Juros e bolsa “otimistas” e câmbio “pessimista”: quem está certo?
O clima é favorável e, provavelmente, perdurará por mais um tempo, especialmente agora que as principais economias desistiram de pisar com força no freio
Da Redação
Publicado em 22 de janeiro de 2019 às 11h28.
Última atualização em 22 de janeiro de 2019 às 12h06.
O dólar encareceu após a eleição, passando de cerca de R$ 3,70 para R$ 3,90 durante novembro e dezembro. Este foi um movimento inusitado porque o Brasil estava “barato” quando escolhemos o novo presidente. Após a vitória de um candidato que propunha desatar o nó fiscal, eliminando a fonte primordial das incertezas econômicas domésticas, seria de se esperar que nossa moeda se fortalecesse diante das demais, voltando assim ao patamar “justo”, não?
É verdade que as trepidações globais do final do ano embolaram o samba, pois é normal ver a moeda brasileira sofrer quando os capitais buscam refúgio em ativos menos arriscados. Olhando sob este prisma, as perdas do real após a eleição não teriam nada a ver com a eleição do mito.
O VIX, por exemplo, é um barômetro que reflete bem a disposição econômica nos EUA e, por extensão, no mundo. A regra de bolso para interpretá-lo é simples. Até 20 está tudo bem, entre 20 e 30 acende-se uma luz amarela e acima de 30 é deus nos acuda. Na véspera do Natal, o “índice do medo” atingiu a marca de 36, refletindo receios de que a economia americana sucumbiria diante da desaceleração global, do “fechamento” do governo e das escaramuças comerciais com a China.
Nesse contexto delicado, o real se depreciou não apenas contra o dólar, mas em relação a todos os portos seguros como o iene, o ouro, etc. Até aí tudo bem, mas perdemos também para moedas da nossa liga, a turma que sofre com as intempéries mundiais como, por exemplo, África do Sul, Colômbia e Filipinas. Ou seja, o rebuliço externo não explicava toda a história.
A boa notícia é que o humor mudou para melhor com a virada do ano. O alívio foi alavancado em parte pela mudança de orientação do Banco Central americano, o FED, que tem amolecido cada vez mais o discurso desde a aplicação do “cavalo de pau” épico no final de novembro. Na semana passada, por exemplo, até a superconservadora Esther George, presidente do FED de Kansas City, adotou um tom cauteloso em entrevista ao Wall Street Journal.
Antes da reviravolta, o mercado projetava duas elevações de juro em 2019 e hoje a expectativa é a de que o FED cruzará os braços (o mercado até projeta uma pequena queda em 2020). Essa injeção de adrenalina impulsionou os mercados de risco, favorecendo as bolsas do mundo inteiro e barateando o dólar em praticamente todos os lugares. O brasileiro passou a comprar a verdinha por cerca de R$ 3,75, 15 centavos menos do que em dezembro.
Novamente o cenário externo não explica 100% do movimento. Usando o mesmo procedimento que descrevi na penúltima coluna do ano passado, calculo que cerca de 60% da queda do preço deveu-se às novidades de fora e os 40% restantes foram derivados de fatores domésticos.
Pergunta-se então se finalmente o câmbio não estaria começando a refletir um otimismo maior com relação às perspectivas do novo governo. Em parte sim, mas o movimento é ainda bastante tímido. É simples verificar que nas condições atuais do mercado global, se a confiança com relação ao Brasil estivesse tão elevada quanto esteve nos melhores momentos do governo Temer, o dólar deveria oscilar em torno de R$ 3,30, ou seja, cerca de 40 centavos abaixo do patamar atual.
A diferença se explica porque a torcida ainda não está sentindo tanta firmeza, preferindo esperar para ver quão decisivo será o ímpeto reformista do novo governo. O noticiário sugere que a equipe econômica pretende propor uma reforma previdenciária decente, com impacto previsto maior do que o do projeto de Temer. Mas será que o presidente comprará a briga? Se comprar, o preço do dólar despencará.
Enquanto o mercado de câmbio segue com a pulga atrás da orelha, os mercados de juros e de ações parecem mais animados. O juro da NTN para 2022, por exemplo, rompeu com vontade o suporte de 4,0% pela primeira vez desde meados de 2013. A Bolsa, por sua vez, furou os 90 mil pontos com facilidade, acumulando alta de 7% no ano, bem mais do que a média dos mercados emergentes. Como entender o descompasso entre os mercados?
O descolamento dos juros em relação ao câmbio pode ser explicado pela dinâmica muito favorável da inflação que, no curto prazo e em condições normais, afeta mais o primeiro do que o segundo mercado. A inflação está tranquila, primeiro porque não há pressões vindas de fora e, segundo, porque a economia brasileira opera com ociosidade gigantesca. Como a inflação é uma variável que se movimenta com inércia, registros baixos no presente provavelmente significam inflação baixa também no futuro próximo – até que um “choque” mude a história.
