Coroa britânica: no Reino Unido, plataformas de streaming já têm mais assinantes que TV paga (Netflix/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 14 de julho de 2018 às 10h19.
As indicações para o Emmy 2018 foram anunciadas. Os nomes esperados estavam todos lá, congratulações pipocaram nas redes sociais, fãs reclamaram da ausência de seus favoritos. E, no final das contas, o grande marco, o indicador de uma grande mudança na indústria daquilo que se costumava chamar de “televisão” teve muito pouco a ver com tudo isso: pela primeira vez em 18 anos, a HBO não foi o canal com maior número de indicações. O posto, este ano, pertence a algo que não é nem mesmo um canal – a plataforma de streaming Netflix, com 112 indicações contra as 108 da HBO.
Se ainda havia alguém na indústria capaz de relegar a Netflix a uma nota de rodapé no status quo, estes números puseram o ponto final. A Netflix deixou de ser apenas a líder no volume de produção e no tamanho e alcance de sua audiência. Não se tratava mais de quantidade: a qualidade de pelo menos parte de seu conteúdo passou a ser, depois dessas 112 indicações – outorgadas não por críticos ou obervadores, mas por seus pares, os próprios integrantes da indústria – um fato consumado.
É verdade que nem tudo em seus 5.579 títulos disponíveis, nem todos originais – dos quais 1,569 são séries – é digno de uma indicação. O modelo da Netflix tem sido quantidade e variedade de oferta em primeiro lugar, enquanto a HBO, até o momento, prefere manter sua programação com um número restrito de obras originais, mas sempre visando altos parâmetros de qualidade em todas elas. Em comparação aos 5579 títulos da Netflix, a HBO tem hoje, em sua programação, cinco filmes originais e 20 séries, incluindo títulos infantis e noticiosos/talk shows.
Consistente com seu posicionamento, a HBO ainda é líder em um setor: maior número de indicações por título – 22 para Game of Thrones, seguido de perto com 21 para Westworld. As indicações para a Netflix espalharam-se por The Crown (seu título mais indicado, com 13 menções), Godless, GLOW, Black Mirror, Ozark, Stranger Things, Queer Eye, Grace and Frankie e a série-documentário Wild, Wild Country.
Um adendo interessante: depois dos tops Netflix e HBO vêm títulos das quatro grandes redes dos Estados Unidos, NBC, Fox (representada pelo canal FX), CBS e ABC, nesta ordem – seguidas imediatamente por duas outras plataformas de streaming, a Hulu, com 27 indicações, 21 das quais para a série The Handmaid’s Tale, e a Amazon, com 22 indicações, 14 delas para The Marvelous Mrs. Maisel.
Todos os outros canais, na maioria de TV paga, se aglomeraram depois deles.
O ganho total das plataformas de streaming sobre a televisão tradicional, agora no nível do reconhecimento pela própria indústria, tornou-se, este ano, inquestionável.
Esta verdadeira revolução na elite do conteúdo de consumo doméstico (e móvel) tem apenas cinco anos. Em 2013, seis anos após ter-se reinventado como uma plataforma de streaming e um ano após ter iniciado a produção de séries originais, a Netflix recebia 14 indicações ao Emmy por House of Cards (quatro indicações), Arrested Development e Hemlock Grove – a primeira vez em que conteúdos de streaming eram reconhecidos por excelência, no mesmo nível da televisão.
E não parou mais – no ano seguinte a Netflix recebia 31 indicações, um número que foi crescendo ano após ano, com algumas séries, como Orange is the New Black, The Crown e Stranger Things, levando mútiplas indicações (o recorde: Stranger Things em 2017, com 19 indicações.)
Com cofres bem nutridos por seu pool de grandes investidores, a Netflix tem planos de investir 85% dos seus 13 bilhões de dólares em produção original de séries (sua preferência, atualmente) e filmes nos próximos 12 meses, exatamente nos mesmos moldes que a levaram à hegemonia do streaming: conteúdo abundante e diverso.
Já a HBO deve se preparar, nas palavras do novo cabeça da Warner Media, John Stankey, para “um ano difícil”. Stankey, parte da nova liderança instalada depois da aquisição do grupo Warner (da qual a HBO faz parte) pela AT&T, deixou absolutamente claro que o canal deveria seguir o modelo da Netflix, gerando mais conteúdo com maior diversidade em todos os níveis.
Sem mencionar diretamente seu maior competidor (agora também em prestígio…) Stankey afirmou que “precisamos encher muitas horas (de conteúdo original) num dia. Não mais apenas horas numa semana, mas horas num só dia. Estamos competindo com aparelhos que estão nas mãos das pessoas o dia inteiro, capazes de capturar sua atenção a cada 15 minutos.”
Falando a um grupo de chefes de departamento da HBO em Nova York, Stankey e a nova liderança louvaram o rigor estético e de qualidade do canal “ é nossa marca, a marca que nos identifica, que nos distingue, nosso excepcional bom gosto” – mas ao mesmo tempo enfatizaram a necessidade de crescer e se multiplicar.
A HBO tem 40 milhões de assinantes nos Estados Unidos, e mais 143 milhões no exterior, contra 57 milhões de assinantes da Netflix nos Estados Unidos e 125 milhões no exterior. “Ter 35, 40 por cento de penetração nesses mercados não basta”, disse Stankey. “Precisamos ir além, e fazer disso parte da nossa rotina. Precisamos atender diferentes plateias, de modos diferentes. Ser apenas uma companhia que dá lucro não é mais o bastante.”
No Emmy há muito mais em jogo do que a disputa pelas estatuetas.