Ciência

Microplástico polui ambientes marinhos e de água doce no Brasil

Os ambientes aquáticos têm sido contaminados não só com garrafas PET, sacolas e embalagens de alimentos, mas também com minúsculos detritos

A fotógrafa britânica Mandy Barker decidiu alertar as pessoas sobre a poluição dos oceanos utilizando microplástico e resíduos plásticos encontrados em praias (Mandy Barker/Divulgação)

A fotógrafa britânica Mandy Barker decidiu alertar as pessoas sobre a poluição dos oceanos utilizando microplástico e resíduos plásticos encontrados em praias (Mandy Barker/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2017 às 14h51.

Última atualização em 7 de junho de 2017 às 15h26.

Além de garrafas PET, sacolas e embalagens de alimentos, entre outros objetos, os ambientes marinhos e de água doce em todo o mundo têm sido contaminados com minúsculos detritos, conhecidos como microplásticos, com tamanho menor que 5 milímetros, como fibras e pequenos resíduos gerados pela fragmentação de grandes pedaços de plástico.

Um grupo de pesquisadores do Departamento de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus da Baixada Santista, em colaboração com colegas de outras universidades e instituições de pesquisa do Brasil e do exterior, constatou que esses microplásticos também estão presentes em larga escala em praias e rios no Brasil.

Os pesquisadores também observaram que algumas espécies de peixes de água doce e de pequenos organismos marinhos ingerem frequentemente esses microplásticos, e que os contaminantes liberados por esses poluentes causam efeitos tóxicos para espécies de moluscos, como os mexilhões marrons (Perna perna).

Os resultados dos estudos, coordenados por Luiz Felipe Mendes de Gusmão com apoio da FAPESP, foram publicados nas revistas Environmental Pollution e Water Research.

“Temos observado a poluição generalizada por microplásticos tanto de ecossistemas marinhos como de ambientes de água doce”, disse Gusmão, professor da Unifesp da Baixada Santista e coordenador das pesquisas, à Agência FAPESP.

De acordo com o pesquisador, enquanto resíduos de plástico grandes, como sacolas, tampinhas e garrafas PET, são relativamente fáceis de serem vistos e retirados da areia de uma praia, os microplásticos são quase impossíveis de serem removidos por serem muito pequenos e praticamente imperceptíveis a olho nu. Por isso, tem se observado um aumento do acúmulo desse tipo de poluente em praias de todo o mundo, apontou

“Os microplásticos que entram em um ambiente de água doce são transportados, via os rios, até os oceanos. E quando chegam aos oceanos esses fragmentos de plástico são transportados por correntes marinhas e tendem a ficar em suspensão na coluna d’água ou encalharem em praias”, explicou.

Uma vez que essas partículas de plástico têm sido encontradas de forma generalizada em ambientes marinhos e de água doce em todo o mundo, o pesquisador, em colaboração com colegas no Brasil e no exterior, começou a monitorar nos últimos anos a presença desses poluentes em ambientes aquáticos no país.

Os primeiros locais escolhidos foram as praias de Itaquidantuva e de Paranapuã, situadas na reserva ambiental de Xixová-Japuí, localizada entre os municípios da Praia Grande e São Vicente, na baixada santista, em São Paulo.

Durante um ano os pesquisadores coletaram semanalmente nas áreas das duas praias pellets de plástico – grânulos de plástico, com diâmetro inferior a 10 milímetros, utilizados na fabricação de produtos plásticos.

Os resultados das análises indicaram uma altíssima concentração desse tipo de microplástico. “Observamos pellets de plástico, de diferentes cores e tamanhos, se acumulando na praia de Paranapuã o ano inteiro. Em alguns momentos, as praias ficavam cheias desses microplásticos, e em outros momentos eles sumiam temporariamente em razão de fatores como a circulação oceânica, as ondas e o regime de ventos”, afirmou.

Efeitos tóxicos

De acordo com o pesquisador, algumas características que potencializam o efeito nocivo do plástico em ambientes marinhos e de água doce são que a maioria dos polímeros comuns – como o polipropileno e o poliestireno – degradam muito lentamente e são leves – o que permite serem transportados com facilidade pelas correntes oceânicas e permanecerem por muito tempo no ambiente marinho

Ao permanecerem por longo tempo no ambiente, as moléculas de contaminantes presentes em um meio aquático, como metais pesados e pesticidas, começam a aderir à superfície dos plásticos e podem atingir concentrações extremamente altas. Além disso, esses resíduos de plástico também possuem aditivos presentes na composição do material, como corantes, dispersantes e protetores contra raios ultravioleta.

Com o passar do tempo, os fragmentos de plástico tendem a liberar esses contaminantes no ambiente aquático, explicou Gusmão.