Há também razões pontuais para explicar o bom momento da bolsa. No longo prazo, é claro que o preço das ações depende do sucesso do governo em equacionar o imbróglio fiscal. No entanto, o colapso provocado pela “Nova Matriz Econômica” abriu um buraco que, se preenchido, implicará crescimento razoável nos próximos trimestres mesmo se o governo fizer pouco para ampliar o potencial de expansão da economia – trata-se apenas de retornar ao normal.
Na verdade, a retomada com Temer só não foi maior porque a parca legitimidade do governo sumiu quando a economia estava quase decolando. Daqui para frente, para haver uma aceleração do crescimento bastará que o governo não cometa equívocos tão grandes quanto os que provocaram a crise – coisa que não é muito difícil. Os dados existentes ainda sugerem que a economia está patinando, mas o zum zum zum é favorável. Os espíritos animais parecem acordar da letargia que marcou os últimos anos.
A bolsa sobe amparada nesses humores auspiciosos e, por isso, seu desempenho tem sido menos dependente no curto prazo de iniciativas necessárias para dar sustentação ao cenário de longo prazo. De fato, de acordo com informações da Bloomberg, o mercado espera crescimento de 35% para o EBITDA das empresas do Ibovespa em 2019 e de “apenas” 6% em 2020.
Não se trata evidentemente de dizer que os fundamentos de longo prazo da economia valem para uns mercados e não para outros. Não dá para ser estruturalmente “pessimista” no câmbio e “otimista” nos juros e nas bolsas. Nos próximos meses, ou o câmbio se apreciará dando suporte aos cenários mais favoráveis sugeridos pelos comportamentos dos outros mercados, ou os juros e a bolsa se ajustarão ao cenário conservador do mercado cambial.
De forma geral, pode-se dizer que o clima é favorável e, provavelmente, esse estado perdurará por mais um tempo, especialmente agora que as principais economias desistiram de pisar com força no freio. Mas é precipitado inferir dos bons desempenhos recentes dos mercados de juros e da bolsa o sinal de que o longo prazo estaria já encaminhado. É cedo para declarar vitória. O governo mal começou e já tropeça em cascas de banana. Como vai explicar as gabolices do júnior?
O clima é de festa e não faz sentido ficar de fora. É bom saber, no entanto, que um indício mais forte de que as coisas andam na direção certa virá se o dólar cair mais um tanto. Até lá é bom curtir a festa com moderação.
O dólar encareceu após a eleição, passando de cerca de R$ 3,70 para R$ 3,90 durante novembro e dezembro. Este foi um movimento inusitado porque o Brasil estava “barato” quando escolhemos o novo presidente. Após a vitória de um candidato que propunha desatar o nó fiscal, eliminando a fonte primordial das incertezas econômicas domésticas, seria de se esperar que nossa moeda se fortalecesse diante das demais, voltando assim ao patamar “justo”, não?
É verdade que as trepidações globais do final do ano embolaram o samba, pois é normal ver a moeda brasileira sofrer quando os capitais buscam refúgio em ativos menos arriscados. Olhando sob este prisma, as perdas do real após a eleição não teriam nada a ver com a eleição do mito.
O VIX, por exemplo, é um barômetro que reflete bem a disposição econômica nos EUA e, por extensão, no mundo. A regra de bolso para interpretá-lo é simples. Até 20 está tudo bem, entre 20 e 30 acende-se uma luz amarela e acima de 30 é deus nos acuda. Na véspera do Natal, o “índice do medo” atingiu a marca de 36, refletindo receios de que a economia americana sucumbiria diante da desaceleração global, do “fechamento” do governo e das escaramuças comerciais com a China.
Nesse contexto delicado, o real se depreciou não apenas contra o dólar, mas em relação a todos os portos seguros como o iene, o ouro, etc. Até aí tudo bem, mas perdemos também para moedas da nossa liga, a turma que sofre com as intempéries mundiais como, por exemplo, África do Sul, Colômbia e Filipinas. Ou seja, o rebuliço externo não explicava toda a história.
A boa notícia é que o humor mudou para melhor com a virada do ano. O alívio foi alavancado em parte pela mudança de orientação do Banco Central americano, o FED, que tem amolecido cada vez mais o discurso desde a aplicação do “cavalo de pau” épico no final de novembro. Na semana passada, por exemplo, até a superconservadora Esther George, presidente do FED de Kansas City, adotou um tom cauteloso em entrevista ao Wall Street Journal.
