordem em um mundo objetivamente existente”.

Se quiser continuar no cargo, Guedes precisa acreditar que Deus não joga  dados. E Roberto Campos Neto, um dos melhores presidentes do BC nos últimos 25 anos, necessita corrigir o rumo da taxa de juros.

É a hora da decisão, da final do campeonato brasileiro.

 

 

*Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME

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Há uma vasta literatura sobre taxas de juros e as suas visões antagônicas. Com o tempo e as grandes crises internacionais, houve uma enorme evolução sobre o tema. Monetaristas clássicos apregoavam juros elevados para combater a  espiral inflacionária dos anos 1980, o que demonstrou tanta eficácia quanto usar uma baioneta enferrujada para matar um leão faminto a dois metros de distância. Sarney deixa para o seu sucessor uma inflação de 5.000% ao ano. Da mesma forma, os heterodoxos subestimaram os gastos públicos a ponto de editarem o famoso Livro Branco, em meados de julho de 1986. Decretaram o fim do déficit público. Mais recentemente, alguns economistas puseram em xeque a eficácia dos juros, usando como exemplo a economia  americana. Ano passado, o Federal Reserve (o banco central americano) derrubou a taxa dos Fed funds para 0,25% ao ano e comprou mais de US$ 2,5 trilhões de títulos, cifra muito maior do aquela verificada na crise global de 2008 (perto de US$ 1 trilhão). A despeito disso, não houve inflação, embora  o juro permanecesse negativo  em boa parte do planeta, diante de uma grande estagnação.

Ocorre que o Brasil está longe de ter a capacidade de adaptação e da dinâmica da economia americana, em que há uma forte presença do setor privado – dos pequenos aos grandes negócios. A atual taxa de juros do Brasil, de 2% ao ano, resiste ao primeiro trimestre, quando a economia apresentará sinais de retração, ainda que o governo mantenha parte do auxílio emergencial e de outras medidas distributivas. Muitos economistas acreditam que a partir de abril a inflação tenderá a subir o que obrigará o BC — conduzido de forma competente por Roberto Campos Neto — a promover ligeiras elevações na taxa para evitar um dólar alto, o que provoca inflação e pressionará o preço dos “tradables”, tais como trigo, soja, milho, commodities em geral.

O dólar alto traz benefícios óbvios às exportações e ajuda a impulsionar vendas externas de minério de ferro e de petróleo. O Brasil se beneficiou  do ciclo de commodities no período 2005-2011, com  a apreciação do real, e inflação muito baixa.  Agora, o cenário é o inverso, apesar da alta das commodities. Permanece o dólar nas alturas, que causa inflação, e, por essa razão, levará o BC a subir os juros na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de abril ou de maio.

No excelente livro “As leis secretas da economia”, de Gustavo Franco (Zahar, 2012), há um belo apanhado de ensinamentos de Roberto Campos e de Alexandre Kafka. É dito que “ a todo aumento de juro corresponderá a uma notícia  de jornal sobre o descontentamento presidencial e eventual demissão dos responsáveis”. Ou seja, o BC, segundo Franco, faz o chamado trabalho sujo, que o presidente da República sabe ser necessário.

Roberto Campos Neto talvez seja obrigado a fazer esse trabalho de desentupidor de bueiros, dada a fragilidade do real e da expansão fiscal devido aos efeitos perversos da Covid-19. Mais uma vez, entra em cena Gustavo Franco que menciona o professor  Nouriel Roubine, o “Senhor Catástrofe” (Mister Doom), que ficou popular ao prever a crise global de 2008. É melhor voltar aos mestres, como Paul Samuelson, um dos mais brilhantes economistas do século XX, e polemista contumaz. O Prêmio Nobel de Economia de 1970 disse que “o mercado de ações previu nove das últimas cinco recessões”. É saudável desconfiar de previsões audaciosas. Não se tem notícia de que Roubini tenha acertado outras catástrofes. Ele é como a famosa Mãe Dináh, uma vidente brasileira que tinha na sua clientela  o então presidente Fernando Collor de Mello. Ela não previu o impeachment do seu notório cliente.

A elevação dos juros é tão inevitável quanto a certeza de que o sol nascerá amanhã às 5h36 – o grande filósofo inglês Karl Popper, dentro de um exercício de epistemologia, duvidava dessa certeza absoluta. Popper entra para a galeria dos grandes pensadores do século passado em que pese ser diminuído, por uma esquerda míope, a um antimarxista.

O competente Rodrigo Azevedo, ex-diretor do Banco Central, acredita que ainda teremos um juro próximo de zero – a Selic atingirá  4% no fim do ano e uma inflação acima de 4%. É evidente que todo esse cenário dependerá da velocidade da vacinação, que vai trazer normalidade à atividade econômica.

O notável economista Affonso Celso Pastore, que enfrentou crises cambiais e bancárias, no início dos anos 1980,  no comando do Banco Central, ensina que os juros baixos causam euforia no mercado de ações, mas a inevitável estagnação global deprime os seus preços. “Na guerra entre liquidez e fundamentos, a vitória está com a liquidez”.

Nesse mundo de incertezas, vale uma lição, esta de Neném Prancha, dono de frases memoráveis sobre o futebol. “Quem pede tem preferência”. Da mesma forma que é previsível  a elevação dos juros, ainda que em doses homeopáticas, faz-se necessário que o ministro Paulo Guedes, flamenguista doente, siga o ditado de Neném, assim como o presidente do BC. “E quem desloca, recebe”, complementa o filósofo do futebol.

A propósito: Paulo Guedes foi mais uma vez demitido pela imprensa com a suposta recriação do Ministério do Planejamento, tendo como titular o ex-deputado Rogerio Marinho, dono de uma carreira impoluta, longe de qualquer escândalo. Marinho, como se sabe, é desafeto de Guedes.

Como na economia, na política não existe acaso, a lógica cartesiana  na coordenação da política econômica em um país da complexidade do Brasil. Da mesma forma, inexiste uma mão invisível.

Albert Einstein, em uma famosa carta ao físico Max Born, disse:
“Você acredita em um Deus que joga dados e eu, na completa lei e ordem em um mundo objetivamente existente”.

Se quiser continuar no cargo, Guedes precisa acreditar que Deus não joga  dados. E Roberto Campos Neto, um dos melhores presidentes do BC nos últimos 25 anos, necessita corrigir o rumo da taxa de juros.

É a hora da decisão, da final do campeonato brasileiro.

 

 

*Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME

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