“Se os microplásticos forem ingeridos pela fauna marinha, os poluentes aderidos na sua superfície podem ser liberados no tubo digestivo do animal, o que pode causar efeitos tóxicos”, ressaltou.

A fim de avaliar a potencial toxicidade para organismos marinhos dos contaminantes liberados por microplásticos, os pesquisadores da Unifesp, em colaboração com colegas da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Santa Cecília, realizaram experimentos em que expuseram larvas de mexilhões marrons a amostras de pellets de plástico que recolheram nas praias de Itaquidantuva e de Paranapuã e também a pellets virgens.

Os resultados das análises indicaram que os contaminantes liberados pelos pellets de plástico afetaram o desenvolvimento embrionário dos moluscos.

As larvas expostas aos pellets de plástico virgens apresentaram alta taxa de mortalidade, enquanto nenhuma das larvas expostas aos pellets de plástico recolhidos das duas praias conseguiu se desenvolver.

As observações sugeriram que os contaminantes aderidos à superfície dos pellets de plástico recolhidos das praias foram os responsáveis pelos efeitos tóxicos no desenvolvimento das larvas expostas aos microplásticos, enquanto a morte das larvas expostas aos pellets virgens foi devido provavelmente aos aditivos químicos do próprio material.

“Somente a exposição aos microplásticos, sem que ingerissem, fez com que as larvas morressem”, disse Gusmão.

A poluição marítima também mobiliza a ONU Meio Ambiente que lança nesta quarta-feira (07/06), no Brasil, a campanha “Mares Limpos”, que durante cinco anos terá ações para conter a maré de plásticos que invade os oceanos. O evento acontece no AquaRio, no Rio de Janeiro, como parte das comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho.

No Brasil, a campanha trabalhará na mobilização de governos, parlamentares, sociedade civil e setor privado para fortalecer ações que reduzam a contribuição do país ao problema global dos plásticos que acabam nos mares. Os esforços da campanha se concentrarão em buscar uma drástica redução no uso de plásticos descartáveis e o banimento de microesferas de plástico em cosméticos e produtos de higiene, além de apoiar a elaboração do Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, capitaneado pelo Ministério do Meio Ambiente.

Ingestão

Os pesquisadores da Unifesp também avaliaram se pequenos organismos marinhos são capazes de ingerir microplásticos encontrados em seus habitats.

Em um estudo realizado em colaboração com colegas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), das Universidades Federais do Rio Grande (FURG) e do Paraná (UFPR), além da University of Copenhagen, da Dinamarca, e do Instituto de Estudos Ecossistêmicos, da Itália, eles examinaram o conteúdo intestinal da meiofauna (animais que medem menos de 1 milímetro e vivem enterrados entre grãos de areia das praias) de seis praias situadas no Brasil, na Itália e nas Ilhas Canárias, na Espanha.

As análises laboratoriais revelaram que três espécies comuns de anelídeos, do gênero Saccocirrus, tinham microfibras (fibras provenientes de cordas e fios de pesca e de tecidos de roupas, entre outras) em seus intestinos, mas sem apresentar lesões físicas aparentes.

“Constatamos que mesmo organismos marinhos desse porte podem interagir com microplásticos”, disse Gusmão.

Em outro estudo, os pesquisadores da Unifesp, em colaboração com colegas das Universidades Federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e Rural de Pernambuco (UFRPE), avaliaram a ingestão de microplásticos por um peixe de água doce comum e muito consumido em regiões semiáridas na América do Sul: o caborja (Hoplosternum littorale).

Para realizar o estudo, eles analisaram o intestino de espécimes do peixe de um rio intermitente que passa pela cidade de Serra Talhada, no interior de Pernambuco, capturadas por pescadores da região.

Os resultados das análises indicaram que 83% dos peixes tinham detritos plásticos em seus intestinos – a maior proporção relatada para uma espécie de peixe de água doce no mundo até o momento.

A maioria dos detritos plásticos (88,6%) extraídos do estômago dos peixes era microplásticos com tamanho de até 5 milímetros, e as fibras foram o tipo de microplástico mais frequente (46,6%) ingerido pelos animais.

Os pesquisadores também observaram que os peixes consumiam mais microplásticos nas regiões mais urbanizadas do rio.

“Hoje tem sido muito discutido como diminuir os impactos causados por resíduos de plásticos grandes em ambientes e organismos marinhos e de água doce, mas a poluição por microplásticos também representa um problema muito sério”, disse Gusmão.

“É preciso repensar a cadeia de produção do plástico, que é um produto importante para a sociedade, de modo a reduzir a chance dele chegar ao ambiente”, avaliou.

Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Fapesp.

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