Antes da reviravolta, o mercado projetava duas elevações de juro em 2019 e hoje a expectativa é a de que o FED cruzará os braços (o mercado até projeta uma pequena queda em 2020). Essa injeção de adrenalina impulsionou os mercados de risco, favorecendo as bolsas do mundo inteiro e barateando o dólar em praticamente todos os lugares. O brasileiro passou a comprar a verdinha por cerca de R$ 3,75, 15 centavos menos do que em dezembro.
Novamente o cenário externo não explica 100% do movimento. Usando o mesmo procedimento que descrevi na penúltima coluna do ano passado, calculo que cerca de 60% da queda do preço deveu-se às novidades de fora e os 40% restantes foram derivados de fatores domésticos.
Pergunta-se então se finalmente o câmbio não estaria começando a refletir um otimismo maior com relação às perspectivas do novo governo. Em parte sim, mas o movimento é ainda bastante tímido. É simples verificar que nas condições atuais do mercado global, se a confiança com relação ao Brasil estivesse tão elevada quanto esteve nos melhores momentos do governo Temer, o dólar deveria oscilar em torno de R$ 3,30, ou seja, cerca de 40 centavos abaixo do patamar atual.
A diferença se explica porque a torcida ainda não está sentindo tanta firmeza, preferindo esperar para ver quão decisivo será o ímpeto reformista do novo governo. O noticiário sugere que a equipe econômica pretende propor uma reforma previdenciária decente, com impacto previsto maior do que o do projeto de Temer. Mas será que o presidente comprará a briga? Se comprar, o preço do dólar despencará.
Enquanto o mercado de câmbio segue com a pulga atrás da orelha, os mercados de juros e de ações parecem mais animados. O juro da NTN para 2022, por exemplo, rompeu com vontade o suporte de 4,0% pela primeira vez desde meados de 2013. A Bolsa, por sua vez, furou os 90 mil pontos com facilidade, acumulando alta de 7% no ano, bem mais do que a média dos mercados emergentes. Como entender o descompasso entre os mercados?
O descolamento dos juros em relação ao câmbio pode ser explicado pela dinâmica muito favorável da inflação que, no curto prazo e em condições normais, afeta mais o primeiro do que o segundo mercado. A inflação está tranquila, primeiro porque não há pressões vindas de fora e, segundo, porque a economia brasileira opera com ociosidade gigantesca. Como a inflação é uma variável que se movimenta com inércia, registros baixos no presente provavelmente significam inflação baixa também no futuro próximo – até que um “choque” mude a história.
Há também razões pontuais para explicar o bom momento da bolsa. No longo prazo, é claro que o preço das ações depende do sucesso do governo em equacionar o imbróglio fiscal. No entanto, o colapso provocado pela “Nova Matriz Econômica” abriu um buraco que, se preenchido, implicará crescimento razoável nos próximos trimestres mesmo se o governo fizer pouco para ampliar o potencial de expansão da economia – trata-se apenas de retornar ao normal.
Na verdade, a retomada com Temer só não foi maior porque a parca legitimidade do governo sumiu quando a economia estava quase decolando. Daqui para frente, para haver uma aceleração do crescimento bastará que o governo não cometa equívocos tão grandes quanto os que provocaram a crise – coisa que não é muito difícil. Os dados existentes ainda sugerem que a economia está patinando, mas o zum zum zum é favorável. Os espíritos animais parecem acordar da letargia que marcou os últimos anos.
A bolsa sobe amparada nesses humores auspiciosos e, por isso, seu desempenho tem sido menos dependente no curto prazo de iniciativas necessárias para dar sustentação ao cenário de longo prazo. De fato, de acordo com informações da Bloomberg, o mercado espera crescimento de 35% para o EBITDA das empresas do Ibovespa em 2019 e de “apenas” 6% em 2020.
Não se trata evidentemente de dizer que os fundamentos de longo prazo da economia valem para uns mercados e não para outros. Não dá para ser estruturalmente “pessimista” no câmbio e “otimista” nos juros e nas bolsas. Nos próximos meses, ou o câmbio se apreciará dando suporte aos cenários mais favoráveis sugeridos pelos comportamentos dos outros mercados, ou os juros e a bolsa se ajustarão ao cenário conservador do mercado cambial.
De forma geral, pode-se dizer que o clima é favorável e, provavelmente, esse estado perdurará por mais um tempo, especialmente agora que as principais economias desistiram de pisar com força no freio. Mas é precipitado inferir dos bons desempenhos recentes dos mercados de juros e da bolsa o sinal de que o longo prazo estaria já encaminhado. É cedo para declarar vitória. O governo mal começou e já tropeça em cascas de banana. Como vai explicar as gabolices do júnior?
O clima é de festa e não faz sentido ficar de fora. É bom saber, no entanto, que um indício mais forte de que as coisas andam na direção certa virá se o dólar cair mais um tanto. Até lá é bom curtir a festa com moderação.